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A (in)segurança e o sentimento de medo nos espaços públicos 79 

Em Portugal o termo segurança é utilizado de modo generalizado e acumula o que em inglês e em francês é respetivamente designado por: Security, Sûreté e

Safety, Sécurité. Os dois primeiros termos pressupõem prevenção em relação a atos

ilícitos praticados por malvadez pelo homem de forma intencional e os dois segundos termos significam prevenção de riscos acidentais de origem não voluntária.

Neste contexto, a vertente da segurança em estudo está exclusivamente relacionada os aspetos ligados à prevenção de atos ilícitos voluntários no espaço público. A esta vertente associando um conjunto de processos, de mecanismos e de medidas de precaução que asseguram à população proteção contra danos e riscos eventuais à sua integridade, à sua vida e ao seu património.

De um modo geral, a segurança é, sistematicamente, apenas tratada com relação a medidas repressivas e de vigilância, designadamente através da ação policial. Contudo, na presente dissertação procura-se encontrar um modo de atuar a montante da ocorrência dos factos, isto é identificar situações e promover medidas preventivas através das quais se incremente segurança na sociedade, através do ordenamento do urbano e ao desenho do espaço público.

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A questão da criminalidade e de comportamentos antissociais dentro de nossas sociedades é amplamente reconhecida como sendo uma das mais cruciais questões sociais do nosso tempo. Pelo que representa diretamente e pelo que lhe está associado: o medo que suscita. Este facto faz com que as questões da segurança não sejam hoje apenas questões de polícia mas questões que envolvem a sociedade no seu todo; incluindo, de forma muito importante o desenho, o uso e a gestão do espaço onde decorre a vida urbana. O medo como fenómeno específico, surge aqui como um relevo acrescido. A prevenção é, por isso, essencial na resolução destes problemas, como o é o bom desenho urbano. O sentido de segurança também se constrói com isso.

As formas urbanas/arquitetónicas mais agressivas, o desconhecido, o incerto, os aspetos cromáticos, o que foge do padrão de comportamento de cada sociedade, ou seja, o que move os arquétipos da sociedade em causa, a falta ou deficiência de luminosidade e a degradação/vulnerabilidade dos espaços promovem o sentimento de insegurança/medo na utilização/vivência dos espaços públicos urbanos.

Todos estes aspetos geram desconforto. As sociedades regem-se por códigos de ética e conduta, pela moral e costumes, que estabelecem padrões de vivência em sociedade; quando os comportamentos desviam daqueles padrões acontece a reprovação. Isto é, os valores compartilhados restringem o comportamento individual, através de um sistema de aprovação e reprovação.

Como refere Machado (2004) o discurso do medo e a sua concetualização é um processo interpretativo, erigido e sustentado mediante a utilização de uma linguagem que aumenta a perceção do risco criminal face à criminalidade que efetivamente existe e a vulnerabilidade dos cidadãos perante o risco criminal. Porém, é da praxis quotidiana o conhecimento de que a abordagem sobre a insegurança tem marcado a atualidade, assumindo destaque, entre a comunicação social e o poder político, bem como através de alguns grupos de cidadãos. Independentemente desta evidência, importa clarificar a noção de insegurança e medo do crime, pretendendo balizar quer o seu conceito quer os aspetos que de

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Para Lourenço e Lisboa (1993), o sentimento de insegurança define-se como um misto de manifestações de inquietação, de perturbação ou de medo, que surgem de forma individual ou coletiva e que fixam a ideia de crime.

Independentemente da relação que comummente se estabelece entre o sentimento de insegurança e o crime, também, convém analisar outros aspetos que podem levar ao aumento do sentimento de insegurança; até porque o sentimento de insegurança deve ser compreendido como uma construção social, na qual estão implicados diversos fatores, tanto os que decorrem do conhecimento do aumento de reais formas de criminalidade, como os fatores individuais e sociais de natureza distinta, que se refletem num determinado sentimento, aumentando-o de forma redobrada (Crucho de Almeida, 1998).

Neste sentido, entre os aspetos diferenciados que levam ao aumento do sentimento de insegurança, Rico e Salascitado por Esteves (1999) referem, além do importante aumento da criminalidade violenta, os seguintes fatores: a experiência pessoal de cada um e das pessoas afetivamente mais próximas; a influência das notícias veiculadas pelos órgãos de comunicação social; e o descontentamento ou insatisfação com a política e implementação de medidas do sistema penal (polícia e tribunais). Ainda neste sentido, entre outros autores, Box, Hale & Andrews (1988), utilizando informação do “British Crime Survey”, datada de 1984, declaram que a vulnerabilidade, os indicadores que caracterizam o espaço em causa, o conhecimento concreto dos valores do crime e vitimação, o grau de confiança na polícia e no sistema de justiça criminal e a noção dos riscos pessoais que correm são aspetos que fomentam o medo de ser vítima de um crime.

