• Nenhum resultado encontrado

Mobilidade e desigualdade socioespacial na metrópole

Assim como na maioria das metrópoles brasileiras, o ciclo de cres- cimento econômico do Brasil na primeira década dos anos 2000, associado às políticas públicas de incentivos fi scais, à desoneração do IPI para vários produtos, dentre eles automóveis e motos, ao au- mento real do salário mínimo e ao crescimento de fontes cada vez

mais liberais de crédito, repercutiu intensamente sobre o aumento do transporte motorizado na RMF, principalmente, em Fortaleza. Um relatório do Observatório das Metrópoles (2012), organizado com base nos dados do Departamento Nacional de Trânsito (De- natran), comprovou que a capital do Ceará foi uma das metrópoles que apresentou a maior elevação de transporte motorizado entre os anos de 2001 e 2011. Segundo os dados desse relatório, Fortale- za mostrou um crescimento da frota de automóveis na ordem de 89,7%, o que representa um incremento de 296.964 veículos no pe- ríodo mencionado4.

O acelerado crescimento da frota motorizada na capital do Ceará, associado à carência dos transportes públicos, às ações governa- mentais pautadas no modelo rodoviarista e à baixa efi ciência do planejamento urbano, agravou os problemas de deslocamento co- tidiano da população, penalizando os usuários dos transportes pú- blicos coletivos e de transporte individual. Não por acaso, a “crise da mobilidade” em Fortaleza tornou-se uma das principais pautas da campanha nas eleições para prefeito no ano de 2012, ocupando parte signifi cativa da propaganda político-partidária5.

Ao se analisar os indicadores de mobilidade6, elaborado com base no tempo de deslocamento casa-trabalho, percebe-se que nas áre- as periféricas do setor sudoeste e sul de Fortaleza (bairros como Siqueira, Grande Bom Jardim e José Walter) estão concentradas as piores condições de deslocamento da metrópole, mesmas áreas em

4 Segundo os dados do Relatório Metrópole em números: crescimento na frota de automó-

veis e motocicletas nas metrópoles brasileiras (2001/2011) a média nacional do cresci-

mento dos automóveis foi de aproximadamente 77,8%.

5 O candidato eleito apresentou como uma das principais propostas de campanha a melhoria dos transportes, incluindo a implantação de um bilhete único de integração (temporal) entre ônibus da frota de Fortaleza. Uma das principais críticas apresentadas ao candidato da situação foi o lento avanço das obras de mobilidade preparatórias para a Copa de 2014. O candidato eleito (oposição) implantou em 2013 uma secretaria espe- cial da copa objetivando uma maior celeridade nas obras de mobilidade.

6 O indicador de mobilidade foi elaborado pela rede de pesquisas Observatório das Metrópoles, como parte integrante da pesquisa sobre o Bem-Estar Urbano das metrópoles brasileiras. Esse indicador é calculado a partir da variável tempo de des- locamento casa-trabalho, presente no censo 2010. “Utiliza-se a proporção de pessoas ocupadas que trabalham fora do domicílio e retornam para casa diariamente que gas- tam até 1 hora no trajeto casa-trabalho” (Ribeiro; Ribeiro, 2013). Quanto mais próximo do valor um, são melhores as condições de deslocamento.

que se verifi ca um baixo grau de acesso aos benefícios da urbani- zação (Figura 2.1). Estas áreas não foram foco de nenhuma inter- venção prioritária em mobilidade, apesar de apresentarem péssi- mos indicadores. Por se tratar de setores com população de baixo poder aquisitivo, considera-se que estes trabalhadores recorram, sobretudo, ao transporte público coletivo ou a formas alternativas de transporte como a bicicleta. Nesta situação, o tempo de desloca- mento tende a ser mais elevado, quando se considera a distância e as difi culdades de acesso aos bairros onde estão as principais cen- tralidades de Fortaleza, penalizando ainda mais os trabalhadores em desvantagem econômica.

Em contraposição, as áreas do setor centro-leste-sudeste apresen- tam os melhores indicadores de mobilidade (Figura 2.1). Este se- tor possui elevado prestígio social e concentra parte signifi cativa dos edifícios de escritórios de grandes e médias empresas, assim como de repartições públicas (entre elas a Câmara dos Vereado- res, a Assembleia Legislativa, o Fórum Clóvis Beviláqua). Vale sa- lientar, que neste setor estão localizadas importantes centralida- des - Centro, Aldeota e Guararapes/Edson Queiroz (Figura 2.3).

A presumível proximidade dos locais de moradia e trabalho dos grupos de alta renda e a maior utilização de transportes individu- ais talvez ajudem a explicar o baixo tempo de deslocamento e o bom indicador de mobilidade. No entanto, foram nesses bairros que ocorreu o maior montante de investimentos em obras de mo- bilidade urbana e em equipamentos de grande porte, elevando o padrão de urbanidade, e reforçando ainda mais a valorização imobiliária. Fatos estes que contribuem para a expulsão da popu- lação de menor poder aquisitivo.

Ao se analisar os dados de mobilidade expostos, constata-se um processo intitulado por Villaça (2011) de dupla segregação, já que ela “[...] não se manifesta apenas nas áreas residenciais, mas tam- bém nas áreas de trabalho”. Nota-se uma “superposição” das áreas residenciais e áreas de trabalho para famílias de alta renda, mini- mizando seu tempo de deslocamento, enquanto nas áreas com po- pulação mais pobre verifi ca-se uma tendência oposta.

Figura 1. Localização das obras de mobilidade da Copa 2014 e indicador de mobilidade das áreas urbanas

Elaboração: Cleiton Nogueira (2013)

Fonte dos dados: Balanço da copa (2012), IBGE, Observatório das Metrópoles e DER-CE. Com a confi rmação da capital como sede do megaevento, as obras do setor centro-leste-sudeste ganharam prioridade embora, algu- mas das obras de mobilidade já estivessem em projetos do estado e do município, antes da inclusão de Fortaleza como cidade-sede (como o VLT e os BRTs). Os BRTs faziam parte do Programa de Transporte Urbano da Prefeitura Municipal de Fortaleza (TRANS- FOR), que prioriza a implantação de corredores exclusivos para transporte público, proposto ainda na administração do Prefeito Juraci Magalhães (1997-2004). Atualmente, o projeto foi reestru- turado e prevê a implantação de mais cinco corredores exclusivos para ônibus na cidade.

A criação de corredores exclusivos para ônibus que benefi ciaria bairros mais periféricos, como Conjunto Ceará e Granja Portugal (bairros com péssimos indicadores de mobilidade), embora esti- vessem previstos há anos, não foi incluído nas obras prioritárias de mobilidade para a Copa e o seu início foi anunciado apenas para o segundo semestre de 2015, com conclusão prevista para 20187.

A análise das obras de mobilidade urbana, no contexto da metropo- lização, vai evidenciar o surgimento de novos agentes na execução dos projetos para atender as demandas da Copa. Neste contexto, governos federal, estadual e municipal, empreiteiras, empresários do turismo, promotores de eventos, agenciadores dos equipamen- tos e especuladores imobiliários assumem papéis diferenciados nas mudanças urbanas em Fortaleza associadas a este evento.

4. Obras de mobilidade urbana para