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A Infância e a Exaltação da Maternidade no Século XIX

A exaltação da maternidade no Ocidente é um processo que pode ser percebido nitidamente a partir do final do século XVIII, e foi sendo construído em diferentes âmbitos da vida social, nas idéias e práticas políticas e científicas. A influência da Igreja sofreu considerável declínio, e a Filosofia das Luzes questionou as hierarquias e instrumentalizou o homem para pensar um novo tipo de sociedade. A mulher, subordinada ao homem, passa a ser agora valorizada como mãe e é convocada a – através da maternidade – socorrer a Nação quanto ao futuro. Durante o século XIX e a primeira metade do século XX, é inaugurado o reconhecimento da influência da mãe sobre o filho, e a maternidade passa a ser glorificada. A divulgação da figura da mãe como responsável pela preservação da vida de seus filhos será um fenômeno que alcançará as distintas nações, na busca do combate aos altos índices de mortalidade infantil.

Segundo Badinter (1980), em meados do século XVIII, na França, processa-se o início de uma revolução de mentalidades: a imagem de mãe, seu papel e sua importância se modificam, ainda que os costumes demorassem a se alterar. Nessa linha de conduzir as mães a um novo comportamento, a partir de 1760 são produzidas publicações a elas dirigidas, em que se recomendavam os cuidados com os filhos; dentre esses, estava o que as aconselhava a amamentá- los. Há uma imposição à mulher da missão de ser mãe, e a sociedade, no caso exemplificado, a sociedade francesa, passa a convocar a mulher e a valorizar o instinto materno, construindo assim, a idéia de existência do amor espontâneo de toda a mãe pelo filho. O que se modifica em relação aos séculos anteriores, a esse respeito, é a exaltação do amor materno como um valor natural e social, e o foco ideológico ilumina cada vez mais a mãe.

É no último terço do século XVIII que se opera uma espécie de revolução de mentalidades. A imagem da mãe, de seu papel e de sua importância modifica-se radicalmente, ainda que, na prática, os comportamentos tardem a se alterar. Após 1760, abundam as publicações que recomendam às mães cuidar pessoalmente dos filhos, e lhe “ordenam” amamentá-los. Elas impõem, à mulher, a obrigação de ser mãe antes de tudo, e engrendram o mito que

continuará bem vivo duzentos anos mais tarde: o do instinto materno, ou do amor espontâneo de toda a mãe pelo filho (BADINTER, 1980 p. 145).

Conforme a autora, no final do século XVIII o primordial passa a ser produzir seres humanos que serão a riqueza do Estado: o novo imperativo será a sobrevivência das crianças, assunto pelo qual o Estado passa a se interessar diretamente. Assim, já não era tão importante o período da infância depois do desmame, porque, quando os pais negligenciavam, os cuidados na primeira etapa da vida, é que se dava o maior índice de mortalidade infantil. Para o convencimento das mães, reuniram-se médicos, filantropos e administradores em campanha para o aleitamento materno, a cujo chamamento muitas mulheres foram sensíveis. Por quase dois séculos, os ideólogos prometeram a elas – caso desempenhassem o papel a que estavam sendo chamadas – a felicidade da igualdade aos homens. Entretanto, nem todas as mulheres foram sensíveis ao chamamento de salvar a Nação pela maternidade e, durante todo o século XIX, os ideólogos voltaram incansavelmente aos aspectos da teoria rousseauniana9 de mãe. Alguns médicos franceses, desde o início do século, recomendavam às mães o aleitamento materno, outros condenavam as amas mercenárias.

Ainda, segundo Badinter (1980), no entanto, com a publicação de Emílio, de Rousseau, a opinião pública começa a comover-se. No final do século XVIII, vários segmentos surgem a favor da maternidade, para o que foram utilizados três argumentos: 1) o retorno à natureza – os conselhos sobre a necessidade de amamentação não são ouvidos, e as mulheres são declaradas corrompidas pela má sociedade e convidadas a retornar à boa natureza. A mulher selvagem10 é exaltada, os relatos dos viajantes onde são citados o aleitamento natural, o carinho das mães e a liberdade total proporcionada ao corpo da criança são explorados. O médico Verdier-Heurtin constata que, tão logo os povos enriquecem, se civilizam, tornam-se cultos, as mães deixam de amamentar e recorrem às amas mercenárias, e a raça se degenera. O acolhimento dessa

