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Perspectivas teóricas sobre a comida e o comer: em defesa da análise simbólica

O interesse da antropologia pela alimentação tem sido constante em toda a história da disciplina. Tomando-a como parte de um conjunto de experiências humanas, a análise de hábitos alimentares aparece associada a temas diversos, sobretudo, com ênfase na dimensão simbólica presente na produção de alimentos, preparo da comida e em seu consumo. Mas não apenas a dimensão simbólica, abordagens materialistas também tomaram as relações com a comida a partir das condições concretas de existência, interpretando escolhas e tabus

alimentares como resultado das restrições ou potenciais produtivos de cada povo e região. Podemos afirmar que a antropologia é legatária, em grande parte, do interesse humano pela alimentação. Ao descrever o Novo Mundo, os viajantes tratavam de detalhar os alimentos e os modos alimentares dos seus habitantes, desde a fartura e exuberância das frutas tropicais à antropofagia que se dava nas terras do além mar. Américo Vespucci teria sido o primeiro a disseminar tais notícias para Europa no século XVI. Depois dele, outros relatos ajudaram a formar o imaginário europeu recheados de imagens - “xilogravuras mostrando homens girando no espeto e pedaços de corpos dependurados nas aldeias” (AGNOLIN, 2005). Um imaginário que contribuiu com os ideais de colonização e, paralelamente, com o florescimento da investigação antropológica em resposta ao anseio de conhecer o outro (selvagem, indígena) e, por extensão, a si mesmo (civilizado, europeu). Foi assim que Montaigne usou os canibais do Novo Mundo para pensar e tecer sua crítica ao Velho Mundo. Seu relativismo proporcionou uma interpretação da simbologia canibal com destaque para o papel da alteridade na construção do conhecimento, simultaneamente, do mundo do outro e do próprio pesquisador. “O que, afinal, dizer dos bárbaros? O que se pode aprender com eles?” (MONTAIGNE, 2009: 55), pergunta Montaigne.

No debate sobre o canibalismo, Montaigne se posicionou contra a perspectiva que o considerava resultado de uma carência alimentar, afirmando que tais grupos:

ainda gozam de fartura natural que lhes sustenta, sem trabalho, sem fadigas, de todas as coisas necessárias, em tal abundância que não têm por que ampliar os seus limites (MONTAIGNE, 2009:62) ...Têm grande abundância de peixes e carnes que não têm nenhuma semelhança com as nossas, comendo-as sem outro artifício que o de cozinhá-las (MONTAIGNE, 2009:55).

O que sustenta a prática da antropofagia, segundo Montaigne, é o seu significado, qual seja - a manifestação de uma extrema vingança. O debate entre uma antropofagia ritual e uma antropofagia baseada na carência alimentar situa a alimentação no dualismo de perspectivas que irá acompanhá-la desde então: a simbólica e a material, o “canibalismo sacro e profano” (CAMPORESI, 1980). O relativismo cultural de Montaigne sobre a antropofagia ritual dos Tupinambá irá refletir-se nas interpretações antropológicas mais contemporâneas, como as de Lévi-Strauss, por exemplo:

Nenhuma sociedade é perfeita. Todas comportam, por natureza, uma impureza incompatível com as normas que proclamam e que se traduz concretamente por uma certa doze de injustiça, de insensibilidade, de crueldade. [...] Tomemos o caso da antropofagia, que, de todas as práticas selvagens, é, sem dúvida, a que mais nos inspira horror e repugnância. Deve-se, em primeiro lugar, dissociar dela as formas

propriamente alimentares, isto é, aquelas em que o apetite da carne humana é explicada pela carência de outro alimento animal, como era o caso de certas ilhas polinésias. Desses casos de fome incoercível, nenhuma sociedade está moralmente protegida [...].

Restam, então, as formas de antropofagia que se podem chamar ‘positivas’, as que decorrem de causas mística, mágica ou religiosa: [entre essas], a ingestão de uma parcela do corpo de um ascendente ou fragmento do cadáver de um inimigo, para permitir a incorporação de suas virtudes ou ainda a neutralização de seu poder[...]. A condenação moral de tais costumes implica, ou uma crença na ressurreição corpórea que ficaria comprometida pela destruição material do cadáver, ou a afirmação de um liame entre a alma e o corpo e o dualismo correspondente, isto é, convicções da mesma natureza daquela em cujo o nome o consumo ritual é praticado, e que não temos nenhuma razão de preferir-lhe. (LÉVI-STRAUSS, 1975:413-414).