Todos estes aspetos que fomentam a criação de medo, insegurança e medo de vitimação, de acordo com Esteves (1999) reduzem-se espontaneamente a quatro:

1. O aumento efetivo da criminalidade;

2. A perceção dos riscos pessoais, isto é a ideia interiorizada pelos indivíduos, relativamente às características intrínsecas e extrínsecas dos espaços onde se deslocam, nomeadamente a falta de iluminação, os vidros partidos, o pavimento deteriorado, o mobiliário urbano obsoleto e ou danificado, a poluição, que poderão

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ou não provocar uma imagem de insegurança, quer à probabilidade que têm ou não de serem vítimas26;

3. As notícias transmitidas pelos órgãos de comunicação social que, de uma forma sensacionalista e chocante, enfatizam frequentemente a criminalidade, em particular aquela que é mais violenta;

4. Por último, a insatisfação perante o sistema penal.

O significado de segurança em espaços públicos para além de ser relativo a aspetos tangíveis, também envolve aspetos intangíveis. A importância do sentimento de insegurança das populações, é bem patente no Relatório Anual de Segurança Interna do ano 2008 que refere: “Nos últimos anos, porventura de modo

mais evidente nas duas últimas décadas, assistiu-se a um aumento crescente das preocupações com a segurança que não pode ser escamoteado”. Até porque “estas preocupações são legítimas porque são livremente expressas pelos cidadãos, embora se possa considerar nem sempre justificadas pelas estatísticas criminais, ou mesmo pelos acontecimentos (…)” (Relatório Anual de Segurança

Interna, 2008, p.42).

O sentimento de segurança, a insegurança e o medo estão associados. Sobre o sentimento de insegurança das sociedades o Observatório de Segurança Criminalidade Organizada e Terrorismo - OSCOT - elaborou um relatório anual de segurança, em outubro de 2008, baseado em dois estudos de opinião, incidindo sobre as questões relacionadas com as tipologias de crimes. De acordo com os dados deste estudo a perceção do grau de segurança dos portugueses, face aos crimes praticados contra o património, é maioritariamente positiva, não obstante à existência de uma percentagem de opiniões menos favoráveis, como se mostra no gráfico 1.

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Gráfico 1 | Sondagens relativamente ao sentimento de segurança.

Fonte: Dados recolhidos do OSCOT- Relatório Anual de Segurança, outubro de 2008.

Da leitura de diferentes fontes de literatura especializada sobre o sentimento de insegurança (Cotta, 2005; Machado, 2004; Lourenço & Lisboa, 1993), obtém-se a conclusão de que é necessário a monitorização deste sentimento sendo uma condição essencial para construir na sociedade um autêntico sentimento de segurança; porque a segurança, para além dos seus aspetos tangíveis tem uma componente intangível que não pode ser desprezada. Num estado de direito, o medo não pode caber no dia-a-dia dos habitantes.

Nos tempos atuais, as crises e a incerteza, são fatores que afetam os sentimentos de segurança que assim passam a integrar a agenda política dos diferentes governos. De acordo com Le Breton (1995), na lógica do sentimento do medo ser comum à generalidade dos cidadãos o estudo dos fatores que intervêm na forma como as populações prejudicadas, se sentem ou não em perigo, tal como a noção e perceção própria do risco e das ameaças, pertence sobretudo ao domínio de investigação das ciências sociais. O que reforça a ideia que as questões de segurança não são exclusivamente policiais.

Portugal, segundo o Instituto Português de Relações Internacionais -IPRI- (Teixeira, Lourenço & Piçarra, 2006; Lourenço, Cabral, Machado & Duque, 2006), sofre também com os efeitos da globalização, considerando que o paradigma da sociedade mundial e de um único mundo, causa consequências para além da

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segurança, sobretudo acarreta problemas políticos, culturais e sociais. A crise económica e financeira que vivemos desde 2007, que é também consequência desta evidência, acentua os fatores que contribuem para a estabilidade social e, com isso, tem implicações nos sentimentos de segurança sentidos pelas populações; especialmente as urbanas.

Nos dias que correm, a transformação social que ocorre, reduzindo as ferramentas informais de controlo social, paralelamente com a quebra das solidariedades, cria condições para ser considerada agente potenciador da criminalidade. Neste campo, são diversas as causas que podem despoletar o desvio para práticas transgressoras e para a delinquência: desestruturação familiar; desemprego de longa duração; aumento das desigualdades sociais; desertificação das zonas rurais; grande concentração demográfica em áreas urbanas críticas; o crescimento da marginalização e exclusão social em zonas de periferia urbana. Estes factos “constituem precisamente aquilo que alimenta a inquietação e reforça

o argumentário da insegurança” (Roché, 1994, p.25) e influenciam

determinantemente, no aumento dos estados de incerteza e de insegurança.

Neste contexto, o sentimento de insegurança resulta de uma figuração social do meio, em que estão presentes lógicas culturais e identitárias e lógicas situacionais (Roché, 1996). Pelo que, o sentimento de insegurança afeta e prejudica, direta ou indiretamente todos os cidadãos, porque as “manifestações de medo pessoal ou as

preocupações com a ordem verbais, comportamentais, individuais ou colectivas"

(Roché, 1993, p. 135), afetam, ainda que de modo diferenciado, toda a sociedade. O sentimento de insegurança será, assim, uma expressão subjetiva do aumento da vulnerabilidade da estrutura social das sociedades complexas como são também as sociedades urbanas portuguesas (Roché, 1994; Machado, 2006).

