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A coalizão que determina o que é prioritário na cidade

Pela grande capacidade de coesão e legitimação imbuídos no dis- curso acionado para justifi car as obras da Copa, um “contrato” de cooperação – informal – entre o poder público e os setores domi- nantes do capital em Fortaleza é assinalado, a fi m de garantir o su- cesso e a perpetuação das estratégias necessárias para a governan- ça urbana empreendedorista na cidade.

A correlação de forças que se consolida no processo de elaboração do Plano Diretor9 e se fortalece na nova conjuntura, estava entra- nhada no governo municipal que se dizia de esquerda desde a sua eleição10. Apesar de ter sido eleita com uma plataforma de cam-

9 Para mais detalhes sobre este processo, sugere-se consultar MACHADO, E. G.,

Planejamento Urbano, democracia e participação popular: o caso da revisão do Plano

Diretor de Fortaleza (2003-2008), 2011. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza: 2011, e a dissertação de mestrado em planejamento urbano de Valéria Pinheiro apresentada no IPPUR.

10 Obviamente antes da vitória eleitoral de Luizianne Lins os privilégios concedidos, a facilidade de acesso às mais altas instâncias de poder por parte do capital, entre outras condições, já existiam. Mas era de se esperar que tal ciclo fosse senão rompido, ao menos enfraquecido com a chegada do Partido dos Trabalhadores à prefeitura, pelo perfi l de sua candidatura.

panha que prometia um governo permeado pelo poder popular, as alianças eleitorais (principalmente a partir do segundo turno, quando a disputa interna do PT é deixada de lado) indicaram que esse projeto popular talvez não tivesse caminho livre na gestão. Ao assumir o governo, em 2005, Luizianne Lins o faz com uma ampla aliança partidária11, para garantir a “governabilidade”. Mas tal fator, que lhe daria vasta base de apoio na Câmara de Vereadores, soma- do ao grande apoio popular construído para e durante a eleição, não serviu para que a prefeita implementasse seu projeto político que – pelo menos no discurso, contemplava a inversão de priori- dades nos investimentos públicos. O que se viu foi a reiteração de práticas políticas de cooptação e clientelismo.

As construtoras sinalizam sua identidade e proximidade com a ges- tão desde a eleição. Reportagem de novembro de 2008 informa que construtoras que têm contratos com a Prefeitura de Fortaleza foram as maiores doadoras da campanha à reeleição da petista. Lista en- tão a Construtora Beta, a EIT, a Trana, a Engexata, a G&F, a maioria envolvida em obras de habitação. Um detalhe interessante: as qua- tro últimas citadas só doaram após o resultado da eleição12.

Não é novidade que as classes dominantes fazem suas disputas econômicas e políticas fora dos espaços da participação popular em Fortaleza (SOUTO, 2013). Por terem trânsito livre e boa capi- laridade nas altas instâncias dos governos, ao campo empresarial não se faz necessário o desgaste de participar de conselhos, confe- rências, audiências públicas, pois têm seus projetos aprovados por outros caminhos.

De acordo com dado citado na tese de RUFINO (2012), a partir de reportagem do Diário do Nordeste, de 17 de fevereiro de 2011, “[...] o ano de 2010 foi o melhor de todos os tempos para a construção

11 PSB, PC do B, PMDB, PTN, PHS, PSL, PMN, PRB, PV, PP, PPS, PR, DEM, PRP, PTB, PRTB, PSDB, PT do B (SOUTO, 2013, p. 88).

12 Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2008/11/473392-construtoras- bancaram-campanha-de-luizianne-em-fortaleza.shtml>

civil brasileira. E o Ceará foi o estado nordestino que mais cresceu nesse setor”. Essa fala de um dos maiores empresários do campo da construção civil em Fortaleza confi rma:

O investimento em infraestrutura é um dos pilares do crescimento e desenvolvimento de nosso País. O Brasil amadureceu nas últimas duas décadas e apresenta um ambiente empresarial muito melhor. Nesse contexto, a construção civil tem apresentado excelentes re- sultados quando comparados a indicadores gerais da economia. Certamente, esses resultados são frutos de investimentos em inova- ção, na capacitação de nossos colaboradores e na modernização dos processos, além da própria gestão dos negócios. [...] Para consoli- dar esse cenário, o poder público deve aprofundar reformas que são essenciais para o fortalecimento do setor empresarial, importante motor para o crescimento. Vemos uma postura séria e fi rme dos governantes, mas devemos fi car vigilantes para que velhas práticas intervencionistas não contaminem o saudável ambiente da livre ini- ciativa e limitem a criatividade e a ousadia dos que investem. (JOR- NAL O POVO, 2012)13

