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A concessão de benefícios ributários para a Fifa e seus parceiros

Em relação à legislação fi scal, foram identifi cadas alterações nas esferas municipal e estadual, objetivando benefi ciar não apenas a Fifa mas também empresas patrocinadoras, fornecedores e presta- doras de serviços relacionados à Copa das Confederações de 2013 e à Copa do Mundo de 2014.

No caso de Fortaleza, em 20 de dezembro de 2012, foi enviada à Câmara Municipal a Mensagem de Lei no 64/2012 oriunda do Poder Executivo, na qual se propunha projeto de lei para instituir incen- tivo de benefícios fi scais relacionados com os megaeventos espor- tivos citados. A tramitação seguiu exatamente os mesmos procedi- mentos e prazos das Leis Municipais no 9.986/2012 e 9.987/2012, de forma que sua aprovação ocorreu em menos de dois dias.

Em 28 de dezembro de 2012, a Lei Municipal 9.988 foi sancionada pela prefeita Luizianne Lins (PT), passando a viger entre o dia 7 de janeiro de 2013 (publicação em Diário Ofi cial) e o sexagésimo dia após o encerramento do mundial de 2014.

Em seu texto, a Lei Municipal 9.988/2012 isentou da incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) os serviços prestados pela Fifa ou pelas entidades por ela credenciadas para a concretização das atividades necessárias aos dois eventos (art. 2º). Note-se que a referida lei não deixa claro quais seriam as em- presas benefi ciadas, transferindo para a Fifa o poder de indicá-las nos moldes de um suposto Regulamento da Secretaria de Finanças do Município. Esse documento, entretanto, não foi disponibilizado para consulta pública, de modo que não se conhecem os procedi- mentos adotados e as empresas isentas.

Como ocorre em muitas administrações locais, o ISS é o tributo de maior arrecadação no município de Fortaleza. Para se ter uma ideia, no ano de 2013, a receita tributária foi de R$ 1,027 bilhão, e mais da metade disso decorreu do imposto em questão – R$ 523 mi- lhões5. Situação semelhante pôde ser constatada no exercício de 2014, quando a receita tributária total foi de quase R$ 1,375 bilhão, dos quais pouco mais de R$ 606 milhões decorreu do ISS6.

A Secretaria de Finanças do Município não divulgou dados referen- tes à arrecadação, que deixou de auferir em razão da isenção do ISS. Entretanto, considerando o volume e os valores dos serviços prestados durante os megaeventos, pode-se supor que a perda de receitas foi signifi cativa. A Tabela 1 traz os montantes da receita tri- butária do município nos últimos seis anos, revelando que, a des- peito da realização das competições nos anos de 2013 e 2014, não houve incremento signifi cativo da arrecadação.

5 FORTALEZA. Relatório Técnico sobre a Prestação de Contas de Governo – Balanço Geral 2013. Disponível em: <http://www.sefi n.fortaleza.ce.gov.br/phocadownload/ downloads/Planejamento/balanco_2013.pdf>. Acesso em: 23 abr 2015.

6 FORTALEZA. Relatório Técnico sobre a Prestação de Contas de Governo – Balanço Geral 2014. Disponível em: <http://www.sefi n.fortaleza.ce.gov.br/phocadownload/ downloads/Planejamento/balanco_2014.pdf>. Acesso em: 23 abr 2015.

Entre 2014 e 2013, a variação da arrecadação do ISS foi de 15,84%, percentual inclusive menor do que os verifi cados nos anos que antecederam a Copa das Confederações e a Copa do Mundo. Por- tanto, a hipótese de que os megaeventos seriam positivos para a cidade por gerarem uma maior arrecadação tributária não se con- fi rmou. Pelo contrário, verifi cou-se uma privatização de recursos públicos mediante o mecanismo da isenção.