9 Rousseau, no final do século XVIII e século XIX, como um dos principais pensadores do Século das Luzes, passa a ser um dos maiores representantes do discurso da Felicidade; neste ponto de vista, ressaltam-se as doçuras da maternidade, que deixa de ser um dever imposto e passa a ser uma das atividades mais invejáveis e mais doces que uma mulher podia esperar. A nova mãe amamentaria seu filho pelo seu próprio prazer, recebendo em troca uma ternura infinita. Assim os pais passam a se considerar mais responsáveis pela felicidade ou infelicidade de seus filhos (ROUSSEAU, J. J. Emílio ou da Educação. São Paulo: Martins Fontes, 2004).

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Para Rousseau, a relação homem-natureza é permeada por um ingrediente idílico marcado por uma complementaridade absoluta entre o homem e a natureza. O equilíbrio dessa relação só vai-se romper quando ela começar a inserir-se num contexto dominado pela sociedade e pela civilização com as conseqüências necessariamente negativas que elas trazem. A “nostalgia” do estado de natureza é tão mais profunda quanto é para Rousseau a impossibilidade de o homem viver em sociedade de maneira tão pacífica e sadia quanto vivia naquele estado.

constatação é oportuno porque – nesse momento – da boa vontade das mães dependiam as grandes nações; estavam nas mãos delas, das mães, a força e a grandeza políticas. Os argumentos em favor da natureza servem para mostrar que a mulher do século XVIII, se não aderir ao chamado, é considerada desnaturada – no sentido de corrompida ou viciosa, amoral ou uma mãe ruim. É preciso modificar os usos e remediar o mal; 2) as promessas – os médicos fazem as promessas da beleza das lactentes; durante o século XVIII e XIX se insistirá nos atrativos da maternidade, a ocupação mais agradável seria zelar pelos filhos. Rousseau11 também promete, às mães que amamentam, vantagens como o carinho do filho e o apego do marido. Além de valerem-se dos argumentos da beleza e da felicidade, os médicos utilizam-se, também, da idéia de que a maternidade traria glória à mulher e maior respeito e estima do público. Ainda como argumento, há o seguimento que calcula os lucros e as perdas ao entregar-se o filho às amas; 3) as ameaças – os médicos argumentam em relação à retenção do leite, a mãe que se nega a amamentar pode ter seu leite sumido e estaria correndo até o risco de morrer. O abandono do aleitamento materno é considerado também como um pecado contra Deus, uma ação imoral. Da condenação moral passa-se à condenação teológica: o abandono do aleitamento materno é considerado injustiça cometida com o filho. A mulher é colocada diante de responsabilidades imensas, cabe a ela a sobrevivência e saúde dos filhos:

[...] É verdade que desde o início do século, certos médicos recomendavam às mães aleitarem seus bebês, enquanto outros condenavam as amas mercenárias. Mas é preciso esperar publicação de Émile, em 1762, para que a opinião esclarecida comece a comover-se. Rouseau não usou de meias palavras: “Do cuidado das mulheres depende a primeira educação dos homens, das mulheres dependem ainda seus costumes... Assim, educar os homens quando são jovens,

11 Quanto eu insistiria sobre este ponto, se fosse menos desencorajador obstinar-se em vão em assuntos úteis! Isso está ligado a mais coisas do que se pensa. Quereis que cada um volte a seus primeiros deveres? Começai pelas mães; ficareis admirados com as mudanças que produzireis. Tudo vem sucessivamente dessa primeira depravação; toda a ordem moral fica alterada; a naturalidade apaga-se em todos os corações; o interior das casas assume um ar menos vivo; o espetáculo tocante da família nascente já não atrai os maridos, já não impõe respeito aos estranhos, respeita- se menos a mãe cujos filhos não se vêem; não há permanência nas famílias; o hábito não reforça os laços de sangue; já não há pais, nem mães, nem filhos, nem irmãos, nem irmãs; todos mal se conhecem como se amariam? Cada um já não pensa se não em si mesmo. Quando o lar não passa de uma triste solidão, é preciso divertir-se em outro lugar. Mas, se as mães se dignarem a amamentar seus filhos, os costumes, reformar-se-ão por si mesmos, e os sentimentos da natureza despertarão em todos os corações. O Estado repovoar-se-á. Este primeiro ponto, apenas este ponto irá reunir tudo. Os atrativos da vida doméstica são o melhor contraveneno para os maus costumes. A agitação das crianças, que acreditamos inoportuna, tornar-se-á agradável, ela torna o pai e a mãe mais necessários, mais queridos um pelo outro e reatará entre eles os laços conjugais. Quando a família é viva e animada, os trabalhos domésticos constituem a mais cara ocupação da mulher e o mais doce divertimento do marido. Assim, apenas da correção, desse abuso logo decorrerá uma reforma geral, logo a natureza teria reassumido todos os seus direitos. Se as mulheres voltarem a ser mães, logo os homens voltarão a ser pais e maridos (ROUSSEAU, J.J. Emílio ou da Educação, p.21 22).

