• Nenhum resultado encontrado

A Comunicação

No documento PODER E VIOLÊNCIA DO DISCURSO (páginas 165-178)

Também foi radical a mudança na forma de comunicação, que era pautada por uma linguagem codificada visando aos interesses dos colonizadores.

José Bonifácio expressou seu interesse em dominar a comunicação com os índios e para tanto dizia que, para a eficácia do processo de civilização, os missionários deveriam estudar as línguas, os costumes, o caráter e as inclinações naturais dos índios no sentido de apreender os mores indígenas ao mesmo tempo em que iriam ganhando a sua confiança. Além desse objetivo missionário, ele previa ainda o envio de sertanejos às aldeias para que, pelo estabelecimento e casamento entre os índios, pudessem apreender a língua e os costumes e, posteriormente, servissem de guias às bandeiras e missões. Ele considerava que a Língua Geral era remanescente de “uma antiga civilização”, mas apesar de reconhecê-la pela sua riqueza e sonoridade – “A língua geral, mormente na boca da mulher, é muito sonora e própria para a música”42 – quis ele que a língua portuguesa fosse a Língua Geral, afirmando que os línguas deveriam ensinar o idioma português.

No Art. 7º ele diz que os missionários deveriam instruir-se na Língua Geral ou guarani [...] e se possível for também nas particulares das raças numerosas”43. Contudo, o fato de os missionários terem feito uso da Língua Geral foi motivo de preocupação do padre João Daniel que defendia o uso da Língua Portuguesa, pois, segundo ele, os missionários só deveriam aprender a língua vernácula dos povos somente quando ele fosse a única, e dizia:

41 L. F.de Alencastro, O trato dos viventes, p. 134. 42 Ibid., p. 327.

[...] já se vê que a língua vernácula dos povos é a que se usa e a que costumam estudar os missionários como na China, Etiópia, Egito, Grécia, e as mais missões, que estão espalhadas por todo o mundo, não aprendem esses donos a língua dos missionários, para os ouvirem, e serem instruídos por eles, mas os missionários são os que aprendem a sua língua [...]44.

Este certamente não era o caso do Brasil que tinha centenas de línguas e dialetos, o que levou o padre a pensar na necessidade de fazer com que os índios aprendessem a língua do colonizador.

José Bonifácio propõe acabar com os estigmas que maculavam a imagem dos índios brasileiros, logo no preâmbulo de seus “Apontamentos...”: “se quisermos pois vencer estas dificuldades, devemos mudar absolutamente de maneiras, e comportamento, conhecendo primeiro o que são e que devem ser naturalmente os índios bravos, para depois acharmos os meios de os converter no que nos cumpre que sejam”.45 Ainda no mesmo documento, encontramos várias expressões que estigmatizavam os índios: animal silvestre, apáticos, assassinos, antropófagos, autômatos, bárbaros, corrompidos, desumanos, desagradecidos, estúpidos, grosseiros, gulosos, ignorantes, índios bravos do Brasil, [...] não terem freio algum religioso, [...] não tem idéia de propriedade nem desejos de distinções e vaidades sociais, preguiçosos, povos vagabundos e dados a contínuas guerras e roubos [...], raça de homens inconsiderados [...], sua presumida valentia [...], suas contínuas bebedeiras, a poligamia em que vivem [...], viver em matas esconderijos [...], etc.

Bourdieu sugere que a abolição dos estigmas:

[...] implicaria que se destruíssem os próprios fundamentos do jogo que, ao produzir estigma, gera a procura de uma reabilitação baseada na auto-

44 Pe. J. Daniel, Tesouro descoberto no máximo Rio Amazonas, p. 333. 45 J. B. de Andrada e Silva, Projetos para o Brasil, p. 91.

afirmação exclusiva que está na própria origem do estigma, e que se façam desaparecer os mecanismos por meios dos quais se exerce a dominação simbólica e, ao mesmo tempo, os fundamentos subjectivos e objectivos da reivindicação da diferença por ela gerados46.

