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2 DA INTERVENÇÃO À PESQUISA: REVISITAÇÃO A

2.1 Do Risco e de como abordá-lo

Viver nos obriga, necessariamente, a levar em conta os riscos. Proteger-se da morte, da doença, da tempestade, do mau êxito nos negócios não é uma estratégia recente. De acordo com Maciel & Telles (2000), a prática de afastar riscos sempre esteve associada à possibilidade de ocorrência de eventos indesejáveis.

No entanto, "risco" é um termo muito recente e sua definição conceitual está longe de reunir consensos (GONDIM, 2008; AREOSA, 2008). É uma noção genuinamente moderna e está implicada na reorientação das relações que os indivíduos e as coletividades estabelecem com os acontecimentos que podem ocorrer, cuja ideia central é controlar o futuro e surge em oposição ao conceito de fatalidade e destino, associado a uma certa contingência ou ambiguidade decorrente das diversas dinâmicas do mundo social.

De acordo com Areosa (2012), a definição de risco apresenta oscilações mediante os diversos contextos sociais onde é produzida, embora também possa depender de emoções, de sentimentos e da nossa própria percepção de riscos - existem determinados condicionantes sociais de caráter coercivo que influenciam a aceitabilidade do risco como a probabilidade da perda do emprego ou a dificuldade de inserção no mundo do trabalho. Desta forma, os trabalhadores devem ponderar

entre os custos e os benefícios de certos riscos.

Desta forma, obter uma definição do risco precisa e concisa, torna-se uma tarefa árdua. Apesar da pluralidade conceitual do risco, parece existir um elemento transversal a todas as suas definições: a distinção entre a possibilidade e a realidade, ou seja, a hipótese de ocorrência de um evento pode ou não se transformar em realidade. Assim, a incerteza é uma das dimensões do risco.

Para a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002), não existe risco zero no mundo real: pode-se reduzir o risco evitando determinadas atividades, porém, não se pode eliminá-lo por completo.

Segundo Mazet e Guilhermain (1997, p. 23), “... o risco caracteriza a eventualidade de um evento (ou de uma situação) não desejada (ou temida) e seus efeitos ou conseqüências”. Trata-se de uma medida do nível de perigo - conceito qualitativo

que exprime uma potencialidade, uma condição ou situação física com potencial de resultar em conseqüências não desejadas, como prejuízos à vida ou lesões corporais - por sua probabilidade de ocorrência, sua gravidade e sua aceitabilidade (GOETSCH, 2007).

O conceito de risco possui, portanto, três componentes básicos: 1) o seu potencial de perdas e danos; 2) a incerteza das perdas e danos; 3) a relevância das perdas e danos. Desta forma o risco é igual a probabilidade de danos multiplicado pela magnitude das consequências em função do tempo (GONDIM, 2008). Os avanços tecnológicos, científicos e do padrão produtivo contribuíram para essa nova percepção do risco associado a mudança na própria natureza do risco decorrente. Para Areosa (2008), o âmago do conceito de risco não é visto como um cálculo matemático simples e direto, mas como uma vulnerabilidade na exposição a qualquer coisa (do individual e do coletivo), em que se considera a obtenção de alguns ganhos ou perdas a partir de valorações, de observações, de saberes e do contexto temporal onde é produzido. De acordo com este mesmo autor, um dos problemas que a moderna teoria do risco tem de enfrentar está relacionada com a forma de organizar os processos de aprendizagem perante situações de elevada

incerteza, ou seja, de que forma pode-se tomar decisões perante cenários de largas margens de incerteza.

As percepções que os trabalhadores têm da exposição aos riscos em seu ambiente de trabalho podem influenciar o seu comportamento e sua exposição aos riscos - em muitos modelos descritos na literatura sobre a adoção de comportamentos preventivos, a percepção de riscos laborais tem um papel importante nos seus conteúdos, visto que a prevenção depende parcialmente da identificação de riscos (CORDEIRO, 2002; GOETSCH, 2007; AREOSA, 2008; 2012). As percepções de risco no trabalho se caracterizam pela incorporação da multiplicidade de saberes adquiridos no cotidiano de trabalho, partilhados e construídos socialmente, de certa forma mutáveis ao longo do tempo e dependentes das situações onde se desenvolve o trabalho e seus condicionantes (AREOSA, 2012). Deste modo, a percepção de riscos é caracterizada pela heterogeneidade, pela ambivalência e pela incerteza.

