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5 O CAMPO EMPÍRICO

5.1 Análise da estrutura técnica e organizacional

O hospital em estudo é o Instituto Raul Soares (IRS). Trata-se de uma instituição psiquiátrica pública (mais antiga de Belo Horizonte5), integrante de uma fundação estatal (FHEMIG) que abrange o maior complexo hospitalar da América Latina. O IRS possui como perfil assistencial prestar atendimento de ambulatório especializado e em urgência e de internação de curta permanência aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).

O desenho institucional se organiza segundo diretrizes preconizadas pela Reforma Psiquiátrica - a oferta de serviços clínicos específicos para o adulto em crise. O hospital assume o papel da assistência ao paciente em alta complexidade que, na maioria das vezes, é trazido em crise, com internação involuntária ou se voluntária, é momentânea (sofrimento em função do uso exacerbado de drogas) e com risco iminente de fuga em razão da crise de abstinência.

Essa reorganização clínica em andamento no serviço baseia-se na observação do fluxo da demanda, considerando o momento da chegada, permanência e saída dos usuários. O serviço de urgência dessa unidade hospitalar (Centro de Atendimento à Crise - CAC) é composto pelo acolhimento em saúde mental, pronto atendimento psiquiátrico e avaliação sistematizada de enfermagem.

O CAC ocupa posição de centralidade nesta instituição sendo o "lócus", importante e necessário, para a gestão de leitos e de riscos de violência no hospital estudado. O papel do CAC na estrutura organizacional do hospital, por meio dos diversos mosaicos de feudos compartimentados - grupos profissionais diversos - é o de

5 Fundado em 07 de Setembro de 1922, o Instituto Raul Soares (IRS) surge com uma proposta de

inovação para o tratamento dos doentes psiquiátricos. Em 1924, como conseqüência da superlotação do Hospital de Assistência a Alienados de Barbacena, o Instituto Raul Soares é inaugurado; já com a nova denominação. A mudança de nome nesse ano se deve a uma homenagem feita ao Governador Raul Soares de Moura, que faleceu em 1924 e muito contribuiu para a gênese do hospital. Outro fator que levou a abertura do IRS se deve ao declínio do instituto barbacenense: “O instituto barbacenense já estava sendo considerado inadequado e decadente, e a solução encontrada foi a inauguração de um novo hospital em Belo Horizonte".

acolher pacientes em crise, avaliar, tratar, referenciar às enfermarias (quando o caso ainda demanda maior permanência) e vincular aos serviços substitutivos da rede de saúde mental, após alta.

Quando indicada a continuidade do tratamento do paciente, após a permanência no Centro de Atendimento à Crise (CAC), há a internação nas enfermarias. São quatro, sendo a 1ª e 2ª enfermarias (feminina) – com 21 leitos cada e a 3ª e 4ª enfermarias (masculina) – com 30 leitos cada. Há, também, a Unidade Clínica de Cuidados Intermediários (UCCI), com 6 leitos – indicada para a permanência de pacientes com instabilidade clínica. Os leitos da UCCI são de retaguarda, quando usados retêm a vaga da enfermaria. No hospital há, portanto, 6 leitos no CAC, 42 nas enfermarias femininas, 60 nas masculinas e 6 na UCCI, num total de 108 leitos.

O atendimento ambulatorial, especializado em saúde mental, vinculado à rede assistencial municipal e estadual, acolhe demandas encaminhadas, prioritariamente, por instituições de saúde (Secretarias de Saúde de cidades do interior do Estado, Centros de Saúde da capital e região metropolitana, CAP‟S, CERSAM‟s) ou judiciárias.

A unidade oferece também aos seus usuários, farmácia para fornecimento de medicação interna/externa e serviço de eletroencefalografia (EEG). Além da prestação da assistência pública em saúde mental, a unidade hospitalar desenvolve ainda atividades de formação profissional e pesquisa. O desenho a seguir ilustra a estrutura assistencial do hospital estudado:

FIGURA 2 – Estrutura Assistencial

Fonte: Elaborado pelo autor, 2014

O fluxo do paciente conforme a estrutura organizacional acima descrita, com a necessária permanência do paciente em crise no CAC para a estabilização do quadro clínico é de extrema importância, sendo o setor estratégico para a gestão de leitos, de riscos para o próprio paciente e terceiros e para a condução da clínica a ser estabelecida. Porém, foi observado uma demanda cada vez maior das internações compulsórias neste hospital e, em razão disso, as estratégias de gestão de leitos e de riscos têm sido comprometidas.

