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4 CONFIGURAÇÃO DO NÍVEL MACRO: PROCESSOS,

4.4 A Complexidade Hospitalar

Os hospitais diferem de outras instituições pela marcante complexidade e peculiaridade dos serviços prestados (CARAPINHEIRO, 1998; ECHTERNACHT, 2000; MENDES et al., 2008) em que assumem um papel social, econômico, político e científico, tal como diversas instituições.

O desenvolvimento hospitalar foi acompanhado por uma complexidade crescente em sua concepção e tecnicidade, associadas à característica „caritiva‟, muitas das vezes pouco rentáveis e, ao desenvolvimento de serviços altamente especializados com uma alta tecnologia (MARTIN, 2007).

O ponto forte do hospital é a interface pessoa-pessoa, apesar da crescente importância que a tecnologia tem alcançando nos últimos tempos (ECHTERNACHT, 2000). É o relacionamento entre seres humanos que dá dinamicidade a todo o sistema, transformando-o em algo extremamente complexo, diferenciando-o assim de outras instituições (ECHTERNACHT, 2000; MENDES et al., 2008).

Caracteristicamente, o hospital é uma instituição onde as relações humanas assumem grande relevância, com uma função social das mais complicadas e desafiadoras para quem presta serviços naquele local: a de salvar vidas humanas (ECHTERNACHT, 2000). Poucos locais de trabalho apresentam a complexidade do ambiente hospitalar, já que ele engloba a necessidade de interfaceamento de uma considerável quantidade de diferentes campos técnicos. Dentro daquele ambiente convivem grupos sócio-profissionais muito particulares, uns ligados diretamente ao processo de prestação de cuidados à saúde humana e outros com a função de apoio ou de gestão (CARAPINHEIRO, 1998; ECHTERNACHT, 2000).

de caráter complexo, numerosas e em constante modificação (MARTIN, 2007). Para cada paciente, desde a entrada com o estabelecimento do diagnóstico inicial até a decisão de alta do serviço, múltiplas informações sobre a evolução e os tratamentos ministrados são coletadas, transmitidas, armazenadas, analisadas e utilizadas e fazem parte do „cuidado em saúde‟. Grande parte das intervenções cotidianas de cuidado depende dessas informações, cuja circulação e tratamento ocorrem no âmbito de uma vasta rede de pessoas desde pessoal técnico especializado, apoio ao pessoal terceirizado.

Os atores do sistema hospitalar são muito numerosos, agrupados em estatutos e ofícios diferentes, constituindo um mosaico de feudos compartimentados (ESCOUTELOUP, 1996). Há três grupos de atores que se entreolham com desconfiança: a administração, os médicos e os profissionais de enfermagem. No interior de cada um desses grupos antagônicos, existe uma estrutura piramidal marcada (MARTIN, 2007).

Segundo Carapinheiro (1998), a inserção dessa variedade de profissionais no ambiente hospitalar está organizada por uma forte hierarquização interna, definida da seguinte forma: “O hospital apresenta traços salientes de uma organização

burocrática, pois o crescimento do pessoal, a multiplicação dos serviços e das especialidades médicas e o desenvolvimento tecnológico introduziram modificações importantes na estrutura hierárquica, na estrutura de poder e nos sistemas de comunicação do hospital, associando-se a este conjunto de modificações a expansão do sistema burocrático de administração profissional.” A autoridade é,

portanto, exercida sobre territórios bem delimitados e a comunicação entre o grupo nos diversos setores de um hospital é muito limitada.

Uma análise mais detalhada da organização cotidiana do hospital mostra que nela emerge uma segunda autoridade, onde alguns ocupam uma posição privilegiada na gestão das decisões, conferindo a algumas classes de profissionais um sistema de poder e de autoridade bem diferente de outras organizações, como exemplo, o caso do médico, que decide sempre o que é melhor para o paciente, ou seja, mesmo sendo um empregado do hospital, é ele que tem o controle efetivo das atividades fins da organização e não as autoridades administrativas (ECHTERNACHT, 2000).

Nesse contexto a autoridade não é regida pelas regras, mas sim por conhecimentos técnicos específicos (CARAPINHEIRO, 1998; ECHTERNACHT, 2000; MENDES et

al., 2008). A separação entre médicos e profissionais de enfermagem é

acompanhada por um poder quase absoluto do corpo médico (MARTIN, 2007). O quadro fixo de funcionários de um hospital é composto, principalmente, por profissionais da área de saúde, como médicos, enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, psicólogos, farmacêuticos, nutricionistas, terapeutas ocupacionais, além de outras categorias que dão suporte técnico às atividades daqueles, como engenheiros, administradores, contadores, assistentes sociais, advogados, técnicos de manutenção de máquinas e de equipamentos, eletricistas, bombeiros-hidráulicos, dentre outros. Há também trabalhadores terceirizados que realizam as ações de vigilância e limpeza (ECHTERNACHT, 2000; MENDES et al., 2008).

