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O Requisito da Existência do Dano

No documento CLÁUSULA PENAL E O CÓDIGO CIVIL DE 2002 (páginas 82-86)

Conforme já referido, a cláusula penal compulsória, por sua natureza, independe da existência e da extensão dos danos. No que diz respeito à cláusula penal indenizatória,

Pinto Monteiro212 entende que, na hipótese de o devedor comprovar a inexistência do dano,

retira-se o pressuposto da indenização, pelo que a pena não será devida. Por outro lado, não há que se falar em ajuste a fim de fazer coincidir o montante da pena com o prejuízo real. Assim, a não ser que o devedor comprove a inexistência do dano, é devido o valor exato previsto na cláusula penal, ressalvada a hipótese de revisão judicial quando ocorrer manifesta excessividade.

212 Cláusula penal e indemnização, p. 604. Jorge Cesa Ferreira da Silva faz referência ao tratamento

dispensado ao tema pela doutrina alemã, nos seguintes termos: “Em texto sempre citado, datado de 1972, Volker Beuthien referiu aos parâmetros distintivos de cada uma das cláusulas [Inadimplemento das obrigações, p. 498]. Segundo ele, a cláusula penal (Vertragsstrafe) fundamenta, frente ao dever de prestação que ela visa reforçar, uma outra vinculação. Em sentido contrário, a cláusula de perdas e danos (Schadensersatzpaulache) só diz respeito ao âmbito da pretensão indenizatória que decorre do direito de prestação. A cláusula penal independe de prejuízo efetivo. Ela pode ser reduzida se for desproporcional, mas não pode ser de todo afastada. Por sua vez, as cláusulas de perdas e danos não são aplicáveis se não houver prejuízo concreto (cf. Volker Beuthien, op. loc. cit)” (Inadimplemento das obrigações, p. 241).

No mesmo sentido entende Nelson Rosenvald, para quem, em se tratando de cláusula penal indenizatória, “[d]e enorme importância será a demonstração pelo devedor da ausência de qualquer dano. A falta do prejuízo retira qualquer fundamento para a exigência da liquidação pré-fixada”.213

O fato de a pena convencional, em se tratando de cláusula penal indenizatória, não ser devida na hipótese de comprovação de ausência de danos é um dos pilares da teoria dualista.

No entanto, parece-nos que esse ponto não é totalmente pacífico. Inicialmente, o artigo 416 do Novo Código Civil, segundo o qual, “[p]ara exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo”, não dispensa somente a comprovação do prejuízo, mas também a própria alegação, o que pode levar à conclusão de que o dano não

é um requisito para a incidência da pena, mas somente o inadimplemento.214

Segundo Judith Martins-Costa,215 “(…) o devedor não pode eximir-se de prestar

alegando que, do inadimplemento, nenhum prejuízo decorreu ao credor, pois a condição não é o ‘prejuízo’, mas o inadimplemento”.

Nesse particular, vale trazer à colação a lição do ilustre Professor Agostinho Alvim:

“É imprescindível que haja dano, salvo casos excepcionais. (...)

Não são propriamente casos de indenização sem dano, e sim de dispensa da alegação de prejuízo.

Mas, como não se trata de uma presunção que apenas remova o ônus da prova, o resultado é que bem se pode dar a hipótese de indenização sem dano algum. (...)

O Cód. Civ. não fala em ressarcimento, independentemente de prejuízo, quando trata da cláusula penal (art. 927) e sim de exigência de pena, independentemente da alegação de prejuízo, adotando técnica muito exata.” 216

De se notar, entretanto, que o Professor Agostinho Alvim217 entende que “a cláusula

penal é uma pena, segundo decorre da própria locução com que se denomina o instituto”. Assim, ao mesmo tempo que admite ser a cláusula penal uma exceção ao princípio previsto no artigo 402 do Novo Código Civil (correspondente ao artigo 1.059 do Código revogado),

213 Cláusula penal, p. 112. 214 Cláusula penal, p. 481.

215 Comentários ao novo Código Civil, p. 481.

216 Da inexecução das obrigações e suas conseqüências, p. 196. 217 Da inexecução das obrigações e suas conseqüências, p. 197.

que diz respeito a ressarcimento, indenização por perdas e danos, entende que a cláusula penal é pena, o que vai de encontro à natureza da cláusula penal indenizatória segundo a doutrina dualista.