Mas, apesar de ter figurado desde os primeiros relatos etnográficos, o problema da alimentação ou da comida nem sempre teve lugar de destaque, pelo contrário, esteve em muitos trabalhos em lugar secundário, como objeto de pesquisa menor, que serviu à construção de ideias totalizantes sobre modos de vida de grupos específicos. Mas contribuições importantes para a formação do campo de estudos da alimentação podem ser percebidas, por exemplo, em James Frazer (1911), quando afirmou que:

o selvagem acredita comumente que, comendo a carne de um animal ou de um homem, ele adquire as qualidades não somente físicas, mas também morais e intelectuais que são características deste animal ou deste homem. (FRAZER, 1911:65).

Estudos menos conhecidos, como os de Garrick Mallery, intitulado Manners and Meals (1888), e de William Robertson Smith (1889), que estudou o sacrifício e a comida, são citados por Mintz (2001) em sua descrição a respeito da formação do campo, e teriam contribuído para a compreensão da comida como importante elemento de investigação de grupos específicos.

Outras abordagens sobre o tema vieram no trabalho de Franz Boas (1921), que realizou um estudo intenso a respeito dos modos de preparo do salmão, mesmo que a partir de uma abordagem puramente descritiva. Contudo, o trabalho de Helen Codere (1957) sobre as receitas de salmão teria mostrado como se poderia aprender sobre organização social e hierarquia observando e analisando atentamente como se prepara um determinado alimento (MINTZ & DU BOIS, 2002).

O papel da comida na organização da vida social fez parte das abordagens de Redcliffe- Brown (1922), que afirmou a centralidade da obtenção de alimentos como atividade social para os Andaman: “é em torno da alimentação que são proclamados os sentimentos sociais” (apud GOODY, 1984: 28). Malinowski (1922,1935) também se debruçou sobre o tema ao tratar da

importância da produção de alimentos e dos princípios de sua troca recíproca na sociedade trobriandesa (GOODY, 1984). Tratou da importância do inhame nessa sociedade, relacionando sua distribuição ao exercício de poder dos chefes, às relações de parentesco, explorando a comida “em suas funções de nutrição, exibição e linha viva entre a afinidade e a consanguinidade” (MINTZ, 2001:32). A organização social, o parentesco e as relações de poder percebidas através do ciclo de produção, distribuição e preparo do alimento no interior das sociedades também foi descrito por Raymond Firth (1936), aluno de Malinoviski, em sua monografia sobre os Tikopiada, Polinésia. Tais trabalhos destacaram a importância da comida como objeto de disputas e consolidação de alianças.

Cuando se aplica esta perspectiva al tema de los hábitos alimentários es fácil ver como el poder estructural y tácito (u organizacional) precisa los marcos institucionales que definen los términos por los cuales la gente obtiene comida, mantiene o modifica sus hábitos y perpetúa sus formas de comer, com los signicados concomitantes, o construyen sistemas nuevos, com nuevos significados, em torno a essas formas. (MINTZ, 2003:53).

Na perspectiva lançada pelas correntes funcionalista e estrutural-funcionalista, a alimentação é associada ao quadro dos comportamentos institucionalizados, integrados aos sistemas sociais e capazes de expressar as relações entre os membros de um grupo.

Tais trabalhos dedicaram atenção aos inúmeros aspectos da produção, preparo e troca de comida, dentro do quadro geral de atividades, e em uma relação de complementariedade entre elas. De acordo com Mintz (2001):

Os antropólogos tradicionalmente concentraram seus esforços em sociedades que eram pequenas, não ocidentais e que não tinham máquinas de fazer máquinas, e cujos povos baseavam a maioria de suas relações sociais no parentesco ou na localidade. (MINTZ, 2000:33).

Mas foram os trabalhos pioneiros de Audrey Richards (1939) e Margareth Mead (1943) que trouxeram a alimentação para o debate, tendo em vista seu papel nos sistemas sociais. Richards se destaca na história dos estudos em antropologia da alimentação pela sua análise das funções sociais da comida entre os Bemba, na atual Zâmbia. Numa abordagem que focalizou a comida e a nutrição a partir de seus contextos sociais e psicológicos.