cuidar deles quando são grandes, aconselhá-los, consolá-los ... eis o deveres das mulheres e em todos os tempos”(BADINTER, 1980 p. 181).

Segundo Badinter (1980) e Knibiehler (2001), se as mães amamentassem, teriam o apoio dos maridos, os pais cumpririam o seu dever, família seria unida e o Estado rico e poderoso. A mulher passa a ser valorizada a partir de sua eminente contribuição na prosperidade comum e é exaltada, em termos rousseaunianos, nos cuidados das crianças e na consagração de mãe na vida privada. Isso não é imposto por sua natureza, mas por alguma autoridade.

Assim como a exaltação da maternidade, a sensibilidade adulta em relação à infância, nas sociedades européias, se modifica. Segundo Ariès (1981), entre o final da Idade Média e o século XIX, a criança passa a ser reconhecida por seu caráter incompleto de não-adulto, começa a ser observada, paparicada, o que acompanha as modificações na família e acontecem decréscimos da mortalidade infantil. Isso teria influenciado na mudança de relação entre adulto e criança e gerado o apego dele a elas.

O primeiro sentimento da infância caracterizado pela paparicação surgiu no seio familiar, na companhia das criancinhas pequenas. Os segundo, ao contrário, proveio de uma fonte exterior à família: dos eclesiásticos, ou dos homens da lei, raros até o século XVII, preocupados com a disciplina e a racionalidade dos costumes. Esses moralistas haviam-se tornado sensíveis ao fenômeno outrora negligenciado da infância, mas recusavam-se a considerar as crianças como brinquedos encantadores, pois viam nelas frágeis criaturas de Deus, que era preciso ao mesmo tempo preservar e disciplinar. No século XVIII, encontramos na família esses dois elementos antigos associados a um elemento novo: a preocupação com a higiene e a saúde física (ARIÈS, 1981, p, 164). 12

Conforme estudos de Kuhlmann Jr. (1998), Gélis (1991) retrata a evolução do sentimento de infância, na França, contrapondo-se à tese de Ariès, e considera que o sentimento da infância não se manifesta de forma linear. Desde o século XVI, já se evidenciaria no discurso literário e

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Ferreira (2002) considera que a posição de Áries sobre a infância no contexto medieval foi objeto de inúmeras críticas, e que o investimento emocional e material dos pais nos filhos foi considerado por autores tais como Shahar (1990) e Kroll (1977) como já acontecendo com freqüência, que as crianças mereciam alguma atenção por parte da literatura médica e eram especialmente contempladas nas determinações e práticas que visavam à proteção dos mais desprotegidos. Contudo, Shorter (1977) e Stone (1977) vieram reforçar a idéia de Áries. Para Shorter (1977), na sociedade do Antigo Regime a criança seria tida em baixo grau de estima, que nem chegava a considerar-se humana; as próprias mães não entenderiam os filhos com capacidades de alegria e de sofrimento iguais às suas. Ainda que lhes dedicassem uma afeição maternal, seria somente a partir do século XVI que se começara a verificar, nas classes superiores, uma alteração da posição da criança, na hierarquia dos valores das mães, que não se estendia aos filhos das classes pobres. Os pais, por seu lado, permaneciam indiferentes até o século XVIII. Stone (1977), a partir de documentos escritos e iconográficos, analisando as categorias sociais e os modelos pedagógicos, constata que até a década dos Seiscentos os interesses de grupos continuariam a sobrepor-se aos interesses individuais. Por isso, as crianças eram desvalorizadas, os pais de classes superiores e demais baixos estratos sociais, podiam abandonar os filhos e, de uma forma geral, não se comoveriam com a morte deles.

médico a abordagem de temas como o enfaixamento das crianças tolhendo a liberdade corporal; a deformação do crânio pelo uso de gorros e de toucas durante a primeira infância, o aleitamento confinado a uma ama estranha à família.

