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O conceito de cidade ultrapassa a dimensão material e objetiva consubstanciada no espaço físico e no elemento de suporte de atividades urbanas10. Ela assume-se como uma realidade multifacetada e abrangente, em constante mutação e evolução, onde “coexistem actividades diversificadas com história e origens diversas

associadas a modos de vida e de uso do tempo e do espaço muito diferentes”

(Fadigas, 2010, p.19).

A cidade, também, pode ser entendida como a intervenção mais radical do homem na paisagem. Pode ser compreendida como a síntese da civilização, cujo modo de vida permeia não apenas a sua estrutura, mas toda a sua região de influência, moldando um mundo urbano além das suas fronteiras. A cidade é o lugar onde o homem pode desenvolver melhor as suas faculdades intelectuais, dada a coexistência plural de grupos sociais; sendo assim, um lugar onde se pode

9 A obra “O Contrato social”, publicada em 1762, propõe que todos os homens façam um novo contrato social onde se

defenda a liberdade do homem baseado na experiência política das antigas civilizações onde predomina o consenso e dessa forma se garantam os direitos de todos os cidadãos.

10 Entenda-se como actividades urbanas por exemplo o trabalho, o estudo, o lazer, as compras, entre outras acções que se

realizam numa zona caracterizada pela edificação contínua e a existência de equipamentos sociais destinados às funções urbanas básicas, como habitação, trabalho, recreio e circulação.

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exercitar de forma ampliada a escolha de um modo de vida mais diverso e, consequentemente, a liberdade.

Autores, como Mumford (1964), Chueca-Goitia (1982), Argan (1993), entre outros, viram na cidade não só uma das mais perfeitas invenções humanas como o ambiente propício à criação e ao desenvolvimento humano; mas também é numa perspetiva mais territorial e administrativa, um centro urbano cuja “organização

política lhe permite assumir a liderança de uma região” (Costa Lobo, 1999, p. 13).

De acordo com Ascher (2010, p.21) a cidade e a sociedade funcionam numa correlação estreita, porque, desde a sua origem a existência de cidade implica “uma

divisão técnica, social e espacial da produção e implica trocas de natureza diversa entre aqueles que produzem os bens manufacturados (os artesãos), os bens simbólicos (os padres, os artistas, etc.), o poder e a protecção (os guerreiros).” É

no processo da urbanização que se geram as dinâmicas que conduzem à “urbanidade”, à estruturação social e aos fenómenos e fatores que concorrem não só para a coesão social e identidade coletiva mas também para a ocorrência das condições e de causas associadas à fratura social que a criminalidade e delinquência constituem.

Contudo, para Salgueiro (1999, p.12) deve-se: “entender a cidade como forma

de organização da superfície terrestre, como uma estrutura espacial que representa um grande avanço das sociedades humanas no seu controlo do ambiente, implica proceder em duas escalas de análise.” A escala que a autora

designa de menor dá prioridade ao campo de interação em que as cidades são pontos numa rede de fluxos - onde convém, estudar as especificidades das redes, os movimentos que nelas ocorrem, a função que os vários lugares realizam entre uns e outros e às correspondentes regiões tributárias. Por outro lado, a escala designada por maior, consiste no estudo da cidade do ponto de vista da organização interna das suas aglomerações e busca compreender as propriedades das várias áreas e a sua ação no todo. É, neste contexto, ao nível da escala maior, que incide o estudo sobre a cidade e o seu uso seguro.

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Por isso se revela importante clarificar o conceito de cidade no âmbito desta investigação. A diversidade das situações urbanas do ponto de vista espacial e funcional, pode enunciar diversas dimensões desde as grandes cidades aos pequenos centros de reduzida dimensão populacional e funcional. Neste sentido, se explica como alternativa à designação de cidade o uso de expressão “centro urbano” expressão que se evidencia mais neutra que o termo cidade (Salgueiro, 1999). O que na prática significa que a cidade como uma forma de povoamento associada à ocupação e uso do território por parte dos seus habitantes em diferentes momentos históricos. Caracteriza-se como uma entidade diferençada pela sua dimensão e densidade onde se desenvolve um conjunto significativo e diversificado de atividades e onde se determina um modo de vida aos habitantes, por comparação em oposição ao mundo rural.