Considerado o aspecto relevante da vida social, utilizado para se pensar os processos mais amplos das sociedades e grupos, a comida, e tudo que a envolve, também foi considerada tema prosaico e, em muitos casos, continuou figurando em relatos etnográficos apenas como substrato descritivo.

Para Fiddes (1994), a maioria dos trabalhos que se seguiram tratou o tema a partir de um viés descritivo e utilitarista, de modo a investigar as funções e curiosidades alimentares de “outros” povos, sem se debruçar sobre os hábitos alimentares de suas próprias sociedades. O que para ele pode ser percebido hoje nas análises de hábitos alimentares não ortodoxos, como no caso do vegetarianismo:

This tendency is strikingly exemplified in a genre which typically treats vegetarians and other nonorthodox eaters with barely disguised suspicion, as if their subversive beliefs and behaviour threaten more than just conventional nutritional wisdom (which, I argue, is true; they challenge their society’s basic cosmology). (FIDDES, 1994:272).

A abordagem de Mauss (1935), sobre a noção de habitus, traz em si o conteúdo dos atos cotidianos como objeto de pesquisa e tem um papel fundamental para a legitimidade de objetos, como a alimentação na investigação antropológica. A centralidade das ações cotidianas no trabalho de Mauss é considerada precursora também no que se refere à noção de interdependência entre o biológico e o cultural, sendo notória a importância do seu trabalho na constituição de uma antropologia do corpo. As técnicas corporais enumeradas por ele procuram traduzir o encontro entre a dimensão psicológica, biológica e social através de um processo contínuo de educação corporal, produzida e reproduzida a partir de noções de prestígio e autoridade social. Na alimentação, Mauss destaca que, desde o primeiro alimento oferecido ao individuo – o leite materno –, um conjunto de técnicas corporais é acionado tendo como ponto de partida uma memória social corporificada e que lhe será transmitida no próprio ato de alimentar-se e reproduzida pelo individuo por um processo de imitação que varia “com as sociedades, as educações, as conveniências e as modas, os prestígios” (MAUSS, 2003:404).

Além disso, Mauss (2003) aponta para o fato de o alimento estar inscrito no território dos objetos e práticas que são acionadas na constituição das relações sociais. Seu estudo clássico sobre a dádiva, publicado em 1923, incluiu a comida e a bebida em um sistema de prestação total de diferentes sociedades e culturas, -um sistema que realiza mediações importantes entre diversos domínios do mundo social e cosmológico (MAUSS, 2003). Mauss trata de diferentes sistemas de trocas em que a circulação de pessoas e coisas atua na formação de alianças, de contratos, estabelece vínculos políticos, econômicos e sociais vitais na vida social dos grupos. Uma circulação que se dá entre pessoas de diferentes grupos, clãs, famílias e entre pessoas e deuses. Troca-se, não apenas o objeto em si, mas a essência daqueles envolvidos na troca. Já que cada objeto é dotado de um espírito, e este imbuído do caráter de seu ofertante que entra em circulação. Neste caso, a oferta faz parte de um complexo sistema

de prestação de serviço através da circulação de bens que serve à manutenção da ordem social. A comida, assim como outros objetos, deve circular para que cumpra, de fato, sua função. Mauss (2003) aponta para a crença de que aquele que consome sem dar é tido como alguém que consome “veneno”. Sendo parte da própria natureza dos objetos, entre os quais, a comida, ser partilhada.

Ainda sobre o sacrifício, tema associado à alimentação, no ensaio escrito em 1899, em parceria com Henri Hubert, Mauss procura mostrar a verdadeira função social desses rituais, quando afirma que: “o que está em jogo nesses rituais é sempre um movimento e uma comunicação entre o sagrado e o profano, de modo a perpetuar o ciclo da vida pela morte, pela destruição ou pela abnegação” (2005: 53). A vítima sacrificial, que pode ser um animal, um ser humano, um vegetal, uma comida ou bebida, é o intermediário entre o mundo profano e sagrado – a ponte entre esses mundos –, imbuída das qualidades inerentes aos dois lados. A realização dos cerimoniais implicaria sempre uma identificação simbólica entre a vítima, os homens e as divindades, de modo a se produzir a passagem entre os estadosordinários e extraordinários da existência social (LÉVI-STRAUSS, 1976 apud PEREIRA, 2012:72).