A indiferença medieval pela criança é uma fábula; e no século XVI, como vimos, os pais se preocupam com a saúde e a cura de seu filho.

Assim devemos interpretar que o sentimento de infância no século XVIII quer dizer nosso sentimento de infância como o sintoma de uma profunda convulsão de crenças e das estruturas de pensamento, como indício de uma mutação sem precedente de atitude ocidental em relação à infância, - como o sintoma de uma profunda convulsão e das crenças e das estruturas de pensamento, como indício de uma mutação sem precedente, da atitude ocidental com relação à vida e ao corpo. A um imaginário da vida que era aquela da linhagem e da comunidade substitui-se o da família nucelar (GÉLIS, 1991 apud, KUHLMANN Jr., 1998 p.23).

Outra medida para preservação das crianças é tratada por Donzelot (1986) ao constatar que, na França, o Estado moderno, visando ao desenvolvimento industrial, necessitava controlar – demográfica e politicamente – a população; esse controle foi exercido junto às famílias, disciplinando as práticas de concepção de filhos e dos cuidados físicos com as crianças. No caso dos pobres, previniu-se as conseqüências políticas da miséria. Criam-se, então, estratégias de intervenção normativa junto às famílias, uma política de Estado em nome dos direitos do homem. Uma primeira intervenção se dará através da medicina doméstica, uma política populacionista que, no interior da burguesia, reorganiza as famílias em busca da conservação das crianças. Uma segunda estratégia é dirigida às famílias pobres em forma de campanhas de moralização, higiene e coletividade.

Até meados do século XVIII, a medicina não demonstrava interesse nas crianças e nas mulheres. Simples máquinas de reproduação, estas últimas tinham sua própria medicina que era desprezada pela Faculdade e cuja lembrança foi guardada pela tradição através da expressão “remédio de comadre”. O parto, as doenças de parturientes, as doenças infantis eram coisas de “comadres”, corporação assimilhável às domésticas e às nutrizes que compartilhavam seus saberes e os colocavam em prática. A conquista desse mercado pela medicina implicava, portanto, uma destruição do império das comadres, uma longa luta contra suas práticas, consideradas inúteis e perniciosas. Os principais pontos de confrontação são, naturalmente, a amamentação materna e o vestuário das crianças (DONZELOT, 1986, p. 24).

Numa aliança entre médico e mãe, aquele derrota a hegemonia da medicina popular das comadres e concede à mulher burguesa, através de uma importância maior das funções maternas, um novo poder na esfera doméstica. Concedendo à mãe uma autoridade civil como educadora ou

auxiliar médica, o médico lhe fornece uma autoridade social. Apesar de – aparentemente – tratar- se da mesma preocupação de garantir a conservação das crianças, e de propagarem-se os mesmos preceitos higiênicos, com a economia social as ações serão totalmente diferentes. Isso implicava alterar liberdades assumidas, tais como: abandono de crianças em hospícios para menores, abandono disfarçado de nutrizes, controle de uniões livres e esforços para impedir linhas de fuga – vagabundagem de indivíduos, particularmente das crianças. Na segunda metade do século XIX, uma aliança entre aqueles que defendiam a tese da promoção da mulher e quem praticava a filantropia moralizadora se torna decisiva para restabelecer a vida da família da classe operária. Essa estratégia de familiarização das camadas populares é, portanto, um suporte principal à mulher e lhe dá significativos aliados, tais como: instrução primária, ensino de higiene doméstica, instituição de jardins operários, repouso no domingo e a habitação social para os higienistas – (habitação com espaço sanitário, amplo e higiênico, pequeno o suficiente para só a família viver nele, com espaços reservados para pais e filhos).