No âmbito da enfermagem, o trabalho é caracterizado pelo agrupamento de fatores que podem representar riscos à saúde de seus trabalhadores. Diversos estudos (OLIVEIRA, 2001; MANETTI, 2008; SULZBACHER, 2013) têm demonstrado que a exposição a fatores de riscos mecânicos e ambientais específicos2 (trabalho noturno, a manipulação de produtos químicos, cargas horárias extensas associadas às duplas jornadas, a exposição à radiação ionizante, a sustentação de peso em excesso durante a assistência ao paciente e o contato direto com material infectado) é ainda agravada pelos recursos materiais insuficientes e inadequados, que ocasionam condições inseguras de trabalho.

2 Segundo a Norma Regulamentadora (NR) nº 9, do Ministério do Trabalho e Emprego (BR), que

estabelece o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, caracteriza-se agentes biológicos as bactérias, os fungos, os bacilos, os parasitas, os protozoários, os vírus, entre outros; os agentes físicos são as diversas formas de energia a que possam estar expostos os trabalhadores, tais como ruídos, vibrações, pressões anormais, temperaturas extremas, radiações ionizantes e não ionizantes, bem como o infrassom e o ultrassom. Os agentes químicos podem ser considerados as substâncias, compostos ou produtos que possam penetrar no organismo pela via respiratória, nas formas de poeira, fumo, névoa, neblina, gás ou vapor, ou que pela natureza da atividade de exposição, possam ter contato ou ser absorvidos pelo organismo através da pele ou ingestão.A Organização Mundial de Saúde acrescenta, ainda, os agentes ergonômicos decorrentes de má postura, inadequação do mobiliário e outros responsáveis por distúrbios osteomusculares; os agentes psicossociais advindos de relações conflituosas, monotonia, ritmo excessivo, entre outros. Já os agentes mecânicos e de acidentes são aqueles ligados à falta de proteção do trabalhador, aparelhamento inadequado, arranjo físico, ordem e limpeza do ambiente de trabalho e sinalização deficientes,entre outros.

Há também os fatores psicossociais do trabalho de enfermagem que despertam atenção por provocar aumento dos índices de absenteísmo e adoecimento dos trabalhadores. Segundo Manetti (2008), os fatores psicossociais presentes no trabalho de enfermagem estão relacionados a mudanças e inovações na organização do trabalho, autonomia, clima organizacional, oportunidade de crescimento profissional e violência cujas consequências provocam estresse, baixo nível de satisfação no trabalho, desgaste físico-mental, sofrimento, absenteísmo e rotatividade.

De acordo com Schwartz (2014), é necessário abordar o trabalho num vai e vem permanente entre as condições ambientais objetiváveis, que expõe aos riscos antecipáveis, chamados pelo autor de "riscos profissionais" e uma dimensão enigmática, que em parte reconfigura o agir humano no trabalho e conduz ao que o autor chama de "riscos do trabalho".

O risco, enquanto objeto de pesquisa, é abordado por diversas disciplinas científicas e muitas das vezes, estas apresentam perspectivas contraditórias ou antagônicas entre si em suas possibilidades teóricas e metodológicas. Assim, é necessário e urgente que se utilizem metodologias que analisem e avaliem as práticas e condições de trabalho, as formas de organização do trabalho e o agir humano em seus "gestos", no mais infinitesimal da atividade, nas dramáticas vivenciadas no dia a dia de trabalho. A concepção de novas perspectivas metodológicas de análise dos riscos no trabalho em complementação das abordagens já tradicionalmente utilizadas é uma das formas mais prementes de controle da elevada sinistralidade laboral existente hoje no Brasil e no mundo.

2.2 Riscos da atividade de trabalho de enfermagem e as demandas necessárias