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A comensalidade vegetariana/vegan como expressão da individualização

2.4 A retórica vegetariana/vegan e o lugar da experiência

2.4.1. A comensalidade vegetariana/vegan como expressão da individualização

Não se pode tratar levianamente o ato íntimo de compartilhar o alimento com outro ser humano (MFK FISHER, 1996 (1908): 13).

A comensalidade é um dos aspectos essenciais que definem o ato de comer para maioria das pessoas. A reunião, em torno de uma mesa, e a partilha de uma mesma refeição, na qual os presentes podem falar sobre a comida e através dela, através dos gestos e palavras que demonstram as emoções provocadas pelo cardápio: prazer, nostalgia, surpresa; bem como o desconforto ou aversão, que, em geral, sofre uma intervenção por parte de nossos filtros culturais. De uma forma ou de outra, a dimensão comunicativa emerge através de gestos e sons, mais do que de palavras. O domínio sobre os códigos dessa comunicação é construído ao longo dos anos de vida de um indivíduo a partir da convivência e da partilha em torno da mesa em diferentes situações.

Esse território, que mescla a porção pública e privada da vida, tem suas regras implícitas, incorporadas pelos comensais com o passar do tempo. Os movimentos, a postura, as feições, são carregados de significados orquestrados pelas reações ante a comida, a mesa, os convivas. Como afirma Montanari (2008: 157): uma “vocação convivial dos homens se traduz imediatamente na atribuição de um sentido para os gestos que fazem ao comer”. E o conjunto dessas reações é o termômetro da qualidade das refeições e das relações postas à prova à mesa. Em torno da mesa as relações se estabelecem e se fortalecem.

A participação, na mesa comum, é observada como símbolo de pertencimento grupal. Seja o grupo familiar, entre amigos, na comunidade mais ampla, entre membros de uma associação ou corporação, todos tem sua identidade coletiva reforçada em torno da mesa (MONTANARI, 2008). “‘Comer juntos’ é o momento de reforçar a coesão do grupo, pois ao partilhar a comida partilham sensações, tornando-se uma experiência sensorial compartilhada” (MACIEL, 2001). Essa experiência proporciona intimidade e requer, do aparato sociocultural, os termos da partilha.

Althoff (1998) caracteriza a refeição como um dos principais sinais para selar a paz ou fazer alianças. Casamentos, batizados e a sagração de um cavaleiro, são exemplos de relações na Idade Média em que o laço social era que era sacramentado através de uma refeição. (DELCHIARO NIEBLE, 2010).

Além disso, as reuniões, em torno da mesa, em momentos extraordinários, parecem ser um elemento comum as mais diversas culturas e sociedades. Alianças e rupturas são forjadas a partir do ritual de uma refeição partilhada, tais como os rituais de passagens, tanto aqueles realizados em culturas tradicionais quanto os aniversários e casamentos celebrados entre grupos urbanos. Nas ocasiões em que celebra-se a mudança de status, a partilha dos alimentos e de seus códigos é parte fundamental do ritual. E o próprio cardápio torna-se responsável pelos contornos do ritual, marcando, através da experiência sensorial dos convidados, o acontecimento social.

Os laços afetivos e sociais reiterados à mesa não carecem de classificação, já que a disposição dos lugares, a ordem ao servir-se e a preferência na sua distribuição dos alimentos informam as posições sociais ocupadas pelos integrantes do grupo. O elemento distintivo pode ser sutil ao observador de fora, alheio aos códigos sociais acionados na partilha do alimento, mas podem ser facilmente observados por aqueles que dominam tais códigos.

A cabeceira da mesa, o maior ou o melhor pedaço de carne são destinados ao membro de maior prestígio e autoridade; a organização do serviço pelas mulheres; e o desprestígio das crianças, já foram marcas da mesa patriarcal, mas também estavam presentes entre a nobreza do século XIX na Inglaterra e na França. Nos estudos de Elias sobre essas sociedades, a etiqueta à mesa ganha destaque por seu papel no exercício de práticas distintivas. Dessa maneira, são os papeis sociais representados a partir desse sistema de códigos que irão orientar o comportamento daqueles presentes diante da comida. A mesa passa a ser um lugar reservado à exibição do refinamento, da polidez, do gosto e, assim, do status dos participantes. Distinções essas que vão sendo associadas às maneiras exibidas à mesa e tidas como parte de uma “segunda natureza” (ELIAS, 1998) ou de “um saber incorporado” (BOURDIEU, 2002). Estamos apresentando um modelo tipicamente burguês, que reserva à “forma” (BOURDIEU, 2002), ou “circunstância” (BARTHES, 1961), o privilégio em relação à “substância”, que tem lugar entre as classes populares.

