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O desenho urbano e os espaços públicos 49 

A cada espaço público está associado um determinado desenho urbano, que obedece a um método genérico que possibilite maleabilidade para adaptar em simultâneo à continuidade espacial e edificada que estabelece cidade.

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A partir da análise e do estudo das cidades medievais, Sitte (1843-1903) desenvolveu conceitos de desenho urbano com base na praça, a qual surge como uma forma de restituir a qualidade de vida às cidades em expansão por efeito da revolução industrial e do desenvolvimento económico e demográfico. Sitte considerava que os espaços abertos, fora de um contexto urbano bem definido desintegrava tanto a arquitetura como a compreensão do espaço, criando com isso sensações de insegurança. A perda de importância do espaço público urbano como referencial de uso deve-se à valorização do espaço privado e ao desconforto que a perda da proporção humana dos edifícios e dos espaços e a degradação do espaço público acarretam.

A noção do conceito de rua está em crise, porque a rua tradicional tem sido alterada pelo crescimento massivo dos transportes, públicos e privados, pela pressão de uso e alteração das relações e proporções entre espaço livre e espaço construído (Brandão Alves, 2003). Estamos perante uma mudança de arquétipo cujo modelo de planeamento dos novos espaços urbanos em conjugação com tipos de espaços urbanos pré-existentes (tais como as ruas, as praças, entre outros) conduzem eventualmente a novas morfologias e funcionalidades, a novas disponibilidades de uso e oportunidades comportamentais.

A consciência da importância da escala dos espaços, basilar no que concerne aos princípios do desenho urbano, tem conduzido a continuada investigação sobre a matéria urbana, quarteirões e conjuntos edificados, e a suas potencialidades tipológicas (Alexander, 1977; Hillier, 1996; Marat-Mendes, 2007; Serdoura, 2007).

Não obstante o facto de ser possível constatar que existem enormes discrepâncias entre os espaços públicos e entre as possibilidades de ocupação e uso que estes oferecem aos cidadãos, é clara a existência de três dimensões de espaço público (morfológica e tipológica, funcional e ambiental) identificadas a partir das relações e interações entre o espaço urbano e quem o usa (Serdoura, 2007).

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funcional, tratamento do solo e pavimentos, vegetação, mobiliário urbano, serviços e instalações, sinalética, iluminação, e elementos arquitetónicos isolados.

Pelo exposto, é possível apurar que os espaços públicos são realidades diversas entre si, na dimensão, na forma e na funcionalidade. Constatando-se o facto de dominantemente a superfície ocupada pelos espaços atuais ser mais do dobro da área ocupada pelos espaços públicos tradicionais. Assim, tendo em consideração que o desenho urbano tem como propósito beneficiar a qualidade de vida dos cidadãos, esta mesma preocupação deveria refletir-se na qualidade ambiental dos espaços públicos urbanos, o que de facto nem sempre acontece.

Em Portugal a rua é, com os largos e as praças que com ela constituem o sistema aberto de circulação e de relações urbanas, um espaço de encontro social e de animação urbana. Seguro quando usado e tendencialmente inseguro quando as pessoas deixam de o usar de forma consistente e contínua.

Assim, num período em que a vivacidade do ordenamento urbano em Portugal está a ser assinalada pelos processos de revisão dos Planos Diretores Municipais, estas ações deverão aproveitar a ocasião para potencializar o objetivo fulcral de (re)qualificação do espaço público urbano, conhecendo-se profundamente a sua identidade, possibilitando o desenvolvimento de percursos urbanos seguros. O que inclui a rua neste entendimento de espaço público privilegiado que deve garantir tanto um usufruto pedonal reforçado pelas vizinhanças alargadas, como pela ligação pedonal entre os vários bairros e espaços da cidade (Coelho, 2011).

O espaço público urbano é o resultado de dois modos distintos de ação: um projeto fundamentado num programa concreto ou, por outro lado um uso continuado traduzindo apropriação, informalidade e domínio da função sobre a forma.

A necessidade de refletir sobre esta questão tem a ver com a necessidade de posicionar os espaços públicos urbanos, como fatores e instrumentos de qualidade de vida. Isto significa que a atitude programática e a decisão política são, nesta matéria, aspetos tão importantes como o desenho urbano que formata o espaço e

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lhe molda as características formais que determinam, facilitam ou condicionam o seu uso (Brandão & Remessar, 2000).

Contudo, a importância dos espaços públicos no quadro da vida urbana, ainda está distante de ser suficiente. Na generalidade os novos espaços têm ignorado os princípios de sustentabilidade e são inadaptados às necessidades e aos modos de vida atuais, e aos desafios novos que o seu uso suscita. De um modo geral esses espaços apresentam barreiras físicas, visuais e sociais que impedem o acesso, manifestam pouca articulação entre espaços e demonstram intervenções urbanisticamente desajustados e/ou dissonantes. O que conduz à sua deficiente utilização, ao seu abandono, a níveis reduzidos de manutenção e à sua disponibilização para usos inseguros e delituosos. Do que resulta, nestes termos, em fatores de insegurança urbana.

Se atualmente a noção de espaço público, face à qualidade, está em crise, isso revela que estamos perante uma cidade que, por estar fragmentada “não é

democrática, não valoriza suficientemente os outros, não produz paisagens globais.” (Portas, Domingues & Cabral, 2003, p.225); consequência desses

espaços terem sido postos em causa pelas práticas sociais, urbanísticas e económicas.

A discrepância entre o uso e a oferta dos espaços públicos urbanos de qualidade agrava-se, quando os meios sugeridos pela oferta começam a ser menos atrativos que a potencial procura de outros espaços opcionais. Mesmo quando são objeto de ações de qualificação no sentido de lhes devolver importância urbana e funcional, nem sempre isso acontece, por degradação anterior, o seu uso perdeu interesse e importância.

Contudo, é de relevar os princípios básicos de cidadania e da relação à essência do conceito do processo da construção urbana dos quais fica claro que “a função

de integração e de aprendizagem da cidadania não pode ser eficazmente cumprida a partir do esvaziamento dos espaços públicos urbanos existentes e da lógica

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Em suma, para o cumprimento dos objetivos da dissertação, em apreço, é relevante a questão da gestão de comportamentos a partir da análise da morfologia do desenho urbano, pretendendo alcançar a condição de prevenção da criminalidade ou de atividades transgressoras, minimizando ou acabando com as disfunções, isto é não conformidades da morfologia do respetivo desenho urbano, que impulsionam a vulnerabilidade dos mesmos.

Deste modo, podemos alcançar um determinado arquétipo, que funcionará como mecanismo estruturante que nos possibilitará a criação da base para um guia de conformidades para aplicação no desenho urbano, que nos garantirá a dialética pró- ativa entre o desenho e o uso seguro dos espaços públicos.

Na gestão da vulnerabilidade dos espaços está a essência da condição geradora do conforto e segurança dos utilizadores, e no desconforto dos infratores para a prática do crime ou até mesmo de incivilidades.

Para tal, é importante desmistificar os fatores urbanos que promovem o dualismo insegurança/medo, designadamente os que estão associados à própria morfologia do desenho urbano e respetivo ambiente, que são promotores do desconforto do cidadão.