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A dinâmica da metropolização em Fortaleza

As últimas décadas do século XX são marcadas por crises das eco- nomias centrais que se irradiam para as demais redes de metró- poles globais ou de espaços globalizados2, cuja intensidade e es- tratégias de superação dependem da história de cada cidade e da dinâmica de suas forças endógenas. Na atual conjuntura histórica, as metrópoles tornaram-se locus preferencial de convergência de atividades/setores mais modernos, das ações e dos investimentos públicos e privados.

2 Para Hidalgo e Borsdorf (2011), os efeitos da globalização se dão de forma diferenciada. De um lado temos os chamados “lugares globais”, com a presença de consórcios mun- diais (global player), sedes de empresas transnacionais, de centros de inovação tecno- lógica e eventualmente nós de indústrias pós-fordista. Do outro lado, os “lugares globa- lizados”, centros do setor terciário, orientados para as empresas, centros off shore, locais de indústria de fabricação sem desenvolvimento tecnológico e de produção de massa, centros de produção mineira ou agrícola para o mercado mundial e destinações turísticas internacionais, onde se situam os atores globalizados.

As reestruturações urbanas atuais, necessárias à inserção das cida- des na rede de competição global, produzem imagens comuns, no entanto o processo de metropolização não acontece de forma ho- mogênea, diferenciando-se em função do modo como cada aglo- meração participa da economia globalizada. Processos, típicos das sociedades urbanas contemporâneas, são expressos pela mobilida- de do capital, das pessoas, das mercadorias e das informações, pela intensifi cação da conurbação entre cidades, independentemente dos limites institucionais, pela expansão dos aglomerados metro- politanos e pela alteração das áreas de infl uência das metrópoles, independentemente da proximidade física. Tendências que se destacam nas metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro e outras, também acontecem nas metrópoles periféricas ou em aglomera- ções com setores globalizados, a exemplo de Fortaleza.

Ciccorella (2012), ao discutir os diversos processos resultantes da nova confi guração política e econômica, destaca algumas tendên- cias que se revelam nas metrópoles periféricas: tendência ao poli- centrismo; expansão da base econômica sustentada em comércio e serviços; difusão e disseminação de novos objetos urbanos (shop- ping center, centros empresariais, condomínios fechados, etc); su- burbanização difusa (grupos sociais classe A e D); incremento ou consolidação da segregação.

Ao analisar o papel de Fortaleza e da RMF na rede urbana brasileira, Costa e Amora (2015) discutem as transformações na metrópole no contexto da formação socioespacial do estado do Ceará e o seu pa- pel de intermediária entre as regiões produtoras e os lugares globais. Demonstram como a “[...] gestão pública e empresarial e a comple- xidade das atividades comerciais e de serviços, presentes na metró- pole, viabilizam a realização das atividades produtivas no território sob seu comando, típicas de espaços globalizados”. (2015, p. 36) O Ceará inseriu-se na nova dinâmica econômica em meio à globali- zação da produção e do consumo, assumindo um novo papel na di- visão social do trabalho, principalmente a partir da década de 1980, com políticas públicas pautadas na economia de mercado, passan- do, assim, por uma reestruturação econômica e territorial. A econo-

mia cearense, centrada em três eixos principais (indústria, turismo e agronegócio) incorporou novos agentes e interesses, alterando as relações entre público e privado. O discurso modernizador, o marketing político, os grandes projetos turísticos, agrícolas, indus- triais e culturais, a implantação de infraestrutura básica e a ousadia política colocaram o estado em evidência na mídia nacional. No entanto, mesmo diante desse quadro de transformação econô- mica no estado, a participação do PIB cearense no PIB brasileiro mantém-se em torno de 2%, desde a década de 1960, caindo em períodos de grandes estiagens, enquanto a população do Ceará corresponde a 4,7% da brasileira (IBGE, 2010).

Em Fortaleza, polo regional, as funções tornaram-se mais comple- xas e os setores da economia urbana desenvolveram-se para aten- der a demanda de sua área de infl uência, que extrapola os limites administrativos do Ceará, atingindo os estados do Maranhão, Piauí e Rio Grande do Norte (IBGE, 2008). Além das tradicionais ativi- dades de comércio e serviços, a cidade destaca-se no cenário nor- destino por sediar empresas privadas e deter elevado número de instituições fi nanceiras, do setor saúde e de ensino superior. Como um centro de gestão do território, abriga órgãos públicos da admi- nistração municipal, estadual e federal, fortalecendo o seu papel polarizador. Novos fl uxos são gerados em direção ao polo, transfor- mando e consolidando o espaço metropolitano, com a formação de outras centralidades (COSTA e AMORA, 2015).