Trata-se da supremacia de uma estética não apenas do gosto, mas “da apresentação dos alimentos e dos recursos técnicos ligados ao gesto e ao rito da alimentação” (CARNEIRO, 2003: 131).

Para Carvalho (2004), os ritos e os hábitos à mesa indicam consensos alimentares, principalmente capazes de controlar os impulsos inerentes ao ato de comer. Um indivíduo é ou não bem aceito à mesa, segundo seus gestos básicos de postura e respeito do ritual de comer. (DELCHIARO NIEBLE, 2010).

Para Simmel, “o incomensurável significado sociológico da refeição está contido na possibilidade de pessoas que não partilham interesses específicos se encontrarem para uma refeição em comum” (SIMMEL, 2004: 160). Ao mesmo tempo em que une diferentes atores em torno de uma finalidade comum, o ritual posto em prática, a cada refeição, põe em cena as estruturas sociais que sustentam o grupo, tais como as relações de gênero, classe, idade, prestígio. Por exemplo, em diferentes contextos, como mostram os trabalhos sobre as refeições em famílias de classes médias e populares no Brasil (WOORTMAN, 1986; ZALUAR, 1982; RIAL, 1988; ASSUNÇÃO, 2006), nos quais o gênero surge como categoria fundamental revelada na estrutura das refeições familiares. Os papeis de gênero são expressos e, ao mesmo tempo, reforçados por essa “entidade sociologia” – a refeição (SIMMEL, 2004).

Além dos encontros extraordinários, das ocasiões especiais, da celebração de festas e rituais de passagens, a alimentação em grupo é uma característica fundamental das unidades domésticas, realizada cotidianamente pelas famílias desde tempos imemoriais. Nessas situações, a dimensão afetiva da alimentação se faz presente de forma acentuada e engloba a relação com o outro. Muitas vezes esses momentos ao redor da mesa se constituem como a principal forma de sociabilidade familiar, de conversas e trocas afetivas essenciais para a manutenção dos laços familiares. Contudo, assim como em outras esferas da vida em grupo, esses encontros não são marcados apenas por relações harmoniosas e solidárias, mas podem se constituir em cenários de disputas e conflitos entre os membros do grupo que dividem a refeição. Para Romanelli (2006), “essa dicotomia é constitutiva de todas as relações sociais e a harmonia não elimina a presença do conflito e vice-versa”. As refeições familiares a um só tempo definen as hierarquias e reproduzem simbolicamente a familia. Os modos de comer, dessa forma, nos remetem a discursos e à reprodução ideológica de um modelo de organização familiar (WOORTMANN, 2004).

As refeições, para Douglas (1975), que tomou como dado a própria sociedade em que vivía, mais precisamente, a própria unidade familiar da qual fazia parte, apresentam uma estrutura própria, sendo seu consumo uma espécie de atividade ritual, dada a reunião de elementos clasificados de forma distintas, organizados hierarquicamente com limites claramente delineados (COLLAÇO, 2003:175).

O ritual de partilhar uma refeição é citado como um dos aspectos fundamentais de ruptura entre homens e animais. Apenas os seres humanos realizam as refeições em conjunto. Isso ocorre quando a partilha não está relacionada a nenhum tipo de necessidade fisiológica, ultrapassando a fronteira dos instintos e entrando no campo das relações. Os registros bíblicos sobre a Santa Ceia e a ideia de comunhão através da partilha do alimento, os banquetes medievais, que simbolizavam compromissos de paz e selavam acordo, também constituíam uma ocasião para demonstração de poder e riqueza por parte dos anfitriões, são exemplos das funções sociais atribuídas à partilha do alimento (DELCHIARO NIEBLE, 2010). O ato de alimentar-se, para Cascudo, representa uma “cerimônia indispensável de convívio humano”, consistindo em uma das grandes diferenças entre o homem e os outros animais, já que esses comeriam apenas para suprir suas necessidades.