Ainda segundo, Donzelot (1986), os médicos, por seu lado, desenvolveram suas ações para assegurar a indissociabilidade da relação mãe e filho, dirigindo campanhas contra a mortalidade infantil, os infanticídios ou o abandono das crianças, e, ainda contra abortos e práticas anticoncepcionais. Educavam as mães, seus hábitos e sentimentos em relação aos seus filhos através de instituições como hospitais, institutos de puericultura e lactários. Adequando suas ações a seus propósitos, os médicos exigiram um apoio jurídico e político em torno da maternidade. Revisaram e propuseram reformas nas leis e contaram com apoio de outros setores sociais que também demandaram do Estado políticas de maternidade, que, por seu lado, elegeram como prioridade a natalidade e os cuidados com a criança.

A maternidade e a infância, como fenômenos sociais e culturais, historicamente construídos, não foram locais, mas um processo mais geral com dimensões que atingiram o mundo ocidental e os países do ocidente entre os séculos XVIII e XIX. Com as mudanças nas relações produtivas e nas representações e legitimações políticas, os intelectuais, os médicos e os que representavam o Estado dariam maior atenção à organização das famílias (estudos de natalidade, mortalidade, gravidez, registro da criança); ao mesmo tempo, essas pessoas seriam articuladores de controle e promotores de conhecimentos. Paralelamente, tomam para si a preservação da infância. No Brasil, o reflexo da Filosofia das Luzes questiona as hierarquias, os costumes e as idéias. Pensando uma nova sociedade, esse questionamento irá se manifestar no

final do século XVIII, durante todo o século XIX e ainda na primeira metade do século XX. Enquanto, na Europa, a maternidade passa a ser um lugar sagrado para a mulher, e dela é esperado que se coloque a serviço da criança, futuro da nação, aqui no Brasil a maternidade idealizada estará atrelada ao projeto Igreja e Estado: as mulheres deveriam tornar-se esposas e mães, divulgando os preceitos do catolicismo e contribuindo para a preservação de seu povo (DEL PRIORE, 1993; COSTA 2004).

No contexto da sociedade colonial no Brasil, a sociedade era comandada por disciplina e controle da economia e da ordem social. O Estado português não permitia outro poder senão o de sua administração e de seus agentes, e o padrão europeu e católico de moral se transplantou na conquista protuguesa. O patrimonialismo defendia a expansão marítima e comercial de Portugal, quando a burguesia, limitada aos propósitos do rei, foi incapaz de se emancipar da tutela. As formas sociais assumem caráter constitutivo na estrutura global da sociedade com predomínio do domínio de classes (FAORO, 2001).

Fausto (2006) registra que, nas tentativas de transpor a organização administrativa da Corte para a colônia, essa se chocou com obstáculos – o distanciamento da Metrópole, a extensão da Colônia – pelos quais a autoridade do governo central se exerceu restrita à sede do governo e à sua volta. Nesse cenário, a Igreja terá um papel relevante. Como tinha uma relação de proximidade com os fiéis na vida diária, era um instrumento eficaz na propagação da obidiência ao Estado. A relação entre o Estado português e a Igreja se estabelecia pela condição que essa possuía: ter liberdade de se organizar em todas as terras colonais. A Igreja ditava padrões de comportamento de uma vida decente e mantinha influência monopolizando várias passagens da vida através dos rituais de batismo, crisma, casamento, extema-unção, enterro. Uma idealização da maternidade fará parte da difusão do catolicismo e tentará aniquilar os princípios ditados pela Reforma protestante; tentará ainda consolidar o projeto demográfico para preencher os vazios das terras da colônia: uma população nascida no Brasil, identificada com os objetivos lusos, asseguraria o controle das regiões semipovoadas. Com recomendações de que casassem e consituíssem família, às mulheres a Igreja impunha um padrão de comportamento que assegurasse sua decendência e fizesse dela modelo à sociedade.

Del Priore (1993) ressalta que, no final do século XVIII, há uma imposição do matrimônio pela Igreja, e a partir da figura da mãe, numa aliança Igreja e Estado, um padrão de comportamento da “boa-e-santa-mãe” passa a ser idealizado. Importava fazer dela um exemplo e

da maternidade uma tarefa, um projeto penoso prolongado pela vida inteira. A mulher, no cotidiano, ganhava relevância como elo entre as tradições e como provedora de soluções de