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Da Cessão de Crédito e Assunção de Dívida

No documento CLÁUSULA PENAL E O CÓDIGO CIVIL DE 2002 (páginas 111-114)

Cessão de crédito282 pode ser classificada como o negócio mediante o qual o credor

(cedente) cede um direito de crédito a um terceiro (cessionário). O termo cessão designa o ato ou contrato levado a efeito entre cedente e cessionário, quanto ao efeito obtido mediante tal negócio.283

O Código Civil brasileiro de 1916 cuidava da cessão de créditos no título “Do efeito das obrigações”, tendo sido mais técnico o Código Civil de 2002 ao incluir a figura sob a rubrica da “Transmissão das obrigações”, atendendo, assim, a um dos principais pilares da novel legislação, a operabilidade.

O Código Civil francês regulou a figura no título que trata da venda, o mesmo tendo ocorrido em relação ao Código Civil italiano de 1865 e ao Código Civil espanhol.

A colocação topológica do instituto referida no parágrafo anterior revelava a concepção de crédito como uma coisa, a qual não mais prevalece, tanto é assim que o atual

Código Civil italiano trata da cessão de crédito na parte dedicada às obrigações em geral,284

assim como o faz o Código Civil português.

282 O Código Civil argentino, em seu artigo 1.434, define o instituto nos seguintes termos: “Habrá

cesión de crédito, cuando una de las partes se obligue a transmitir a la outra parte el derecho que le compete contra su deudor, entregándole el título del crédito, si existisse”.

283 VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral, v. II, p. 296.

284 João de Matos Antunes Varela entende que tal alteração topológica revela “uma aguda percepção

O instituto ora analisado tem como objeto um crédito, ou seja, a posição ativa em

uma relação jurídica de natureza obrigacional, o direito subjetivo285 ao recebimento da

prestação.286

Embora a regra seja a cedibilidade dos direitos de natureza patrimonial, tendo em vista o poder de disposição atribuído ao seu titular, não é qualquer crédito que pode ser objeto de cessão. Pode ser objeto de cessão crédito que conste ou não de um título, esteja vencido ou não, existente ou ainda não existente (comumente chamado de crédito a performar), desde que determinável, tenha como fundamento um contrato, um negócio jurídico ou um preceito legal, livre ou gravado por usufruto ou penhor, ou ainda sujeito a uma condição.

Há, entretanto, restrições legais, inerentes à natureza da obrigação e, conforme o caso, convencionadas pelas partes (artigo 286 do Código Civil). A restrição convencional se

dá com fundamento na autonomia privada.287

Em regra, não pode ser objeto de cessão a prestação debitória que, por sua natureza, esteja ligada à pessoa do credor. Nesse sentido dispõe o artigo 577º, n. 1, do Código Civil português. Entendemos que a mesma regra vale entre nós.

Como forma de restrição legal, pode-se mencionar aquela prevista no artigo 298 do Código Civil, segundo o qual “o crédito, uma vez penhorado, não pode mais ser transferido pelo credor que tiver conhecimento da penhora (...)”, ou a proibição da cessão do direito a alimentos, que se liga de forma indissociável à pessoa do credor.

285 Como refere Fernando Noronha, os direitos de crédito só cabem na categoria dos direitos

subjetivos, muito embora possa haver direitos potestativos e poderes-deveres acessórios de créditos (Direito das obrigações, p. 53). Ainda segundo o mesmo autor, a característica marcante dos direitos subjetivos propriamente ditos, dos quais o direito de crédito é o maior expoente, é o poder conferido ao seu titular para exigir um comportamento de outrem, mas cuja satisfação não pode ser alcançada mediante sua simples vontade, mas depende inevitavelmente do comportamento, da cooperação de outra pessoa. Tal comportamento é em regra uma prestação, comissiva ou omissiva, sendo conferido ao titular apenas a pretensão de exigir tal prestação do sujeito passivo (Direito das obrigações, p. 55). Ao direito subjetivo corresponde, portanto, o dever de prestação.