Apesar da permanência da convivialidade em torno da comida nos dias atuais, as transformações mais amplas sofridas ao longo do século XX, como a crescente urbanização, a entrada das mulheres no mercado de trabalho, a escassez de tempo da vida moderna e a busca pela praticidade nas atividades diárias, também impactaram as noções e a própria organização das refeições cotidianas. Essas mudanças mais profundas das formas de reprodução social tiveram consequências para a estrutura social e familiar e modificaram as formas de sociabilidade doméstica (ASSUNÇÃO, 2006). Na segunda metade do século XX, as refeições “prontas-para-servir” (LEVENSTEIN, 1998) se tornaram febre entre as famílias americanas. Aditivos, embalagens e eletrodomésticos capazes de tornar as atividades domésticas eficientes e práticas se tornaram indispensáveis para essas famílias e se disseminaram como estilo de vida “moderno” para outras partes do mundo (DELCHIARO NIEBLE, 2010).

Comer fora de casa também se torna corrente entre os habitantes urbanos. Restaurantes de todo tipo: self-services, lanches rápidos passam a ocupar o lugar deixado pelo hábito de se alimentar em casa ao lado dos familiares. A economia de tempo e a praticidade encarnam as categorias fundamentais para definir uma boa refeição; sabor e sociabilidade perdem um pouco de sua importância diante de um estilo de vida cada vez mais rápido e competitivo. Um modo de vida que irá definir a comensalidade contemporânea, que:

Se caracteriza pela escassez de tempo para o preparo e consumo de alimentos; pela presença de produtos gerados com novas técnicas de conservação e de preparo, que agregam tempo e trabalho; pelo vasto leque de itens alimentares; pelos deslocamentos das refeições de casa para estabelecimentos que comercializam alimentos – restaurantes, lanchonetes, vendedores ambulantes, padarias, entre outros; pela crescente oferta de preparações e utensílios transportáveis; pela oferta de produtos provenientes de várias partes do mundo; pelo arsenal publicitário associado aos

alimentos; pela flexibilização de horários para comer agregada à diversidade de alimentos; pela crescente individualização dos rituais alimentares. (GARCIA, 2003)

Todas essas características se colocam como desafios às noções de partilha do alimento, que passam a ser mais escassos e restritos, principalmente, aos momentos de lazer e nos fins de semana. Além, é claro, dos momentos extraordinários, de celebração de datas ou acontecimentos especiais.

Entre as características citadas por Garcia, a oferta e disponibilidade de alimentos oriundos de diferentes países e tradições culinárias diversas tem gerado um grande impacto no modo de alimentar-se contemporâneo, pois a escolha requer, do indivíduo, um tipo de conhecimento e posicionamento frente a essas possibilidades que nem sempre levam em consideração o gosto ou o critério de escolha comum ao grupo com quem se partilha a refeição. A consideração com o gosto e o critério comum pode ser diminuída na medida em que nos acostumamos às escolhas pessoais na maior parte do tempo em nosso cotidiano: ao comer sozinho um prato executivo ou montado, uma refeição individual diante da miríade de alimentos dispostos nas gôndolas dos self-services. Seja como for, o gosto e critério pessoal se sobressaem nesses momentos, com reflexos sobre a alimentação feita em casa.

Mesmo nesses momentos de sociabilidade em torno da comida em casa, como ocorre, principalmente nos almoços de domingo (WOORTMANN, 1998), o “comer junto” também pode revelar gostos e critérios individuais que são pensados e organizam a refeição. É o que revela a pesquisa, realizada por Assunção (2006), que apontou como caraterística comum a expressão da individualidade através de um tipo de cardápio, adequado aos gostos individuais, nos momentos em família, entre grupos de camadas médias e populares de Santa Catarina.

Ainda como espaço de sociabilidade e de partilha, a mesa não resistiu às transformações proporcionadas pelo crescimento da demanda por tipos específicos de dietas, que, por exemplo, podem excluir certos tipos de alimentos do cardápio a ser compartilhado. O menu diversificado, pensado para agradar as preferências alimentares individuais, põe em suspensão o compartilhamento de uma experiência sensorial comum e individualiza o ato de comer.