Apreciando o facto de, há mais de 80 anos, o modo de vida urbano se alastrar a todo o território, nos nossos dias com as novas Tecnologias de Informação e de Comunicação (TIC) e facilidade de acesso viário alteraram-se tanto as condições urbanas como as relações cidade/campo. Sobre este aspeto Salgueiro (1999, p.27) refere “A difusão do modo de vida urbano que se afirma como dominante leva ao

desaparecimento do rural «puro». (…) Depois de séculos em que a cidade foi um pólo de concentração, assiste-se actualmente à inversão desta tendência, devido à importância das forças de desconcentração, e o urbano existe para além de quaisquer limites que se pretenda fixar.”

De facto as relações entre a cidade e o campo, tão importantes para o pensamento urbanístico e social do século XIX, têm-se alterado de forma contínua, difundindo-se o urbano como cultura e matriz comportamental. Este processo marca os tempos de hoje e condiciona o uso e a fruição dos espaços que as cidades disponibilizam; mesmo o retorno à natureza parece ser um percurso do urbanismo contemporâneo (Fadigas, 2010).

Parafraseando Ascher (2010, p.22): “A história das cidades foi assim ritmada

pela história das técnicas de transporte e armazenamento de bens (b), de informações (i) e de pessoas (p). Este sistema de mobilidade, a que chamamos “sistema bip”, está no centro das dinâmicas urbanas, da escrita à internet,

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passando pela roda, a imprensa, o caminho-de-ferro, o telégrafo, o betão armado, (…). O crescimento horizontal e vertical das cidades tornou-se possível pela invenção e aplicação destas técnicas.”

Contudo, não podemos deixar de considerar que nos dias que correm as cidades carecem da promoção da sua identidade e das suas qualidades para poderem diferenciar-se a afirmar-se, tal como já referido (Brandão, Carrelo & Águas, 2002). Assim, “A cidade – cada cidade alargada – terá que ser assumida tal qual hoje ela

é, com a sua real expressão territorial, com as suas continuidades, mas também com os seus fragmentos e vazios, com as suas periferias mais próximas, com as suas diversas formas e funções” (Carvalho, 2003, p.241).

Na identificação das cidades é a componente demográfica, que estatisticamente se constitui como o critério mais amplamente utilizado e que “conta como urbanos

os residentes em lugares ou circunscrições, administrativas ou censitárias, a partir de um determinado limiar populacional, independentemente destas áreas serem ou não apelidadas de cidades” (Salgueiro, 1999, p.28). Este é um critério que, para a

maioria das análises, nomeadamente de matriz geográfica se pode revelar suficiente mas que, de uma perspetiva urbanística é insuficiente. As componentes naturais e sociais a sua importância e dimensão demográfica e funcional determinam não apenas o espaço que ocupam e o modo como se estruturam e organizam como, também, o modo como as pessoas as vivem e usam.

Sobre isto, Ribeiro (1969) questiona a simples utilização do quantitativo populacional enquanto critério de identificação das cidades. Em termos de estatuto, uma cidade grande não nos suscita qualquer dúvida ao nível da sua classificação como aglomerado urbano, o mesmo já não sucede nos escalões mais baixos da hierarquia dos centros urbanos; mas não deixa de se ficar por leitura meramente geográfica.

Do que se pode retirar que, do ponto de vista funcional, mais que a dimensão, importa considerar que a cidade é acima de tudo um conceito que traduz um modo

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e modos de vida próprios. A dimensão, desta forma, torna-se menos relevante que as dinâmicas comportamentais.

Em suma, a “dimensão e a capacidade de atracão dos centros mais pequenos,

aliada à diversidade característica do meio urbano, acaba por refletir-se no próprio estilo de vida, embora a difusão do urbanismo (no sentido dado à palavra por L. Wirth, 1938) tenda progressivamente a esbater estes contrastes e a difundir em numerosas vilas e mesmo algumas aldeias os hábitos de vida e os padrões de consumo até há pouco característicos das cidades” (Salgueiro, 1999, p.33), ou até

mesmo dando origem a modelos e a gramáticas urbanas próprias às quais correspondem comportamentos e estilos de vida que marcam a urbanidade nos diferentes sentidos (Levy, 2005; Fadigas, 2010).

Atualmente a cidade é “um mosaico diversificado de paisagens construtivas,

onde se combinam núcleos de longa maturação histórica e social, “afeiçoados à escala do indivíduo”, com urbanizações de grande densificação e “desumanizadas”, em que a incessante busca de rendibilização económica do solo, secundarizou a importância do bairro, espaço público e dos serviços de proximidade no quotidiano dos residentes” (Simões, 2008, p. 113).