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A Cláusula Penal no Código Civil Brasileiro

No documento CLÁUSULA PENAL E O CÓDIGO CIVIL DE 2002 (páginas 30-33)

1.3 Os Países de Civil Law

1.3.7 A Cláusula Penal no Código Civil Brasileiro

Diferentemente dos Códigos Civis de Portugal,58 França59 e Argentina,60 o Código

Civil brasileiro de 1916, assim como o Novo Código Civil, não definiu cláusula penal, ao nosso ver acertadamente, pois a definição dos institutos jurídicos cabe à doutrina e não ao legislador.61

Seguindo o modelo dos Códigos francês, italiano e português, o Código de Beviláqua, artigos 916 e 927, deu conotação indenizatória à cláusula penal. Nos termos do artigo 918, a cláusula penal estipulada para o caso de inadimplemento total “converter-se-á em alternativa a benefício do credor”.

Outro importante dispositivo foi o artigo 920, segundo o qual “o valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal” Trata-se de dispositivo idêntico àquele constante do artigo 412 do Novo Código Civil.

58 Assim dispõe o artigo 810o do Código Civil português: “As partes podem, porém, fixar por acordo o

montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal”.

59 Assim dispõe o artigo 1.226 do Código Napoleão: “A cláusula penal é aquela pela qual uma

pessoa, para assegurar a execução de uma convenção, se compromete a dar alguma coisa, em caso de inexecução”.

60 Segundo o artigo 652 do Código Civil argentino: “La cláusula penal es aquella em que una

persona, para asegurar el cumplimiento de una obligación, se sujeta a una pena o multa en caso de retardar o de no ejectuar la obligación”.

61 Nesse sentido entende Judith Martins-Costa: “Por outro lado, manteve o Código a tradição de não

definir a cláusula penal (diversamente do que faz o Código Civil francês no art. 1.226), opção novamente acertada, pois permite à doutrina construir, progressivamente, o conceito, sob a perspectiva funcional, conforme o complexo das funções efetivamente desempenhadas pela figura” (Comentários ao novo Código Civil, p. 419).

A liberdade de estipulação da cláusula penal no código anterior era, sem dúvida, maior que a verificada na maioria dos diplomas civis aqui analisados. Especialmente pela impossibilidade de o juiz reduzir o valor da pena, “a pretexto de ser excessiva” (artigo 927). Caberia redução judicial apenas nas hipóteses de cumprimento parcial da obrigação principal (artigo 924).

A doutrina brasileira adotou, em sua maioria, a teoria unitária da cláusula penal, ressaltando as funções de prefixação de perdas e danos e, em alguns casos, compulsória.

Orlando Gomes62 entende, com fundamento da doutrina francesa, que a função da

cláusula penal é de “pré-liquidar danos. Insiste-se em considerá-la meio de constranger o devedor a cumprir a obrigação, mas esse efeito da cláusula penal é acidental”. Menciona, ainda, que a genuína função da cláusula penal é limitar de antemão o valor da

responsabilidade por inexecução.63

Para Silvio Rodrigues,64 a cláusula penal cumpre duas funções básicas: “a) serve de

reforço à obrigação principal; b) representa um sucedâneo, pré-avaliado, das perdas e danos devidos pelo inadimplemento do contrato”, ressaltando ser essa última a função “mais

importante da cláusula penal, e que se prende à sua origem histórica”.65

Nota-se aqui, novamente, a influência decisiva do Código Civil e da doutrina franceses, citados reiteradamente pelo autor quando trata das funções da cláusula penal.

Caio Mário da Silva Pereira66 não destoa dos entendimentos referidos, apontando

como finalidade primordial da cláusula penal o reforço do vínculo obrigacional, sendo a liquidação antecipada uma função subsidiária e eventual.

Gustavo Tepedino discorre sobre a função da cláusula penal nos seguintes termos:

“Neste tempo [direito romano] a cláusula penal munia-se de natureza de ‘pena’ para reprimir o delito, desprovida, ainda, de qualquer menção acerca da reparação de danos advindos do inadimplemento obrigacional. Somente

62 Obrigações, p. 86. 63 Obrigações, p. 189.

64 Direito civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 263, v. 2: Parte geral das obrigações. 65 Direito civil, p. 264.

66 Instituições de direito civil. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 144 e 146, v. II: Teoria geral

mais tarde a cláusula penal adquiriu o caráter, atualmente vigente, de estimação do prejuízo causado.

(...)

Os fundamentos da cláusula penal, a despeito da discussão doutrinária sobre sua finalidade precípua, são o de servir de instrumento de pré-fixação das perdas e danos e, simultaneamente, elemento de reforço do liame contratual.” 67

Pontes de Miranda68 afirma que a cláusula penal tem como finalidade “estimular o

devedor ao adimplemento do contrato”, bem ainda que “uma das funções mais prestantes da cláusula penal é assentar a indenizabilidade dos danos no caso de não ser pecuniária, ou ser de difícil avaliação a prestação prometida”. Assim, dá destaque às funções indenizatória e compulsória.

O autor admite a possibilidade, no entanto, de exigibilidade da pena cumulada com a prestação principal no caso de inadimplemento total, pois entende que a regra contida no artigo 918 (que corresponde ao artigo 410 do Novo Código Civil) é de natureza dispositiva.

Para Agostinho Alvim,69 “[n]ão há dúvida que a cláusula penal é uma pena, segundo

decorre da própria locução com que se denomina o instituto”. O ilustre Professor chega a tal conclusão por entender que o dano é requisito essencial da reparação, porém a cláusula penal é uma exceção a esta regra, podendo ser exigida independentemente da ocorrência do dano.

Conforme resume Rosenvald:70

“Com exceção de alguns pequenos desvios em favor de um ou outro escopo da cláusula penal – e, especificamente, a abertura preconizada por Limongi França –,a doutrina nacional gerada a partir do Código Civil de 1916 imputou-lhe natureza mista. Construiu-se uma figura unitária capaz de albergar as características de sanção compulsória e indenização.”

É interessante notar que foi justamente o inconformismo com o tratamento dado pela

maioria dos grandes doutrinadores brasileiros71 à cláusula penal o ponto de partida para a

escolha de tal instituto como tema da presente dissertação. Conforme será referido, filiamo- nos à teoria dualista da cláusula penal.

67 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil

interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, v. I, p. 472 e 741.

68 Tratado de direito privado, p. 88.

69 Da inexecução das obrigações e suas conseqüências, p. 196. 70 Cláusula penal, p. 31.

71 Maioria e não totalidade, pois há autores no direito pátrio que entendem de forma contrária,

Os autores que romperam com a concepção tradicional da cláusula penal no direito brasileiro serão referidos no item 3.3.6 infra.

Prosseguindo, o Código Civil de 2002 não alterou significativamente a disciplina da cláusula penal, de forma que não há que se falar em qualquer nova função ou alteração da natureza da cláusula penal unicamente por causa das alterações legislativas. Houve, no entanto, modificações pontuais relevantes que serão objeto de estudo no item 1.5 adiante.

No documento CLÁUSULA PENAL E O CÓDIGO CIVIL DE 2002 (páginas 30-33)