Uma concepção individualizada e privada da alimentação emerge em sociedades, como a americana, como aponta os dados da pesquisa Ocha 1 (FISCHLER & MASSON), 2010. Os resultados dessa pesquisa mostraram como, para a maioria dos americanos, comer é uma prática orientada pela escolha individual, pela capacidade dos sujeitos-cidadãos julgarem, com base nas informações disponibilizadas pelo saber médico-científico, quais alimentos e de que forma devem ingerir. Um tipo de conhecimento que torna qualquer um apto a discernir a respeito da composição dos produtos a partir das classificações médicas e nutricionais e, assim, poder

escolher os alimentos; na contramão de valores ligados à tradição ou a comensalidade. Essa tendência mostrou força entre os países protestantes e cujas tradições alimentares não são reconhecidas no cenário internacional por seus méritos culinários. Assim, a pesquisa mostrou que, em países como Inglaterra e Estados Unidos, prevalecem definições individualizantes de alimentação. Enquanto em países como França e Itália, a ideia do alimento compartilhado permanece entre os critérios definidores de uma refeição, sobrando pouco espaço para escolhas individuais, na medida em que “se reivindicam modos de fazer e de comer mais coletivos, sociais” (FISCHLER & MASSON, 2010: 87). A refeição à mesa continua sendo “compartilhada, ordenada, em tempo e lugar apropriados... tem sentido em si mesma”.

Preferências e restrições alimentares autoimpostas compreendem parte da diversidade de situações a que os comensais experimentam em torno da mesa na contemporaneidade. Se pensarmos nas soluções encontradas pela indústria e pelo comércio de alimentos para lidar com essa tendência, observamos uma realidade que ao mesmo tempo responde e funda a busca por essa individualização na alimentação e pode tornar insustentável a experiência a partir da noção de “modos de fazer e comer mais coletivos” (FISCHLER & MASSON, 2010).

O fenômeno denominado por Fischler, em 1979, de gastro-anomia define o modo como lidamos com a comida contemporaneamente nas sociedades ocidentais modernas, incluindo uma preocupação constante com os componentes alimentares, tendo em vista o poder de transferência desses alimentos para o corpo e as consequências de sua ingestão para saúde, imagem e/ou performance física. As regras alimentares que têm como base o potencial nutritivo dos alimentos e sua capacidade de converter-se em substâncias e volumes corporais, como gordura, músculos, enzimas, proteínas, calorias, etc., passaram a ocupar o lugar de importância concedida a critérios mais automatizados pela tradição e cultura, como os referentes à comensalidade e a busca pelo prazer, tanto da partilha e do ritual quanto da experiência sensorial dos sabores e gostos familiares e inusitados. A individualização do ato de comer, que constitui esse processo, torna difícil a escolha diante da quantidade e diversidade de informações, muitas vezes, conflitantes, sobre as propriedades de cada alimento e dieta a ser seguida. O comedor moderno, de acordo com essa ideia, passa a experimentar uma insegurança e desconfiança constante ao se deparar com o cardápio.

A base das escolhas alimentares ancoradas na tradição forneceriam indícios de um valor absoluto, capaz de gerar uma sensação de segurança e de conforto àqueles que partilham os códigos alimentares tradicionais. A tarefa de definir o almoço de domingo, nesses termos, seria menos árdua e conflitante, acredita-se.

Sempre tivemos que lidar com questionamentos e desconfianças a respeito dos alimentos, contudo, as avalanches cotidianas de informações a respeito dos componentes alimentares na contemporaneidade (alimentação ideal, saudável, que emagrece, que protege o coração, que gera benefícios ao corpo e a mente, que é mais ética, justa, limpa, sustentável, entre outros) nos mostram quanta incerteza e dúvida podem ser geradas pelas prescrições efêmeras sobre os alimentos. A tradição, por outro lado, pela sua tendência à reprodução automatizada, mas não irrefletida, ancora sua confiança nos costumes passados de geração em geração por um conhecimento diário das pessoas com quais se estabelecem vínculos de confiança. A legitimidade, ou não, de um alimento ou hábito alimentar dependerá de um consenso implícito e preestabelecido, sendo o principal mecanismo de reprodução das práticas alimentares.

