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4 CONFIGURAÇÃO DO NÍVEL MACRO: PROCESSOS,

4.7 O trabalho na saúde: modelo taylorista?

A superação do modelo taylorista de gestão científica, que vem se afirmando, tem incitado o questionamento sobre a regulação do processo de trabalho. A transformação das tarefas, as noções de ação coletiva, de cooperação, de coordenação têm provocado o debate e, dessa forma, como contribuição, é proposto aqui, caminhos não para fechamento do tema, mas como perspectiva para suscitar a reflexão.

Diversos estudos com profissionais de enfermagem (SILVA, 1998; ELIAS, 2006; MARTINS, 2010) tem caracterizado o processo de trabalho em saúde, como

taylorizado. Como citado por Elias (2006, p. 519):

O processo de trabalho hospitalar é parcelado e reproduz as características da organização do trabalho industrial, o que produz trabalhadores ora compromissados, ora desesperançados. Ele freqüentemente repete a lógica do trabalho taylorizado, muitas vezes oculto pelo discurso do „trabalho em equipe‟.

Segundo Maggi (2006, p. 111), “a tarefa taylorista é uma atribuição estável de ações parcelares e procedimentos de desenvolvimento da ação para sujeitos separados”.

Para o mesmo autor, na base da concepção da tarefa existe a expropriação do saber do trabalhador e a exclusão de sua iniciativa e, como resultado, o isolamento de cada operador e o controle direto de cada execução, com a separação da direção e da execução.

De acordo com Zarifian (1995, p. 11-15), o modelo sistematizado por Taylor no final do século XIX e no início do XX, tem três grandes pressupostos: (a) a criação de uma população operária, isto é, de pessoas disponíveis para vender sua força de trabalho; (b) a separação do trabalho daquele que o efetua, quer dizer, o trabalho pode ser descrito, padronizado e organizado de forma independente da pessoa que realiza a atividade; e (c) o surgimento, no século XVIII, de uma racionalidade técnica que se apropria da natureza (principalmente entre os engenheiros), isto é, o nascimento de uma visão diferente da relação com a natureza, compreendendo noções de fluxos e de processos, assim como de controle do movimento da matéria e da sociedade.

Ainda segundo Zarifian,

[...] o conceito de operação é [...] marcadamente prático: decompor analiticamente uma realidade complexa e incompreensível em operações elementares simples, que poderão ser circunscritas como formas elementares do movimento [...]. A operação é um átomo de movimento objetivado, inspirado em um modelo físico, inserido em um processo pré- descritível, previsível, regular e regulado (ZARIFIAN, 1995, p. 15-16).

Contrapondo-se a isso, o que se encontra hoje nas situações de trabalho em saúde, são tarefas que admitem e requerem iniciativa, comunicação e trocas entre os

operadores, ou seja, maneiras variáveis de desenvolvimento da ação. Efetivamente se está na presença de uma negação dos princípios de concepção taylorista.

Condição de mudança confirmada por Veltz e Zarifian (1993). Conforme a perspectiva destes autores, o modelo clássico taylorista está realmente em crise, entrando em cena um novo modelo, nos anos 90 do século XX, caracterizado pelo evento e pela comunicação. Esses autores colocam duas teses que expõem a mudança de modelo produtivo: a primeira afirma passagem de um modelo no qual a eficiência era expressão da produtividade vinculada a operações e objetos para outro em que a mesma revela capacidades de perícia e de ordenamento de eventos; a segunda indica que tais capacidades são resultado do desenvolvimento da comunicação intersubjetiva radicada no centro do mundo industrial (VELTZ; ZARIFIAN, 1993, p. 18).

De acordo com Nogueira (2007, p. 59), “o trabalho em saúde é processo, é serviço e é fundado em uma inter-relação pessoal muito intensa, em um laço “particularmente forte e decisivo para a própria eficácia do ato”.

Segundo Hennington (2011, p. 438), o trabalho em saúde se situa como serviço que se realiza não sobre coisas ou objetos, mas sobre pessoas (e com pessoas) em que o usuário é co-partícipe no processo de trabalho e, desse modo, co-responsável pela ação terapêutica. Consiste em processo de trabalho abstrato que se realiza de numerosas formas e com numerosas características e apresenta dimensão teleológica como qualquer outro processo de trabalho, traduzindo-se na necessidade de adequação constante ao particular em razão de ser relacional e circunstancial. É trabalho intelectual, porém, permanece igualmente manual, manifesto atualmente como resultado de ação coletiva e da fragmentação de atos a partir de uma direcionalidade oriunda da autoridade técnica e social imposta pela racionalidade médica.

Para Maggi (2006), ao invés de expropriar inteiramente o saber do operador, reconhece-se, pelo menos em parte, a sua competência. A iniciativa não é mais excluída, ao contrário, é pedida. Ao permitir a possibilidade de escolhas para o desenvolvimento da ação, as comunicações e as trocas entre os operadores não

são excluídas, o isolamento não é mais prescrito. O próprio princípio da separação entre a direção e a execução é posto em causa no que diz respeito ao espaço de decisão delimitado no desenrolar da tarefa.

As situações de trabalho são processos de ação social. Se o modelo taylorista é superado, impõem-se a questão: superado em que direção? Como se efetiva o controle e a regulação dos processos de trabalho com o aumento dos graus de liberdade do sujeito agente?

Daí emerge a necessidade de se definir as noções de “autonomia” e “discricionariedade”.

Segundo Maggi (2006, p. 112), “autonomia significa a capacidade de produzir suas próprias regras, portanto a capacidade de gerir seus próprios processos de ação: ela implica independência”. Já a discricionariedade “indica espaços de ação dentro de um processo regrado, onde o sujeito agente é obrigado a decidir e escolher, num quadro de dependência”.

Trata-se de um espaço discricionário se a regulação envolvida for determinada, mesmo quando os conteúdos ou as modalidades de ação não são impostos, e mesmo quando o objetivo da modalidade de ação também não é imposto. A tarefa discricionária implica uma obrigação de decidir, onde as premissas da decisão são controladas de cima, sendo, portanto, duplamente constrangedora.

Para se avaliar a prática da discricionariedade é preciso considerar a capacidade dos sujeitos envolvidos e a motivação para esse exercício de tal forma que pode se revelar negativa para o sujeito que tenta de certa forma evitá-la pelo fato da incerteza parecer maior que a capacidade de enfrentamento, da insegurança quanto às escolhas a fazer, podendo ocasionar a recusa da escolha e levar, como leva, às dramáticas do “uso de si” (SCHWARTZ, 2000b) e conseqüências negativas para a

saúde.

Trago novamente aqui a questão para reflexão: não estamos mal-interpretando as transformações das tarefas, como tarefas clássicas, e deixando de lado às suas

características intrínsecas? Não devemos aprofundar o entendimento em relação à tarefa discricionária?

Para Maggi (2006), a tarefa discricionária é um desafio para a ergonomia, pois ela não é isenta de constrangimentos, mesmo se os seus constrangimentos não são diferentes daqueles da atividade taylorista. Dessa forma, o desafio que nos incita é estudar a atividade discricionária e desvelá-la, bem como os constrangimentos que dela derivam.