Porém, para melhor entendimento da realidade portuguesa, no quadro seguinte resume-se esquematicamente os principais agentes que podem desencadear o sentimento de insegurança, sejam fatores sociais, sejam comportamentos delinquentes ou de criminalidade.

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Fatores que afetam o sentimento de insegurança

Fatores Sociais Comportamentos delinquentes Criminalidade

Exclusão social Incivilidades Terrorismo

Desemprego de longa duração Consumo de droga Criminalidade organizada

Incerteza no futuro Os graffiti Violência urbana

Desigualdades sociais Atos de vandalismo Criminalidade violenta e grave Problemas de vizinhança Degradação do espaço público Pequena criminalidade

Delinquência juvenil Quadro 3 | Fatores que afetam o sentimento de insegurança.

Fonte: Adaptado de Cotta (2005, p.7).

O sentimento de insegurança no uso do espaço público ocorre tanto em período diurno como noturno, e está ligado ao sentimento de medo de que algo negativo possa advir; um sentimento que pode ser induzido ou influenciado pelas características morfológicas do espaço urbano e do modo como o vivemos.

Segundo Machado et al. (2007) a evolução dos indicadores de risco e medo do crime e da avaliação do desempenho policial está expressa no gráfico seguinte:

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Gráfico 2 | Indicadores de risco e medo do crime e de avaliação de desempenho policial em

Portugal: evolução de 2000 a 2005.

Fonte: Gráfico apresentado no estudo Metrópoles Seguras (Machado et al, 2007, p.36, vol. 2), a partir de dados disponíveis em EU ICS Report, The Burden of Crime in the EU, A Comparative

Analysis of the European Survey of Crime and Safety (EU ICS 2005).

A interpretação deste gráfico27 mostra que os indicadores de risco e medo do crime e da avaliação do desempenho policial demonstram que a sociedade portuguesa continua a ser uma das mais seguras da Europa.

A tolerância social promove injustiças que estimulam crimes, que produzem gastos, geram e disseminam a cultura do medo, condicionam a redução de investimentos e ameaçam sequentemente todos os sectores económicos do país; o

27

"Desde logo, há que sublinhar uma primeira dinâmica positiva, que corresponde ao facto da percentagem das pessoas que consideram ser provável ou muito provável virem a ser assaltadas no próximo ano (indicador e confiança no sistema) ter deixado de ser maioritária (58% em 2000) para passar a ser pouco superior a 1/3 (35%), ligeiramente acima da média europeia. Trata-se de um recuo de 23% em 5 anos. Depois, observam-se duas transformações muito intensas em termos da satisfação manifestada com o trabalho policial, quer em termos do recepcionamento das queixas (digamos, do trabalho em secretaria), quer igualmente em termos da satisfação com o policiamento na zona de residência. Em ambos os indicadores a satisfação passou a ser uma condição maioritária, em linha com os valores dos outros países considerados e também com a

1 Percentagem de pessoas que se sentem inseguras ou muito inseguras nas ruas do seu local de residência depois de escurecer;

2 Percentagem de pessoas que consideram ser provável ou muito provável virem a ser assaltadas no próximo ano;

3 Percentagem de pessoas que declararam terem sido vítimas, uma ou mais vezes, de um crime no último ano (furto de viatura, furto em viatura, furto de motociclo, furto de bicicleta, assalto a residência, tentativa de assalto a residência, roubo, furto de bem pessoal, incidente sexual, tentativa de roubo);

4 Percentagem de pessoas que declararam terem participado à polícia um assalto à sua residência;

5 Percentagem de pessoas que declararam terem ficado satisfeitas ou muito satisfeitas com a forma como a queixa foi recebida pela polícia;

6 Percentagem de pessoas que declaram estarem satisfeitas com o policiamento da sua zona de residência

Risco de ocorrência criminal 2

Prevalência da vitimação 3

Taxa de participação 4

Satisfação com o trabalho policial – receção da queixa

5

Satisfação com o trabalho policial – patrulhamento

6

Sentimento de insegurança 1

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que exerce um impacto negativo no investimento, na atividade económica, no emprego e aumenta a crise social. A instabilidade social recorrente em algumas áreas urbanas críticas ou em algumas cidades sobrepovoadas de países em crise económica crónica, a Africa e a América Latina são disso exemplo.

A fraca coesão social promove condições para a alienação, a qual propicia a degradação, sendo esta por defeito, geradora de mais degradação dos espaços, e qualquer tipo de vulnerabilidade que ocorra - por exemplo a degradação de pavimentos; equipamento obsoleto ou danificado; iluminação inadequada; obstruções visuais quer por inertes, quer por espécies vegetais; ou pela presença dominantemente de passantes ao invés de utentes residentes - promove a prática das atividades transgressoras (incivilidades) que acionam a instalação de mais degradação, e consequentemente o aumento da presença do sentimento do medo e por sua vez a prática efetiva de atos delituosos contra as pessoas e contra o património.