José Bonifácio quis combater a dominação que se abatera sobre os índios, sob a administração dos jesuítas e colonizadores, com outro modelo, também, de dominação. Entretanto, suas propostas não poderiam anular a dominação que já estava em andamento há três séculos, pois como observou Bourdieu:

[...] o separatismo aparece bem como único meio realista de combater ou de anular os efeitos da dominação que estão implícitos, inevitavelmente, na unificação do mercado de bens culturais e simbólicos, desde que uma categoria de produtores esteja em condições de impor as suas próprias normas de percepção e de apreciação47.

Assim, os “Apontamentos...” seriam tão somente mais uma forma de inculcação de

habitus e exportação de um capital cultural, pois além de não poder civilizar pela própria essência das heterogeneidades culturais européias e indígenas, não comportava a unificação das diferenças culturais e, em momento algum, sugere a possibilidade de tolerar quaisquer idéias de separatismo como sugere Bourdieu:

[...] na lógica propriamente simbólica da distinção – em que existir não é somente ser diferente mas também ser reconhecido legitimamente diferente e em que, por outras palavras, a existência real da identidade supõe a possibilidade real, juridicamente e politicamente garantida, de afirmar oficialmente a diferença – qualquer unificação, que assimile

46 P. Bourdieu, O poder simbólico, p. 127. 47 Ibid., p. 128.

aquilo que é diferente, encerra o princípio da dominação de uma identidade sobre outra, da negação de uma identidade por outra48.

Quando José Bonifácio propõe substituir os jesuítas pela Congregação São Felipe Neri (Art. 7º dos “Apontamentos...”), ele não estava pensando apenas na mudança da metodologia a ser utilizada no processo civilizatório, mas sim em uma forma de manter a ordem do processo por meio do capital cultural que deveria ser incutido nos aldeados. Além do mais, a nova congregação deveria contribuir49 “[...] para a manutenção da ordem política, ou melhor, para o reforço simbólico das divisões desta ordem, pela consecução de sua função específica, qual seja a de contribuir para a manutenção da ordem simbólica”.

A substituição dos jesuítas pela Congregação São Felipe Neri explica-se mais em função de suas desavenças com os inacianos. A respeito deles, José Bonifácio escreveu um texto em que dizia “O clero é uma das classes mais corrompidas e desprezíveis que há, geralmente falando, no Brasil!”50. Em outro texto em que ele fala dos novos aldeamentos ele diz que os jesuítas, além de déspotas “afugentavam tudo o que podia dar aos neófitos idéias da dignidade dos homens, e de cultura material”51. Dizia ainda que os membros da Companhia de Jesus adotaram uma teocracia druida tal que “frustrou pela insultação e falta de comunicação”, e acusava-os de excessivo cuidado com o dogma e menos com a moral, e de serem escravos dos reis ao invés de amos e, por isso mesmo, sugeria o afastamento dos “frades e clérigos”.

48 P. Bourdieu, O poder simbólico, p. 129. 49 Idem., A economia das trocas simbólicas, p. 70. 50 J. B. de Andrada e Silva, Projetos para o Brasil, p. 129. 51 Ibid., p. 140.

CAPÍTULO III

DESTERRITORIALIZAÇÃO,

Nesse Capítulo os conceitos de Paul Virilio que servirão para a leitura do discurso de José Bonifácio, são: a dromologia, a desterritorialização, a máquina de guerra, a endocolonização, os povos esperançosos e desesperançosos, a domesticação, a guerra justa, a velocidade e tecnologia.

