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Os Países de Common Law

No documento CLÁUSULA PENAL E O CÓDIGO CIVIL DE 2002 (páginas 33-37)

Diferentemente do quanto se verifica tradicionalmente nos países que adotam a civil law, os países de common law, notadamente Reino Unido e Estados Unidos da América, fazem uma clara distinção entre cláusula penal com conteúdo punitivo (penalty clauses) e cláusula penal com natureza de liquidação antecipada de perdas e danos (liquidated damages).

Conforme noticiam Charles Goetz e Robert Scott,72 há mais de quinhentos anos que

os tribunais de common law admitem somente cláusulas de predeterminação de perdas e danos que constituam uma estimativa razoável (reasonable forecast) dos danos que provavelmente resultarão do não-cumprimento do contrato, negando exigibilidade a cláusulas que imponham ao devedor uma penalidade.

As origens de tal diferenciação remontam aos tribunais de eqüidade.73 A proibição

das penalidades foi uma das primeiras intervenções dos referidos tribunais, no século XV, para reequilibrar situações consideradas contrarias à idéia de justiça. Inicialmente, a proibição visou evitar estipulações contratuais segundo as quais os devedores se obrigavam pelo dobro de sua dívida a título de pena, e outros casos considerados fraudulentos.

72 Liquidated damages, penalties and the just compensation principle: some notes on an enforcement

model and the theory of efficient breach, Columbia Law Review, 77/554, p. 554.

73 Conforme anotam Geoffrey C. Hazard e Michelle Taruffo, os tribunais de eqüidade foram criados

inicialmente porque os tribunais de common law tinham competência limitada, a qual deixava de lado certos wrong doings, como as hipóteses de fraude ou atuação de má-fé (American civil procedure. Yale University Press, 1993, p. 12).

Assim, os tribunais de eqüidade consideravam inválidas tais cláusulas sempre que “either actual or presumtive evidence of unfairness indicated that recovery would result in an

‘unjust, extravagant or unconscionable quantum of damages in case of a breach’”.74

O entendimento de tais tribunais evoluiu no sentido de que não seriam exigíveis as cláusulas in terrorem, ou seja, aquelas que tivessem como objetivo compelir o devedor ao pagamento, e não constituíssem uma previsão razoável dos danos que decorreriam em função do descumprimento.

Segundo Oliver Wendell Homes,75 que durante 30 anos (entre 1902 e 1932) foi

ministro do Supreme Court of the United States, em common law,

“The only universal consequence of a legally binding promise is that the law makes the promissor pay damages if the promised does not come to pass. In every case it leaves him free from interference until the time for fulfillment has gone by, and therefore free to break his contract if he chooses.”

Conforme se depreende do trecho transcrito, a tradição em common law é que a quebra do contrato deve gerar, apenas e tão somente, uma indenização por perdas e danos. Assim, não são aceitas cláusulas contratuais que tenham natureza punitiva. São admitidas, sim, as chamadas punitive damages, mas somente quando impostas por um tribunal em matéria de torts, que corresponde, em nosso sistema, à responsabilidade civil aquiliana.

Adicionalmente, segundo o Restatement of Contracts,76 “[p]unitive damages are not

recoverable for a breach of contract unless the conduct constituting the breach is also tort for

which punitive damages are recoverable”.77

74 GOETZ, Charles; SCOTT, Robert. Liquidated damages, penalties and the just compensation

principle: some notes on an enforcement model and the theory of efficient breach. Columbia Law Review, 77/554, New York, 1977, p. 555. Tradução livre: “prova, de fato ou presumida, de injustiça indicasse que a recuperação resultaria em ‘um quantum injusto, extravagante ou inescrupuloso de danos em caso de quebra’”.

75 HOMES, Oliver Wendell. The common law. Boston: Little, Brown and Company, 1881, p. 301.

Tradução livre: “A única conseqüência universal de uma promessa legalmente vinculante é que a lei faz com que o promitente indenize se a promessa não for cumprida. Em qualquer caso fica ele livre de interferência até que o tempo de cumprimento tenha passado, e então livre para quebrar o contrato se assim escolher”.

76 O Restatement of Contracts é uma fonte secundária de direito nos Estados Unidos da América. É

uma compilação de entendimentos criada por juristas em matéria de contratos que é importante fonte de referência e comumente citada na doutrina e em decisões judiciais.

77 Restatement (Second) of Contracts, § 355. Tradução livre: “danos punitivos não são exigíveis por

quebra de contrato a não ser que a conduta constitua também responsabilidade extracontratual para a qual sejam exigíveis danos punitivos”.

Como se vê, apenas quando a conduta que constitui a quebra do contrato implicar, também, responsabilidade civil extracontratual, é que se pode falar em punitive damages.

Além disso, segundo William S. Dodge,78 as únicas outras exceções à regra geral são: não

cumprimento de uma promessa de casamento, descumprimento de contrato por uma empresa que presta serviço público, quebra de contrato que significa também quebra de obrigação fiduciária (fiduciary duty) e, mais recentemente, inadimplemento de má-fé em um

contrato de seguro. Nem mesmo a quebra intencional ou maliciosa79 do contrato pode dar

ensejo a uma punição, exceto nos casos supra-referidos.