286 Como refere João de Matos Antunes Varela, “a prestação é o fulcro da obrigação, o seu alvo

prático. Distingue-se do dever geral de abstenção próprio dos direitos reais, porque o dever jurídico de prestar é um dever específico (que apenas atinge o devedor), enquanto o dever geral de abstenção é um dever genérico, que abrange todos os não titulares do direito real (real ou de personalidade)” (Das obrigações em geral, v. I, p. 79).

287 Com efeito, “a proibição convencional da cessão de crédito resulta do caráter dispositivo de suas

normas. Nada impede que as partes limitem a disponibilidade do crédito, levando em conta a liberdade que lhes é conferida pela autonomia privada, pois em tal comportamento não se vislumbra violação à ordem pública” (BDINE JUNIOR, Hamid Charaf. Cessão da posição contratual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 77).

Importa analisar mais detidamente, tendo em vista os fins do presente estudo, o alcance da cessão. Nos termos do artigo 278 do Código Civil, salvo disposição em contrário, a cessão de um crédito abrange todos os seus acessórios. Os acessórios abrangem as garantias, reais ou fidejussórias, e os juros inerentes ao crédito. Há, no entanto, outras posições jurídicas que integram a relação contratual e que podem ou não ser transmitidas por meio da cessão de créditos e da assunção de dívida, conforme será visto no item 6.3 e seguintes.

6.2.2 Transmissão Singular de Dívidas – Assunção de Dívida

Segundo Almeida Costa,288 a assunção de dívidas “consiste no acto pelo qual um

terceiro (assuntor) se vincula perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem. A idéia subjacente é a transferência da dívida do antigo para o novo devedor, mantendo-se a relação obrigacional”.

Nelson Nery conceitua o instituto da seguinte forma:

“Quando, mediante contrato, a obrigação se transfere com as mesmas características com que foi criada, ou seja, guardando a mesma identidade daquela contraída pelo primitivo devedor, em virtude de alguém ter assumido a posição de sujeito passivo, de uma dívida que vinculava outrem, diz-se ter ocorrido espécie de transmissão de obrigação denominada assunção de dívida.” 289

O instituto não era previsto no Código Civil de 1916, embora fosse aceito pela doutrina como expressão da autonomia privada, aplicando-se, no que coubesse, a disciplina da cessão de créditos.290291

288 ALMEIDA COSTA, Mario Julio de. Direito das obrigações, p. 759.

289 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo Código Civil e legislação

extravagante anotados, p. 331.

290 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil

interpretado conforme a Constituição da República, p. 583.

291 Dimas de Oliveira Cesar entende que a assunção de dívida era permitida, por analogia, no

sistema de 1916, citando exemplos de artigos do Código revogado que facultavam ou impunham a transmissão do débito, como o artigo 1.415, que cuidava, no entanto, de sub-rogação, figura distinta da assunção de dívidas, os artigos 999, II, e 1.001, que cuidam de novação, figura que novamente não se confunde com a transmissão (Estudo sobre a cessão do contrato. São Paulo: RT, 1954, p. 57). Entendemos que o fundamento do instituto no sistema de 1916 era, efetivamente, a autonomia privada.

Não cumpre traçar aqui, dado o escopo restrito do presente trabalho, considerações sobre a generalidade do instituto, mas apenas aquilo que interessa para as conclusões que queremos alcançar acerca do efeito da transmissão das obrigações sobre a cláusula penal.

É importante relevar, no entanto, que em se tratando de forma de transmissão das obrigações, a assunção de dívida implica substituição da pessoa do devedor, mantendo-se a mesma obrigação já existente, ainda que desprovida das mesmas garantias de que

gozava anteriormente à transmissão. Assim, difere substancialmente da novação,292 apesar

de serem institutos afins.

O instituto ora analisado tem como objeto um débito, ou seja, a posição passiva em uma relação jurídica de natureza obrigacional, o dever de prestar, que pode consistir em uma prestação de dar, de realizar determinado fato (como celebrar um contrato), fazer, não fazer etc.

Faremos em seguida, uma análise sob a transmissibilidade dos direitos potestativos e dos deveres laterais, pois as conclusões que alcançaremos serão úteis para a análise do efeito da transmissão das obrigações sobre a cláusula penal.

No documento CLÁUSULA PENAL E O CÓDIGO CIVIL DE 2002 (páginas 111-114)