A missão hospitalar também é muito particular, pois trata de questões ligadas à vida e à morte, onde os atores possuem estratégias de trabalho próprias, porém, com graus de autonomia bastante diferenciados. O conceito de autonomia está associado ao fato de que um indivíduo dispõe de autonomia quando pode controlar seu próprio trabalho assim como a forma de como e quando fazê-lo (ECHTERNACHT, 2000). Além de possuir essa variedade de profissionais, o hospital usa uma tecnologia bastante diversificada e sofisticada, como equipamentos de raios X, sistemas computadorizados e diferentes tipos de ferramentas e de medicamentos usados para o tratamento de doenças (CARAPINHEIRO, 1998; ECHTERNACHT, 2000; MENDES et al., 2008). A incorporação de novas tecnologias não significa, nesse setor, o “alívio da labuta humana”, ao contrário, o setor é, essencialmente, de

trabalho intensivo (MENDES et al., 2008).

As atividades de trabalho no hospital estão submetidas a condições temporais devido ao caráter dinâmico do próprio objeto de trabalho - evolução da doença e o processo de cura determinam uma cronologia precisa dos atos a efetuar, complicados ainda mais pelos múltiplos imprevistos. Soma-se, ainda, a multiplicidade de pacientes que cada ator está encarregado e o conjunto de

intervenções demandadas a cada um deles. Há o trabalho situado sobre cada objeto, em um momento específico, associado à gestão mental de uma série de processos paralelos. Esta ação individual está inserida dentro dos coletivos de cuidados em que cada um precisa coordenar suas atividades com a dos outros membros da equipe.

De acordo com Echternacht (2000), a dimensão temporal é um elemento forte e da maior importância no contexto hospitalar, estando associada às urgências e emergências decorrentes da imprevisibilidade dos eventos. Os trabalhadores confrontados a essa pressão temporal adotam funcionamentos cognitivos particulares, podendo ser fonte de erros, porém, a amplitude desse risco varia conforme a capacidade individual e coletiva de avaliar os dados do problema a tratar, julgar soluções a utilizar e colocá-las em prática.

Segundo Martin (2007, p. 522): “o hospital pode ser analisado como um sistema cujos diferentes sub-sistemas são regulados cada um por seu próprio relógio, mas devendo também estar em fase com os relógios dos outros”. O relógio mestre é o

dos médicos, pouco sensível ao andamento dos diferentes relógios, com base nos quais as outras diversas atividades precisam se ajustar.

A produção hospitalar, cujo produto é a expectativa de vida e de saúde para as pessoas, é revestida de particularidades dependentes de vários fatores, tanto externos como internos. Os fatores externos podem estar associados à eficiência dos procedimentos médicos, à eficácia dos medicamentos usados e à falta ou não de assepsia no interior do hospital. Os fatores internos podem relacionar-se à resistência orgânica do paciente ou até mesmo à própria condição subjetiva daqueles que estão realizando os procedimentos médicos (ECHTERNACHT, 2000). Esses fatores caracterizam o hospital como um sistema onde o campo de possibilidades de regulação é condição necessária para o sucesso ou para o fracasso das metas objetivadas pela organização. As demandas de regulação, tanto individuais quanto coletivas, são necessárias para a escolha de ações mais adequadas à redução dos constrangimentos inerentes às situações encontradas durante a jornada de trabalho (ECHTERNACHT, 2000; MENDES, 2011).

A instituição hospitalar se confronta aos problemas e à evolução geral da sociedade, o que o obriga a se transformar e a se adaptar (BERNFELD, 2000). A mutação atual se apóia essencialmente em evoluções tecnológicas rápidas, tais como a radiologia médica digitalizada, as técnicas não invasivas de cirurgia, a informatização dos serviços que transformam profundamente as práticas de tratamento e a natureza do trabalho dos profissionais de saúde (MARTIN, 2007).

A ênfase dada na rentabilidade das estruturas hospitalares e a evolução das técnicas se traduzem atualmente em um tempo de permanência menor e a conseqüente rotação de pacientes. O hospital tem se tornado cada vez menos um local de permanência e cada vez mais em um local de passagem (urgências, emergências, ambulatórios). Para um mesmo período, o número de internações e altas é mais elevado, acarretando um aumento da carga de trabalho em função das tarefas específicas demandadas pelo tempo menor de permanência do paciente no hospital. Em conseqüência, também há uma maior quantidade de informações que deverão ser tratadas em um tempo menor. De acordo com Martin e Gadbois (2007),

“a proporção do tempo passado pelos funcionários para tratar essa informação aumenta em detrimento do tempo passado com os pacientes”. Segundo esses

autores, a explosão das urgências, a escalada da violência e os riscos decorrentes para os profissionais são sintomas de sistemas de saúde em transição.

Para o aprofundamento epistemológico e a pesquisa-ação é necessário considerar a relação de tratamento como uma relação de serviço na qual profissionais de cuidado e enfermos participam de uma atividade de cooperação.