A comida, nesses rituais, é apenas mais um objeto reduzido a sua função simbólica de estabelecer alianças, sanar os conflitos, provocar mudanças ou reafirmar a estrutura social. Neste campo de estudos explorado por tantos autores consagrados (TURNER, 1967,1969,1974; GLUCKMAM, 1974; TAMBIAH, 1973), a alimentação faz parte das ocasiões extraordinárias da vida social e é vista como um componente dessa engrenagem, cujo significado lhe escapa e ultrapassa qualquer conexão com as qualidades do objeto em si. O que importa é a função simbólica dos objetos, entre eles, a comida, para reprodução social.

É nos estudos de Lévi-Strauss (1966,1969), Mary Douglas (1966,1975,1978,1984) e Marvin Harris (1974,1977,1987) que o tema ganhou fôlego para seu desenvolvimento teórico- analítico. Através de diferentes perspectivas, esses autores elevaram o nível da análise sobre os hábitos e usos da alimentação para além das suas implicações em relação aos aspectos estruturais. Bem como, deram um passo além do impulso meramente descritivo reservado em muitos relatos etnográficos às práticas ordinárias cotidianas, que atribuíam relevo apenas às ocasiões festivas, aos rituais de distribuição de alimentos, à comida ritual, etc., ao extraordinário, por excelência.

Um dos textos mais conhecidos de Lévi-Strauss sobre o tema da alimentação é, sem dúvida, o que traz uma análise de sistemas de classificação de alimentos a partir de oposições categórica entre os diferentes estados dos alimentos: “cru”, “cozido”, “assado”, “podre”, cujas

fronteiras e processos de transformação são pensados em paralelo com aqueles percebidos entre natureza e cultura.

A atenção dedicada por Lévi-Strauss (1966) ao tema da alimentação ganhou relevo nos três volumes de sua obra Mitológicas, na qual, através de relatos míticos, buscou compreender concepções sobre a comida e o comer, envolvidos em processos de preparação dos alimentos e no seu consumo. Atravessada por questões ontológicas e por processos cognitivos, a alimentação reflete as estruturas mais profundas de uma sociedade ou grupo”. A alimentação, para Lévi-Strauss, é uma espécie de conteúdo, na qual a cultura subordina a natureza. “O triângulo culinário cru, cozido e podre é superposto ao esquema: cultura contra natureza e alimento preparado contra alimento em bruto” (LAMÓNACA, 1996: 84).

Lévi-Strauss elevou a comida, ou os processos pelos quais esta passa, à categoria de linguagem através da qual a sociedade se expressa. Trata-se de uma noção de interdependência entre os hábitos alimentares e a percepção que os sujeitos têm do mundo e de si, como afirma Soler: “for man knows that the food he ingests in order to live will become assimilated into his being, will became himself” (SOLER, 2008:55). Mary Douglas, no início de Deciphering a Meal, afirma que:

if a food is treated as a code, the message it encode will be found in the pattern of social relations being expressed. The message is about different degrees of hierarchy, inclusion and exclusion, boundaries and transactions across the boundaries”. Like sex,the taking of food has a social component, as well as a biological one. (DOUGLAS, 1972: 61)

Como elemento de fronteira, a comida aparece, nessas análises, envolta entre as oposições elementares ao pensamento antropológico: natureza e cultura ou biológico e social, individual e coletivo. “Because of their ability to signify, mediate, contest, and represent ‘nature’ and ‘culture’ foodways are deeply rhetorical and performative” (SPURLOCK, 2009). E, acima de tudo, é usada, nessas análises, como metáfora para entender as relações e a estrutura social dos grupos e sociedades estudados.

Sempre mediado por regras dietéticas, cujas origens e finalidades são múltiplas e elaboradas a partir de diversas formas de saber, como o conhecimento científico, o senso co- mum, as religiões, etc., o ato alimentar é cercado de interdições que excluem do cardápio alimentos considerados culturalmente como nocivos.