As punitive damages são em regra consideradas, em matéria contratual, contrárias à ordem pública. Tal proibição caracteriza clara limitação à autonomia privada. Apenas cláusulas penais que tenham a natureza de liquidação antecipada de perdas e danos são válidas. E para que sejam assim consideradas, as penas contratuais devem preencher determinados requisitos, conforme será discutido adiante.

Para distinguir entre um e outro tipo de cláusula, os tribunais têm entendido que, na

cláusula penal de natureza punitiva, a pena é estipulada in terrorem,80 enquanto na cláusula

penal que busca fixar antecipadamente o valor das perdas e danos, a pena é genuinamente uma pré-estimativa das perdas que se verificariam na hipótese de inadimplemento.

Conforme noticia Richard A. Lord, em geral são três os critérios utilizados pelos tribunais norte-americanos para diferenciar uma liquidated damages clause de uma penalty clause. A cláusula de liquidação de perdas e danos estará presente e será, portanto, exigível quando:

78 DODGE, William S. The case for punitive damages in contracts. Duke Law Journal, 48/629, 1998. 79 “(…) exemplary or punitive damages are not generally recoverable in breach of contract actions,

even where the contract is maliciously or intentionally breached.” (LORD, Richard A. Williston on contracts. 4. ed. Thomsom West, 2001, p. 243). Tradução livre: “(...) danos exemplares ou punitivos não são em geral exigíveis em ações de quebra de contrato, mesmo nos casos em que o contrato é quebrado maliciosa ou intencionalmente”.

80 Vale notar o comentário de Richard A. Lord acerca da cláusula penal in terrorem. Para o autor, a

própria possibilidade de indenização por perdas e danos, inclusive quando levada a efeito pelos meios tradicionais, representa um estímulo para o cumprimento da obrigação, e portanto tem o mesmo efeito in terrorem da cláusula de prefixação de perdas e danos. Assim, conclui o autor que a cláusula não deve ser considerada inválida apenas por induzir o devedor ao pagamento, mas somente quando tal indução se dê de forma ilegítima, o que se verificará quando houver uma desproporção entre os danos previsíveis decorrentes do descumprimento e o valor das perdas e danos estipuladas em contrato (Williston on contracts, p. 231).

(i) os danos causados pelo inadimplemento forem de prova difícil ou impossível;

(ii) o valor das perdas e danos previsto seja uma estimativa razoável dos

danos que provavelmente resultarão do inadimplemento;

(iii) as partes tenham criado a cláusula com a intenção de que fosse

compensatória e não de punitiva.

Segundo o Restatement of Contracts (Second), § 365(1):

“Damages for breach by either party may be liquidated in the agreement but only at an amount that is reasonable in the light of the anticipated or actual

loss caused by the breach and the difficulties of proof of loss. A term fixing unreasonably large liquidated damages is unenforceable on grounds of public policy as a penalty.”81 (g.n.)

Quer nos parecer que o ponto principal a ser considerado na diferenciação entre um ou outro tipo de cláusula seja a razoabilidade do valor predeterminado (i) frente ao danos que razoavelmente se espera que decorram do descumprimento ou (ii) frente ao dano efetivo.

Vale notar que, caso a cláusula seja considerada uma penalidade, não será exigível,

e a liquidação das perdas e danos deverá ocorrer pelas vias ordinárias,82 não havendo que

se falar em redução eqüitativa, como é comum nos países de civil law.

Em resumo, os países de common law distinguem claramente duas espécies de cláusula penal, a penalty clause, de caráter punitivo, e a cláusula de liquidated damages, sendo que os tribunais consideram exigível somente essa última.

81 Tradução livre: “Perdas e danos por quebra por qualquer das partes podem ser liquidados mas

somente em um valor que seja razoável à luz das perdas e danos antecipáveis ou efetivas

decorrentes da quebra e as dificuldades de prova do dano. Uma estipulação fixando perdas e danos grandes sem razoabilidade não é exigível como penalidade em função de norma de ordem pública” (g.n.)

82 “If excessive, the liquidated damages provision may be deemed unerforceable as a ‘penalty’, in

which event, presumably, the injured party’s damages will be determined under customary standards” (CHIRELSTEIN, Marvin A. Concepts and case analysis in the law of contracts. 5. ed. New York: Foundation Press, 2006, p. 212.) Tradução livre: “Se excessiva, a estipulação de liquidação de perdas e danos pode ser considerada inexigível, e em tal caso, presumivelmente, os danos da parte lesada serão determinados conforme os padrões costumeiros”.

1.5 PRINCIPAIS MODIFICAÇÕES TRAZIDAS PELO CÓDIGO CIVIL DE 2002

No documento CLÁUSULA PENAL E O CÓDIGO CIVIL DE 2002 (páginas 33-37)