Fortaleza torna-se também um centro polarizador de eventos cul- turais, esportivos e econômicos. Segundo Costa e Amora (2015):

Como aconteceu com a dispersão das atividades produtivas e o controle das atividades comerciais por empresas multinacionais, também os eventos culturais e esportivos, até então concentrados nos países centrais, seguem esta mesma lógica, a exemplo das co- pas e das olimpíadas nos chamados BRICS3. Ainda no referente à

condição de Fortaleza como centro de grandes eventos internacio- nais (feiras de negócios e de atividades culturais, congressos cien-

tífi cos, dentre outros), cabe ressaltar a reunião dos BRICS, em julho de 2014, na capital do Ceará (p. 33).

Essas diversas funções da metrópole dinamizam a economia local refl etindo na reestruturação do espaço intraurbano, com a am- pliação da malha urbana, a elevação da densidade construída, um maior índice de aproveitamento dos terrenos e o crescimento do setor terciário para atender as demandas de empresas e da popu- lação local, metropolitana, que se desloca cotidianamente, como também a de sua área de infl uência.

Portanto, a dinâmica metropolitana de Fortaleza refl ete as transfor- mações da economia cearense, que cada vez mais se insere na eco- nomia globalizada. Amplia-se a divisão social do trabalho na RMF, fortalecendo o papel da capital como centro de decisão econômi- ca e política, com a redistribuição de atividades e funções urbanas para outros municípios. Isso provoca uma reconfi guração espacial, com alguns municípios recebendo equipamentos que a metrópole já não comporta, por conta das normas administrativas e jurídicas e dos impactos negativos ou pelo elevado preço da terra, tais como: distrito industrial, termoelétrica, armazenamento de água, aterro sanitário, out-let, grandes condomínios e conjuntos habitacionais. Para outros municípios também se desloca a população de baixa renda, já que não tem condições de ter acesso às mercadorias terra e habitação. Esse fato é reforçado pela política urbana, que constrói grandes conjuntos habitacionais nas áreas mais periféricas. Na RMF, as políticas públicas, os incentivos fi scais e a moderni- zação de infraestrutura rodoviária, aérea e portuária propiciam o surgimento de outros eixos industriais (PEREIRA JR., 2005), a ur- banização litorânea turística (DANTAS, 2013), a implantação de equipamentos de grande porte e a produção imobiliária. Esse pro- palado dinamismo econômico não foi sufi ciente para reduzir as desigualdades sociais e espaciais, que se cristalizam na paisagem metropolitana.

As estratégias políticas do governo, que visam a atração de capitais privados para o espaço metropolitano, geram outro tipo de relação

entre as esferas pública e privada, envolvendo o capital nacional e internacional, especialmente nas atividades de turismo e do setor imobiliário. A metrópole é reestruturada objetivando a integração ao movimento de mundialização do capital. Desse modo, parte das mudanças na sua confi guração espacial constitui-se em adap- tações aos interesses de agentes externos, objetivando a formação de um ambiente favorável ao desenvolvimento de novos negócios (ACCIOLY, 2008).

O esforço na disputa de sediar eventos de grande porte, como a Copa do Mundo Fifa 2014, representa uma dessas estratégias de viés empreendedor. Os agentes promotores defendem a realização desses eventos acreditando serem eles indutores de um processo de geração de benefícios futuros para as cidades-sede, incluindo melhorias nas condições de circulação da população no espaço ur- bano, mediante a implantação de grandes projetos de mobilidade, cujo objetivo principal seria facilitar o acesso dos turistas e torce- dores às áreas de realização do evento.

Neste artigo, destacamos o indicador de mobilidade urbana para evidenciar as áreas com piores condições de acessibilidade em função dos deslocamentos cotidiano da população na metrópole, e, portanto as que deveriam ser priorizadas na destinação de inves- timentos. No entanto, o levantamento das obras de infraestrutura e da localização de grandes equipamentos demonstra que as áreas mais carentes não foram benefi ciadas pelas obras de mobilidade. Contraditoriamente, as obras elencadas na matriz da Copa con- templam estes bairros, com centralidades já consolidadas, refor- çando a valorização imobiliária.

3. Mobilidade e desigualdade