Essa citação é sintomática da visão dos empresários sobre a cidade como espaço profícuo para o desenvolvimento dos seus negócios e do quão mal vistas são as possíveis ações estatais que limitem a sua capacidade lucrativa.

As relações de proximidade com o ramo da construção se dão também no âmbito estadual. Um episódio sintomático foi a con- versa do Governador Cid Gomes com alguns empresários durante uma confraternização da Cooperativa da Construção Civil, em 23 de novembro de 2011. A conversa14 foi fi lmada por um rapaz pre- sente no evento e propagada na internet. Nela, ao comentar sobre a obra da Linha Leste do Metrofor, se acerta de maneira informal a

13 Carlos Fujita, empresário e sócio-diretor da Fujita Engenharia, depoimento em reportagem no Jornal O Povo, de 30.12.2012, intitulada “Por que acreditar no Brasil e o que esperar de 2013?”. Disponível em: <http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2012/12/29/ noticias jornalopiniao,2979599/por-que-acreditar-no-brasil-e-o-que-esperar-de-2013. shtml>.

verticalização da área, o Estado assume ali mesmo o compromis- so de desapropriar, e fala-se em “rolo”.

Em novembro de 2012, o secretário de Infraestrutura, Francisco Adail Fontenele, foi agraciado com o Prêmio da Construção Ci- vil, categoria desenvolvimento setorial, promovido pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (Sinduscon-CE). Já em 2014, a secretária de Urbanismo e Meio Ambiente recebe o prêmio de “Personalidade do ano 2014” pela Cooperativa da Construção Civil do Estado do Ceará.

Rufi no (2012) trata em sua tese da migração das grandes empresas do setor imobiliário do centro-sul para Fortaleza e dessa reestru- turação que houve no setor. Percebendo as tendências de valori- zação, o maior número de lançamentos e quais as novas áreas que estavam surgindo em termos de vocação do setor imobiliário, na Região Metropolitana, fi ca clara a inação do Estado diante dessa forma de produção da cidade, pela incorporação.

Esse processo de crescimento, que continuará exercendo um papel determinante na diferenciação das áreas mais valorizadas da me- trópole, tem como novidade a incorporação de novas áreas, a partir da intensifi cação da construção de empreendimentos turísticos e para o segmento econômico, que se constituem como duas frentes do desenvolvimento metropolitano conduzido pelo setor imobiliá- rio. Esse projeto de “incorporação da metrópole” é fortalecido pelo discurso da importância do crescimento econômico gerado pela construção civil e pelo turismo e da necessidade de resolução do défi cit habitacional. (RUFINO, 2012, p. 301)

A quantidade de debates sobre a Copa do Mundo 2014 que ocorreram no âmbito empresarial é bastante representativa, ao mesmo tempo em que o acesso à informação e o diálogo com os diretamente atingidos é quase nulo. Até mesmo o evento de encerramento do processo de construção do Plano Local de Ha- bitação de Interesse Social (PLHIS) ocorreu na sede da Fiec, em dezembro de 2010.

Se já não bastassem tantos elementos que comprovam as relações privilegiadas de alguns agentes com os poderes locais, tem-se, em fevereiro de 2014, a escolha da nova secretária da Secopa/for: Patrí- cia Macêdo, sobrinha do presidente da Fiec.

Assim, as relações privilegiadas desses agentes com o poder pú- blico, associadas à forte valorização imobiliária concentradora de renda reforçam a instrumentalização do espaço na reprodução de seus capitais.

Para além do desenho governamental para a ingerência da Copa do Mundo e da coalizão dos setores privilegiados, movimentações ocorreram no outro lado da estrutura social. De forma mais acen- tuada observando o Comitê Popular da Copa e os movimentos pró- ximos a esse, desenvolve-se este próximo item.

4. A organização popular em resistência