Em relação aos leitos, a população trabalhadora tem vivenciado uma dramática constante em ter que definir prioridades, aquele que deve ou não entrar - exceto aqueles que são encaminhados por mandado judicial que possuem leito reservado. O drama se instaura na medida que chega um novo paciente. Como verbalizado por um técnico de enfermagem numa discussão coletiva da qual participou com um

psiquiatra e dois residentes a respeito da avaliação de uma provável internação de uma paciente vinda de Montes Claros cujo estado clínico exigia cuidados próximos, demandaria internação prolongada, além dos riscos de colocá-la na enfermaria:

"essa paciente demanda uma assistência mais próxima. É um quadro demencial. Não há vaga nas enfermarias e o CAC está lotado. Se deixarmos ela lá, vai ser abusada e agredida pelas pacientes. Vamos segurá-la no CAC, o máximo possível, até ela ter condições de voltar para o município dela e receber tratamento lá"

(Técnico de Enfermagem 6 - CAC).

As escolhas estabelecidas são baseadas em diversos elementos: condição clínica da paciente, vagas, tempo de internação, possibilidade de vinculação com a rede substitutiva e a condução clínica do caso. As decisões ali observadas nunca são individuais. O coletivo se instaura frente a dramática ali vivida e compartilha a decisão baseados nos diversos elementos ligados às normas ali existentes, aos saberes e valores estruturantes e compartilhados pelos diversos grupamentos. Embora haja uma inflação de normas, o que se verifica neste caso é um "vazio de

normas". Ao sujeito/coletivo é demandada escolhas, frente as quais não há

parâmetros normativos.

Em razão da demanda aumentada pela internação compulsória tem sido observado que alguns pacientes não têm permanecido no CAC e, em situações mais críticas, encaminhados diretamente para as enfermarias, em crise. Esta situação é resultado de políticas públicas que tem favorecido esta internação e ao hospital demandada a assistência aos pacientes ditos "difíceis", encaminhados por medida judicial.

Carneiro & Mendes (2014)6, em um estudo realizado na 3ª enfermaria, deste mesmo hospital, revelaram situação parecida, em que os pacientes instáveis, encaminhados por mandado judicial eram encaminhados às enfermarias sem a necessária permanência no CAC, em razão da insuficiência de leitos, provocando o aumento de risco de violência nestes setores. Segundo o estudo, a população trabalhadora do hospital está exposta a diversos constrangimentos, como: baixa autonomia de

6 CARNEIRO, B. R.; MENDES, D. P. As estratégias de gestão de riscos em uma unidade de

internação psiquiátrica: o impacto na atividade da enfermagem gerado pelo encaminhamento de pacientes instáveis. (mimeo), 2014.

manejo concedida aos auxiliares e técnicos de enfermagem das enfermarias, negligência da gerência em relação aos fatores precursores das disfunções físicas e psíquicas, falta de instrumentação (saber necessário na lida com o paciente daquele contexto), recursos materiais e humanos insuficientes; riscos (para o paciente e para o trabalhador) oriundos da assistência diferenciada ao novo perfil do paciente psiquiátrico, e aumento da carga de trabalho e riscos devido ao encaminhamento de pacientes instáveis para a enfermaria. O estudo demonstra os impactos causados na gestão do trabalho oriundos do encaminhamento de pacientes instáveis provenientes do CAC diretamente para as enfermarias.

De acordo com o estudo, como não há leitos suficientes na ala de urgência, os pacientes que chegam com mandado judicial de internação seguem direto para as enfermarias em estado susceptível à crise. Reafirma a necessária permanência no CAC. Como verbalizado por um técnico de enfermagem do CAC, no estudo de Carneiro & Mendes (2014, p. 5): "É necessário que se avalie o quadro do paciente e

a resposta ao tratamento anterior ao seu direcionamento para as alas internas, para que, ao chegar às enfermarias, a equipe responsável do setor saiba como tratá-lo e abordá-lo da forma mais adequada". Também verbalizado pelos técnicos de

enfermagem da enfermaria estudada:

As primeiras horas são as mais perigosas. O paciente não quer ser internado. Ele dá trabalho mesmo. Tem que ser medicado e ambientalizado com o tratamento antes de vir pra cá conviver com mais 29 pacientes (Técnico de enfermagem 1 - Enfermaria 3).

Às vezes chega pra gente o paciente do CAC com a marmita na mão. Nem lugar pra ele comer, tem lá (Técnico de enfermagem 3 - Enfermaria 3).