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Principais Modificações Trazidas pelo Código Civil de 2002

No documento CLÁUSULA PENAL E O CÓDIGO CIVIL DE 2002 (páginas 37-42)

A cláusula penal era tratada, no Código de 1916, sob a rubrica “Das modalidades

das obrigações”. Serpa Lopes83 já criticava tal colocação, afirmando que “melhor seria incluí-

la [a cláusula penal] no capítulo inerente à inexecução das obrigações, pois uma de suas funções consiste, precisamente, em prover a inexecução das obrigações”.

Tal modificação vem, parece-nos, na esteira da operabilidade84 85 que norteou o

legislador de 2002. Concordamos com Judith Martins-Costa quando afirma que “essa nova

sistematização auxilia melhor a compreender a própria noção de cláusula penal”.86

Jorge Cesa Ferreira da Silva87 também elogia a alteração topológica promovida pelo

Novo Código Civil, nos seguintes termos:

“... é de ser aplaudida a alocação no Novo Código Civil, sensivelmente mais voltada à sua função. (...) Incluindo-se entre as normas dedicadas ao inadimplemento das obrigações, o novo Código optou pela alocação – sistemática e didaticamente – mais correta.”

1.5.2 A Possibilidade de Redução Judicial Equitativa

O artigo 413 do Novo Código Civil, seguindo a tendência das demais codificações da família romano-germânica, criou, por meio do artigo 413 do Novo Código Civil, o dever de o

83 Curso de direito civil, p. 187.

84 Conforme referido por Miguel Reale acerca da operabilidade, “muito importante foi a decisão

tomada no sentido de estabelecer soluções normativas de modo a facilitar sua interpretação e aplicação pelo operador do Direito. Nessa ordem de idéias, o primeiro cuidado foi eliminar dúvidas que haviam persistido durante a aplicação do Código anterior” (História do novo Código Civil. Estudos em homenagem ao professor Miguel Reale, v. I, p. 40).

85 Conforme refere Gustavo Tepedino, colocando a questão sob a ótica civil-constitucional, “O Título

II do Livro do Direito das Obrigações reproduz, em grande parte, o texto revogado, tendo deslocado, contudo, suas normas, que no CC 1916 se situavam logo após o título que disciplinava os efeitos das obrigações, sua extinção e inexecução. A alteração se fez em prestígio da melhor técnica, pois as formas de transmissão aqui dispostas neste título caracterizam-se justamente pela conservação do vínculo obrigacional, que não se modifica, a despeito das substituições subjetivas de que se cuida” (TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, p. 567).

86 Comentários ao novo Código Civil, p. 419. Gustavo Tepedino observa que “[a] modificação, que

atende ao aprimoramento técnico, não atingiu somente o instituto da cláusula penal, incluindo-se também sob o título de inadimplemento das obrigações as disposições sobre mora, que se encontravam no âmbito do pagamento, a as referentes às arras, que se encontravam na parte geral dos contratos” (TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, p. 741).

juiz reduzir equitativamente a penalidade “se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”.

Considerando a relevância da alteração trazida pelo artigo 413 do Novo Código Civil,

esta será objeto de capítulo separado.88

1.5.3 O Parágrafo Único do Artigo 416. Indenização Suplementar

Sendo a cláusula penal indenizatória uma forma de fixar antecipadamente o valor das perdas e danos, em regra, mesmo sendo o valor do prejuízo experimentado pelo credor superior à pena, este não tem direito a pleitear a diferença.

O parágrafo único do artigo 416 prevê a possibilidade de as partes estipularem expressamente que, além da pena, o credor terá direito a pleitear o prejuízo excedente (indenização suplementar). Nesse caso, caberá ao credor valer-se dos meios ordinários de prova com relação aos danos que superarem o valor da cláusula penal.

Na verdade, deverá o credor comprovar a totalidade do dano sofrido para que se apure, então, se este é superior ao valor da pena e, então, possa ser exigida a diferença. Assim, poderá pleitear desde logo o montante previsto na cláusula penal e, caso comprove pelas vias ordinárias que o dano efetivo foi superior àquele valor, poderá pleitear a diferença a maior. Importante notar que, caso se apure que o dano efetivo foi inferior à pena, prevalece a cláusula penal, de modo que a previsão de indenização suplementar não poderá, em nenhuma hipótese, agravar a posição do credor.

1.5.4 Questões não Resolvidas

Conforme vimos, o instituto da cláusula penal nasceu no direito romano como maneira de compelir o devedor a cumprir a obrigação, e não tinha natureza indenizatória, tanto assim que poderia, mediante expressa previsão das partes, ser cumulada com a indenização por perdas e danos decorrente do descumprimento.

Foi durante o período medieval, por influência da igreja Católica, que assumiu contornos de uma cláusula de prefixação de perdas e danos, sendo que sob tal influência foi promulgado o Code em 1804.