Uma questão que a tese da inexigibilidade da cláusula penal no caso de ausência de danos parece não responder satisfatoriamente é a seguinte: se o valor da pena pode ser inferior ou superior ao dano efetivo, o que se admite expressamente, por que motivo não poderia haver indenização mesmo sem que haja danos? É exigível a pena no montante de 100 mesmo que o dano efetivo seja de 10, porém não é exigível a pena convencional de 10 se o devedor comprovar que não houve danos, ou seja, que os danos correspondem a 0 (zero). Ademais, se é dado ao devedor comprovar que não houve danos, por que não seria da mesma forma possível comprovar que os danos efetivos foram inferiores ao montante da cláusula penal, reduzindo-se assim o valor desta proporcionalmente?

Pode-se entender que a cláusula penal indenizatória constitui uma exceção legal (artigo 416 do Código Civil) à regra contida no artigo 403. Tratando-se de normas de mesma hierarquia, deve prevalecer aquela mais específica, qual seja, o artigo 416. Parece questionável o argumento de que a pena possa ser bastante superior ou inferior aos danos sofridos (desde que não haja manifesta excessividade), mas sua exigibilidade possa ser elidida mediante comprovação de ausência de dano efetivo.

Vale lembrar que a pena convencional não corresponde exatamente à indenização, do contrário deveria ser, em qualquer hipótese, pelo menos igual ao valor do prejuízo efetivo experimentado pelo credor, pois se for inferior não mantém indene (ou seja, sem dano) o credor. Tem a pena, sim, natureza indenizatória.

Nesse contexto, pode-se entender que a possibilidade de haver indenização sem que haja danos encontra-se no contexto da alea envolvida na cláusula penal indenizatória, conforme já referido. Da mesma maneira que pode a penalidade ser superior ou inferior ao dano efetivo, a pena seria exigível independentemente da existência de dano efetivo. Em síntese, não haveria que se perquirir acerca da existência de dano efetivo.

Aguiar Dias parece dar guarida a tal possibilidade com fundamento na presunção absoluta de dano, nos seguintes termos:

“Há vários casos em que o legislador considera presumidos os prejuízos, como no caso da cláusula penal, das arras penitenciais e dos juros moratórios. (...)

A cláusula penal fixa de antemão as perdas e danos pelo inadimplemento da obrigação e também neste caso o credor se isenta do ônus que normalmente lhe caberia. Não precisa comprovar nem o prejuízo nem o quantum (...) prevenindo as longas controvérsias que podem surgir da liquidação dos danos, sem possibilidade de prova em contrário, o que,

todavia, não obsta que, em certos casos ela possa ser reduzida, por medida de equidade ou em atenção à moralidade dos contratos.”(g.n.)218

Dois pontos devem ser ressaltados acerca do escólio de Aguiar Dias supratranscrito. Primeiro, o autor trata somente da cláusula penal de natureza indenizatória. Adicionalmente, a imutabilidade da pena não é absoluta, mas esta deve ser revisada somente nas hipóteses de excessividade.

Almeida Costa também sustenta a tese da irrelevância da existência de dano efetivo:

“Portanto, salvo convenção em contrário, é exigível [a cláusula penal] sob os mesmos pressupostos da responsabilidade civil. Apenas com a diferença de que não há que apurar se o credor sofreu prejuízos efectivos e qual o montante destes. Precisamente, a estipulação de uma cláusula penal destina-se a dispensar tais averiguações (...).”219

Em síntese, caso se entenda que a ausência de danos não afeta a exigibilidade da cláusula penal, a penalidade pode ser (i) inferior ao dano efetivo quando não for prevista indenização suplementar, o que é expressamente admitido pelo parágrafo único do artigo 416; ou (ii) superior ao dano efetivo, desde que não se verifique a hipótese de excessividade de que trata o artigo 416. A pena não deve, necessariamente, ser idêntica ao valor do dano. Esse mesmo raciocínio valeria então para a hipótese de ausência de dano, tendo em vista a presunção absoluta de dano prevista pelo legislador.

Há, ainda, mais um elemento que nos parece dar sustentação à tese ora referida. Admitir a possibilidade de a pena não ser exigível na hipótese de não haver danos abriria margem para um questionamento, por parte do devedor, sobre a existência dos danos. Nessa hipótese, uma das mais importantes funções da cláusula penal, de evitar questionamentos sobre o dano efetivo, perderia sua utilidade. Poderia sempre o devedor ajuizar uma ação tendo como objeto comprovar a não-existência de danos.

Em resumo, segundo a tradicional doutrina dualista, a pena objeto da cláusula penal indenizatória não é devida na hipótese de ausência comprovada de danos, porém parece haver elementos para defender tese contrária.

218 Da responsabilidade civil, p. 107.

219 Direito das obrigações, p. 732. Vale notar que o comentário refere-se à cláusula penal tratada pelo

No documento CLÁUSULA PENAL E O CÓDIGO CIVIL DE 2002 (páginas 82-86)