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A Combinatória pode ser definida como o ramo da Matemática que estuda coleções finitas de objetos que satisfaçam certos critérios específicos, e podem se apresentar por meio de situações que solicitem a contagem de elementos ou a enumeração desses elementos, além de situações que promovam a elaboração de uma solução ótima, ou a classificação de elementos de um determinado conjunto e situações que requeiram questionamentos sobre a existência ou não de elementos que satisfaçam a mesma (BATANERO et al, 1996).

Morgado et al (1991) indicam seu ―crescimento explosivo nas últimas décadas‖, destacando a utilização de problemas de enumeração na teoria dos grafos e na análise de algoritmos, além de implicações no cálculo de probabilidades e na Teoria dos Números. Com amplas aplicações atuais, podemos interrogar como ocorreu a inserção da Combinatória na Matemática?

Tavares e Brito (2005) indicam que os problemas de Combinatória remontam à Antiguidade Clássica, quando Arquimedes (287 a.C - 212 a.C) propôs um problema conhecido como Stomachion15 no qual se ―desejava determinar de quantas formas distintas poderiam ser encaixadas 14 peças para formar um quadrado‖. Os mesmos autores citam, ainda, outro fator importante para o desenvolvimento da Combinatória: os jogos de azar, pois os jogadores queriam achar maneiras seguras de ganhar em jogos de cartas, dados ou moedas.

Batanero et al (1996) escrevem que o cálculo dos números de permutações dispostos numa circunferência aparece no documento chinês ‗Pa Kua‖ que data do século III a.C., o que demonstra o interesse de diferentes culturas através dos tempos pela Combinatória.

Morgado et al (1991) indicam que o cálculo do número de permutações, arranjos e combinações de n objetos já era conhecido pelo matemático hindu Báskhara (1114-1185) e pelo matemático francês Levi Bem Gerson (1288-1344).

Corroborando a intrínseca relação entre a Combinatória e a Probabilidade, o poema De Vetula apresenta explicitamente a descrição das possibilidades das somas do lançamento de três dados, como vemos no extrato a seguir:

Talvez, diremos que certos números são melhores Do que outros para uso em jogos, pela razão que,

Desde que um dado tem seis lados e seis números unitários, Em três dados existem dezoito,

Dos quais apenas três podem estar nas faces superiores dos dados. Eles variam em diferentes maneiras e deles,

Dezesseis números compostos são produzidos. Eles não são, porém,

De igual valor, desde que o maior e o menor deles Ocorre raramente e os do meio mais frequentemente,

E o restante, o quanto mais próximo estão daqueles do meio, Melhores são e mais frequentemente ocorrem.

Esses, quando ocorrem, têm apenas uma configuração de faces nos dados,

Aqueles são seis, e os restantes têm configurações intermediárias entre os dois,

Tal que existem dois números maiores e exatamente a mesma quantidade de menores,

E esses têm uma configuração. Os dois seguintes,

O maior, e o outro menos, têm duas configurações de faces nos dados cada um.

Novamente, depois deles existem três cada um, então quatro cada um.

E cinco cada um, como eles seguem em sucessão de aproximação

15

O Stomachion é um jogo constituído de quatorze peças que devem ser encaixadas para formar um

Os quatro números do meio têm seis configurações de faces nos dados cada um [....] (BELLHOUSE, 2000, p.134).

Após essa transcrição no poema em latim existe a listagem das possíveis somas do lançamento de três dados, como podemos observar na Figura 3.

Figura 3: Parte referente às somas possíveis do lançamento de três dados existente no De Vetula na versão impressa de 1534 com Marginalia

Segundo Bellhouse (2000) este poema foi amplamente divulgado na Europa, por volta de 1250, o que para esse autor, evidencia que os cálculos probabilísticos elementares já eram conhecidos desde essa data.

A aplicabilidade da Combinatória aos problemas de Probabilidade finita foi ainda mais acrescida pela troca de correspondências entre Pascal (1623-1662) e Fermat (1601-1665), quando discutiam a respeito da possibilidade de ganhos em jogos de azar.