Tabela 1. Receita Tributária e Arrecadação do ISS pelo município de Fortaleza

(em milhões de reais)

  2009 2010 2011 2012 2013 2014

Receita

Tributária 532,31 685,99 847,51 1065,32 1103,53 1374,85

Arrecadação

ISS 294,52 363,77 427,46 495,74 523,60 606,56

Fonte: Relatórios Técnicos sobre a Prestação de Constas do Governo – 2009 a 2014. Além do ISS, o município de Fortaleza também isentou a Fifa e suas empresas credenciadas de taxas não tributárias e custas cobradas para a concessão de autorização de licenças, alvarás e quaisquer outros documentos necessários ao válido e regular exercício de ati- vidades comerciais dentro dos limites municipais, conforme dis- posto pela já mencionada Lei no 9.987/2012.

Já no tocante à legislação estadual, foi celebrado o Convênio ICMS 134, em 16 de dezembro de 2011, para instituir isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para as aqui- sições de mercadorias ou bens por empresas responsáveis pela realização das obras elencadas na Matriz de Responsabilidades. Basicamente, as obras benefi ciadas pela medida foram aquelas relacionadas a mobilidade – veículo leve sobre trilhos (VLT) e bus rapid transit (BRT).

Tal convênio foi ratifi cado e incorporado à legislação tributária es- tadual pelo Decreto nº 30.873, de 10 de abril de 20127, e pela Instru- ção Normativa nº 22/2012 da Secretaria da Fazenda, que, em ape- nas dois artigos, estabeleceu:

Art. 1º. Ficam as obras abaixo listadas, consideradas como proje- tos de Mobilidade Urbana na Matriz de Responsabilidades fi rmada entre os Entes Federativos, albergadas pelo disposto no Convênio ICMS 134, de 16 de dezembro de 2011, ratifi cado e incorporado à legislação tributária cearense pelo Decreto nº 30.873, de 10 de abril de 2012:

I – Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), linha Parangaba a Mucuripe; II – Estações Padre Cícero e Montese;

III – Corredor Norte/Sul (Via Expressa); IV – BRT Avenida Dedé Brasil;

V – BRT Avenida Raul Barbosa; VI – BRT Avenida Alberto Craveiro; VII – BRT Avenida Paulino Rocha.

§ 1º A isenção do ICMS prevista no Convênio ICMS 134, de 16 de dezembro de 2011, reporta-se tão somente às aquisições de merca- dorias ou bens por empresas responsáveis pela realização das obras elencadas nos incisos do caput deste artigo e fi ca condicionada ao cumprimento dos requisitos previsto em legislação específi ca. Art. 2º. Esta Instrução Normativa entra em vigor na data de sua pu- blicação.

A exemplo do que se verifi ca no plano municipal com o ISS, o im- posto de maior arrecadação estadual é o ICMS. No ano de 2014, o Estado do Ceará teve uma arrecadação total de R$ 10,1 bilhões, sendo que mais de 93% decorreu diretamente do ICMS – R$ 9,4 bilhões8. Portanto, mais uma vez, a Fazenda Pública abre mão de uma importante fonte de receita em benefício de empresas priva- das envolvidas com obras da Matriz de Responsabilidades.

Nas duas situações, tanto o Município quanto o Estado aprovaram as isenções sem que houvesse qualquer discussão com a popula- ção. Some-se a isso o fato de que não são transparentes as informa- ções a respeito dos benefi ciários e do montante que se deixou de arrecadar, o que difi culta o controle social.

A falta de transparência evidencia mais um aspecto de que as mu-

8 CEARÁ. Arrecadação Total do Estado do Ceará. Disponível em: <http://www.sefaz. ce.gov.br/Content/aplicacao/internet/inffi nanceira/ArrecadacaoEstadual/Arrecada- caoEstadual.asp>. Acesso em: 23 abr 2015.

danças legislativas relacionadas com a Copa do Mundo inserem-se em um contexto de subordinação do interesse público aos interes- ses privados dos promotores da competição.

4. A remoção de comunidades afetadas