A doutrina que se seguiu viu, tradicionalmente, a cláusula penal como forma de predeterminação de perdas e danos, sendo que a função compulsória seria meramente eventual e dependente da relação entre o valor da cláusula e o dano efetivo. No entanto, houve também quem vislumbrasse, com base em fundamentos diversos, a função compulsória como primordial em determinados casos. Houve, ainda, vozes no sentido de ser a função punitiva o caractere essencial da figura.

Importante notar que todas as análises referidas foram feitas considerando-se a cláusula penal como figura única (teoria unitária). Alemanha e os países de common law, por outro lado, diferenciam claramente duas espécies de cláusula penal, atribuindo a cada uma delas efeitos diferentes, como se viu.

Vejamos, então, se é possível compatibilizar a cláusula penal, concebida como figura única, com as regras constantes do Novo Código Civil, ou se é mais acertado conceber mais de uma espécie de cláusula penal, tal como se verifica na Alemanha e em common law.

Inicialmente, nos termos do artigo 410 do Novo Código Civil, quando prevista a cláusula para a hipótese de total inadimplemento da obrigação, “esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor” (g.n.). Depreende-se da leitura do texto legal não ser permitida a cumulação da pena com o cumprimento da obrigação, o que somente é possível quando prevista a cláusula penal para a hipótese de mora (artigo 411).

Sendo a cláusula penal uma figura única, estaria terminantemente vedada então a cláusula penal punitiva ou meramente sancionatória, assim entendida aquela que é devida cumulativamente com a indenização por perdas e danos?

Caso se entenda que não, está-se afastando a possibilidade de criação de uma cláusula penal meramente punitiva, “que tem por função estabelecer tão somente uma pena,

para o caso de inadimplemento”.89 Renan Lotufo90 admite ser lícita a cláusula penal punitiva;

89 FRANÇA, Limongi. Teoria e prática da cláusula penal, p. 205. 90 Código Civil comentado, p. 482.

uma vez estipulada, pode ser exigida cumulativamente com as perdas e danos pelo inadimplemento.

Limongi França91 também admite a cláusula penal punitiva. Embora reconhecendo

que não tivesse como base nenhum dispositivo específico, sustenta que encontrava fundamento para o acolhimento do instituto na autonomia privada, pois entende que não viola norma de ordem pública, salvo casos em que alguma limitação estivesse expressa, tal como ocorria na Lei de Usura. Admite, assim, a cumulação da pena com o cumprimento da obrigação.

Há, ainda, outro artigo que torna o entendimento da cláusula penal, tal como disciplinada pelo Novo Código Civil, ainda mais complicado. Trata-se do artigo 412, segundo o qual “[o] valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal”.

Ora, estando o valor da cláusula penal para a hipótese de total inadimplemento limitado definitivamente ao valor da obrigação principal, como encontrar na pena convencional qualquer caráter sancionatório? De que modo estaria o devedor compelido a cumprir a obrigação se o valor da obrigação tende a ser, na maioria dos casos, inferior às perdas e danos devidos em função do descumprimento? Vale lembrar que as perdas e danos englobam não somente o dano emergente, mas também o lucro cessante.

Parece claro que o artigo 412 do Novo Código Civil é incompatível com o conceito de compulsoriedade, e parece aproximar a cláusula penal da cláusula de limitação de responsabilidade. Ademais, sendo o valor da obrigação inferior às perdas e danos, a cláusula penal nem sequer desempenharia função indenizatória.

Ainda que prevista a indenização suplementar, nos termos do artigo 416, parágrafo único, estaria a penalidade limitada ao valor das perdas e danos decorrentes do inadimplemento, e não teria função compulsória. Conforme se verificou, a função compulsória é identificada nas hipóteses em que a penalidade impõe ao devedor uma situação mais gravosa, o que não acontece na hipótese de o valor da pena coincidir com as perdas e danos devidas por causa do inadimplemento.

Outro ponto importante: estando o valor da cláusula penal limitado ao valor da obrigação ou, de acordo com o caso, ao valor das perdas e danos conforme comprovadas, qual seria o âmbito de aplicação do artigo 413 para a hipótese de penalidade manifestamente excessiva?

Na hipótese de a cláusula penal para o caso de total inadimplemento ter valor superior ao da obrigação principal ou das perdas e danos (mas não excessivo), deveria o juiz reduzir o valor da pena?

Para elucidar todas essas questões, é necessário analisar qual a correta interpretação que se deve atribuir aos dispositivos do Código Civil, notadamente os artigos 410, 412 e 416, pois a simples leitura do texto legal pode levar a conclusões equivocadas. Esse tema é objeto do Capítulo 4 infra.

Questões da mesma natureza foram colocadas e debatidas pela doutrina e pelos Tribunais. Vale observar que, na Alemanha, a distinção entre duas espécies de cláusulas penais teve como ponto de partida decisões judiciais.

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ESTRUTURA DA CLÁUSULA PENAL

2.1 ELEMENTOS DA CLÁUSULA PENAL

No documento CLÁUSULA PENAL E O CÓDIGO CIVIL DE 2002 (páginas 37-42)