Em seu estudo sobre as prescrições dietéticas bíblicas, Douglas (2007) considera que, dentro da cosmologia judaica, os alimentos proibidos e os permitidos estariam simbolizando a

estrutura social total. Eles seriam escolhidos ou rejeitados de acordo comas suas características, porque oferecem um material que pode ajudar a pensar a ordem instituída (LOMÓNACA, 1996). Para ela, o texto bíblico Levítico exibe uma classificação tripartida, dividida entre a terra, a água e o firmamento, que concede a cada elemento seu gênero adequado de vida animal. As prescrições são, assim, fenômenos de identidade simbólica, as quais identificam como impuras aquelas espécies que são membros imperfeitos de seu gênero ou cujo gênero perturba o esquema geral do mundo. Os escritos de Douglas sobre pureza e tabu são reveladores em relação à ordem simbólica que orienta as escolhas alimentares e, do mesmo modo seu modelo teórico serve à interpretação dos códigos inscritos em uma categoria fundamental no cotidiano da sociedade ocidental contemporânea e considerado tema prosaico – a refeição (1999).

Tanto a alimentação extraordinária, realizada em ocasiões especiais, principalmente nos rituais, quanto a alimentação cotidiana ganham força como elemento fundamental para se pensar os aspectos mais estruturais das sociedades e grupos, as relações práticas cotidianas e as crenças e ideologias que sustentam uma determinada ordem social. Nesse sentido, uma antropologia da alimentação também se constitui a partir do olhar para expressões prosaicas ou ordinárias da existência.

O semiólogo francês Roland Barthes (1967, 1975) tratou da formação de um gosto culturalmente condicionado e regido por regras padronizadas, ou seja, também associou escolhas alimentares à ordem social e exerceu influência sobre a análise de Douglas. Para Barthes, a comida pode ser vista como uma forma de comunicação não verbal, e a observação das práticas e usos da comida leva às mensagens codificadas, que, por sua vez, expressam um padrão de relações sociais. Quando Barthes interroga “para que serve a comida?” esclarece que “ela não é apenas uma coleção de produtos que podem ser usados para estudos nutricionais e estatísticos. Ela é também, e ao mesmo tempo1”:

A system of communication, a body of images, a protocol of usages, situation, and behavior. Information about food must be gathered wherever it can be found: by direct observation in the economy, in techniques, usages and advertising; and by indirect observation in the mental life of a given society. (BARTHES in COUNIHAN & VAN ESTERIK, 2008:29).

Aqui entramos no aspecto fundamental relacionado à alimentação: sua capacidade de constituir as identidades individuais e coletivas. Tanto em relação ao que escolhemos comer, como nossas abstinências. Esses trabalhos elucidam que comida é uma categoria bastante

relevante, através da qual as sociedades constroem representações sobre si próprias, definindo sua identidade em relação a outras. Tanto Lévi-Strauss como Douglas enfatizam a dimensão simbólica dos fenômenos relativos à alimentação e buscam ultrapassar as características nutricionais, econômicas e ambientais em prol de uma perspectiva que lhe confere um caráter de comunicação (linguagem, código, mensagem, etc.).

Na contramão das perspectivas apresentadas por esses autores, em Marvin Harris (1977), nós temos um modelo de análise que privilegia o pragmatismo lógico das escolhas alimentares, sustentado por uma relação entre recursos disponíveis e regras alimentares constituídas. Para explicar os tabus alimentares, por exemplo, em relação à carne animal, ele usa uma análise de custo/benefício ecológico. Para Harris, por trás das lógicas simbólicas que justificam interdições alimentares, estaria, de fato, a necessidade de coibir o consumo de uma determinada espécie, cuja carne, apesar de significar um ganho importante em termos nutricionais, representa uma ameaça à manutenção do modo de subsistência da população, tendo em vista as pressões ecológicas e a necessidade de adaptação constante às mudanças nas condições de existência. Ele justifica, através desse modelo interpretativo, o tabu relativo à carne de porco na tradição judaica, relacionando-o ao fato da criação desse animal, que não é ruminante e necessita de uma oferta regular de alimento, ser economicamente incompatível com uma vida nômade.

Harris (1986) considerou que, o que, à primeira vista, se oferece como caprichos gastronômicos – se referindo à aparente arbitrariedade com que as distintas culturas selecionam