A ansiedade crescente relativa às preocupações em torno da alimentação contemporânea, seja a respeito da qualidade nutricional dos alimentos ou das transformações promovidas pela indústrias, ou ainda do questionamento das bases produtivas dessa alimentação (origem animal, trabalho escravo, corporações mundiais), coloca a comida, cada vez mais, na esfera da decisão pessoal e privada do indivíduo (FISCHLER & MASSON, 2010: 88). Isso tornou mais difícil o dia a dia de muitas pessoas, principalmente, dos mais expostos às informações provenientes dos meios de comunicação, responsáveis pela difusão de diferentes e, muitas vezes, divergentes concepções alimentares. Em tempos de cultura multimídia, essas informações trafegam rapidamente e percorrem longas distancias e muitas vezes geram mais ansiedade e medo do que medidas de segurança ou de prevenção. De acordo com a pesquisa OCHA 1(FISCHLER & MASSON, 2010), referida anteriormente, podemos falar em uma distribuição geocultural dessas incertezas e ansiedades, que atingem em maior ou menor grau as diversas regiões do mundo.

Gostos, preferências, intolerâncias, alergias, privações voluntárias ou não, as necessidades individuais ganham cada vez mais espaço à mesa, e, conferem ao ato de comer a capacidade de expressar estilos de vida diversos e, muitas vezes, conflitantes em um território bem reduzido.

Temos, então, dois modelos de relacionamento entre comensais: no modelo comunal encerra-se um ato de entrega dos que partilham a refeição com relação àquele que escolheu, preparou e serviu os pratos - trata-se, de fato, de “formar um só corpo” (FISCHLER & MASSON, 2010: 100); enquanto o modelo contratual responde às ideias sobre a liberdade individual e a autonomia na escolha dos alimentos.

Entre os vegetarianos e vegans entrevistados, e, acredito, entre os vegetarianos de forma geral, o modelo contratual é posto em prática, frequentemente, quando há a partilha de uma refeição com onívoros. Esses momentos, muitas vezes, se caracterizam em situações de desconforto e falta de cumplicidade, mesmo entre pessoas com as quais se relacionam de forma positivamente, ou íntima, como amigos, colegas de trabalho, família, etc. Tudo passa a depender do grau de tolerância daqueles com os quais se divide a refeição, podendo, inclusive, se caracterizar como situação de harmonia e comunhão, ainda que em um nível diferenciado, já que a comida nem sempre pode ser compartilhada, mas a companhia sim.

Já situações como celebrações e festas de aniversário, natal e confraternizações, muitas vezes, se constituem em experiências de exclusão frente a um cardápio adaptado ao gosto generalizado por carne e derivados animais. Entre essas ocasiões, destacam-se as festividades do período natalino e as festas de fim de ano, que geram expectativas sobre momentos de tensão e constrangimento nas narrativas de indivíduos e grupos vegetarianos/vegans. Especialmente nesse período, uma variedade de campanhas dos grupos ativistas procura questionar a celebração à mesa de valores, como família, vida, comunhão, fraternidade, através de um cardápio repleto de carnes, que expressariam a morte e o sofrimento dos animais.

O artigo publicado no blog Acerto de contas, intitulado “Festas: barriga cheia para uns. Fome e aborrecimento para os vegetarianos”, tece comentários interessantes sobre essa ocasião festiva para parte dos vegetarianos/vegans. Nas palavras do autor, também entrevistado durante a pesquisa, festas e comemorações diversas que envolvem a alimentação se caracterizam como momentos em que: “O que deveria ser um feliz momento de alegria, descontração,

entrosamento e barriga cheia vem para nós como infelizes instantes de chateação, constrangimento, discriminação e, para quem não comeu previamente em casa, passamento de fome” (R. 26 anos, para o blog Acerto de Contas, 02/01/2012). A sensação de exclusão está ligada ao fato de sua alimentação, livre de componentes animais, não ser contemplada nessas ocasiões, o que inviabiliza a partilha e a celebração por meio dos alimentos. Além disso, constrangimento e chateação resultam das situações em que a recusa de um determinado alimento, especialmente o caso do bolo de aniversário oferecido pelo aniversariante, é tachado pelos demais presentes como demonstração de “recusa de amizade”, além de caracterizar como uma situação “que nos alheia do simples direito de sermos simbolicamente prestigiados por pessoas muito próximas de nós”. A discriminação sentida nessas ocasiões é exacerbada pelos questionamentos, críticas e ironias direcionadas aos vegetarianos/vegans diante de suas escolhas alimentares:

Uma discriminação que se reflete tanto no preconceito de quem nos imagina anêmicos e subnutridos e nos dirige piadinhas e sabatinas mil, como na exclusão praticamente