Luca Pacioli (1445-1517) também discutia o ganho em jogos no seu livro Summa que continha entre outros tópicos a Matemática Recreativa. Nesse tópico existe o problema do jogo interrompido, o qual se fundamenta no desenvolvimento da Teoria das Probabilidades. Santos, Neto e Silva explicam a ideia do jogo interrompido:

―Dois jogadores lançam uma moeda ao ar repetidamente. O jogo acaba quando um jogador tiver acertado três vezes no resultado do lançamento (cara ou coroa). O vencedor recebe uma quantia pré- estabelecida. Suponhamos que o resultado está 2-1 e o jogo tem de terminar abruptamente. Qual é a divisão justa da quantia entre os dois jogadores?‖ (SANTOS, NETO e SILVA, 2007, p.18)

O triângulo de Pascal (1623-1662), segundo Tavares e Brito (2005), já era conhecido pelo árabe Al-Kajari no século XI e pelo chinês Chu Shï-kié que deixou uma escrita datada de 1303 e que se relaciona aos coeficientes do Binômio de Newton, que foi assim nomeado pela grande contribuição de Newton (1646-1727) ao obter a fórmula de expansão do binômio.

Segundo Gomes (2003), a imperatriz Catarina II incumbiu ao francês Diderot (1713-1784) a missão de reformular o ensino da Rússia. Nesta reformulação, Diderot promoveu o aspecto utilitário da Matemática e escreveu o motivo de acrescentar Combinatória ao currículo:

Eu acrescentei à aritmética, à álgebra e à geometria, a ciência das combinações ou o cálculo das probabilidades, porque tudo se combina e porque, fora das Matemáticas, o resto não é senão probabilidade, porque essa parte do ensino é de uso imenso nos negócios da vida, porque ela envolve as coisas mais graves e as mais frívolas, porque ela se estende às nossas ambições, aos nossos projetos de fortuna e de glória, e aos nossos divertimentos (DIDEROT, 1875, Tomo III, p.456, citado por GOMES, 2003, p.45, grifo nosso).

Em 1713 foi publicado o livro Ars Conjectandi de Jakob Bernoulli (1654-1705) no qual dedica a segunda parte de seu trabalho à teoria das combinações e permutações. É nesse livro que, de acordo com Batanero et al (1996), Bernoulli descreve que ―grande parte da beleza do Universo se deve à variedade de modos diferentes nos quais suas diversas partes podem mesclar-se ou se justapor‖16

(p.17). Nesse sentido, ressaltamos a importância da Combinatória para a Matemática, pois, essa não se resume as técnicas de arranjos, permutações e combinações. Um problema resolvido por Euler (1707-1783) em 1736 foi o problema das sete pontes de Könisberg17 considerado o inicio da Teoria dos Grafos. Esses grafos possibilitam uma simplificação de problemas combinatórios complexos ou não, pois apresentam um tipo de visualização por uma representação geométrica, constituídos por vértices (pontos) e arestas.

Rocha (2006) considera a Combinatória como ―uma das mais profícuas teorias Matemáticas do mundo moderno‖ (p.19), pois se constitui em sua maioria por

16

Tradução nossa.

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A cidade de Königsberg é banhada pelo rio Pregel formando uma ilha que está ligada ao resto da cidade por sete pontes. O problema proposto por Euler era o de efetuar um percurso que atravessasse todas as pontes, mas apenas uma vez em cada uma, retornando ao ponto inicial. Euler demonstrou que essa travessia é impossível, com essas condições.

problemas matemáticos aplicados. Um exemplo é o caso do famoso problema das quatro cores18 lançado por Francis Guthrie (1831-1899) em 1850 enquanto coloria o mapa da Inglaterra, despertando o interesse de matemáticos como Augustus De Morgan (1806 - 1871) e Arthur Cayley (1821 - 1895), transformando uma aplicação em ciência pura, relacionada com a Topologia, a Teoria dos Grafos e a Computação entre outras (EVES, 2004).

Além disso, Batanero et al.(1996) reafirmam o papel fundamental da Combinatória no desenvolvimento de outros ramos da Matemática e enfatizam sua relação com diversas disciplinas como a Física (na mecânica de partículas), a Química (busca de isômeros), a Biologia (difusão das epidemias, Genética), a Economia e Gestão (estudos de armazenamento e otimização), entre outras.

Encontramos, nos fatos descritos, as sutilezas da construção de conceitos perante a história, suas relações fundamentais, alguns de seus primeiros autores e diferentes situações que descrevem como surgiu o interesse pela Combinatória. Observamos, ainda, as relações que existe entre a Combinatória e jogos de azar e entre diferentes ramos da Matemática e outras ciências. Discutiremos, a seguir, situações que podem desencadear a aquisição de conceitos combinatórios por nossos alunos.