O conceito de desterritorialização, conforme já foi esclarecido é aplicado diferentemente da forma que foi visto no capítulo referente a Deleuze. O mesmo se aplica ao conceito de máquina-de-guerra1

1. Dromologia

Paul Virilio defende a dromologia como a “lógica da corrida”2, isto é, a velocidade que sempre esteve impressa nos processos de tomada de poder. Ele demonstra que, historicamente, estes processos vêm adquirindo uma velocidade cada vez maior passando da cavalaria ateniense à romana; dos navios à vela do século XVIII ao vapor do século XIX; do motor a explosão do diesel ao nuclear; dos aviões subsônicos e supersônicos aos mísseis continentais e intercontinentais etc., configurando a importância da velocidade para

a supremacia militar, que caminha para o que ele denomina de “arma absoluta” - também, de “capacidade absoluta”.

Até o advento da “arma absoluta”, o homem trabalhou sob o vetor do tempo-espaço tendo a geografia como mediadora. Entretanto, a geografia como espaço real migrou para o espaço virtual do “complexo capacitador teleinfocomputrônico”3 e sua unidade deixou de ser o espaço em detrimento dos terminais digitais dos complexos industriais militares. Segundo Virilio, há um movimento da geo para a cronopolítica: a distribuição do território torna-se a distribuição do tempo. A distribuição do território está superada, é “minimal”4.

Virilio denomina de “revolução dromocrática”, todo complexo industrial que elevou a velocidade das armas a ponto de torná-las absolutas. Essa revolução teve como parâmetros a capacidade de produção acelerada, até atingir a arma absoluta, de velocidade absoluta – o laser – o qual retira do homem a capacidade de se recolher, porque:

[...] um raio laser move-se na velocidade da luz, em milissegundos. Isto não é absolutamente nada. Praticamente, isto significa a aquisição da instantaneidade. O que significa que ao final do século a arma final terá adquirido velocidade absoluta5.

A utilização do conceito de “revolução dromocrática”, é importante para que possamos compreender o quanto o vetor velocidade contribuiu para eliminar a noção de ocupação do espaço, que foi por muito tempo parâmetro para explicar a capacidade de mobilização dos povos ao longo do tempo.

1 Veja-se as páginas 19 e 124 para os conceitos de máquina-de-guerra e desterritorialização, respectivamente. 2 P.Virilio, Guerra pura, p. 48.

3 Expressão de René Armand Dreifuss, A época das perplexidades, p. 25. 4 P. Virilio, Guerra pura, p. 109.

2. Desterritorialização

A desterritorialização de que trata Virilio refere-se à capacidade que a tecnologia de aniquilar as noções de um espaço demarcado como região, cidade ou nação, pela capacidade de estes conceitos teóricos conterem vetor velocidade inserido nos artefatos dromológicos.

Segundo Virilio, “[...] desterritorialização significa para as elites uma intensificação do domínio, para as massas significa desenraizamento, destruição do habitat, privação de identidade, exclusão, perda da anima, do movimento”6.

Em se tratando da colonização européia no espaço indígena, a desterritorialização como intensidade de domínio significou, de imediato, para os povos autóctones, a tomada pura e simples de suas terras incluindo não só o desenraizamento, como também a destruição de seus habitats. Quanto à privação da identidade indígena, foram vários os mecanismos propostos e impostos pelos colonizadores para a sua consecução: da imposição do pensamento religioso, por meio do cristianismo, à imposição da língua européia; do vestuário, à alimentação; do modo de produção aos instrumentos de trabalho etc, todos eles passando pela tentativa de assimilação da cultura do colonizador – uma vez que os indígenas não eram reconhecidos jurídica, política ou socialmente pelas diferenças. Segundo Pierre Bourdieu, “qualquer unificação, que assimile aquilo que é diferente, encerra o princípio da dominação de uma identidade sobre outra, da negação de uma identidade por outra”7.

É o processo de desterritorialização que nos ajuda a entender a questão dos grupos errantes em constante movimentação em busca de um espaço, configurando assim no êxodo incessante. Muitas vezes foram identificados como estradeiros e destituídos de 6 P. Virilio, Velocidade e política, p. 12.

identidade ou de outra forma “Objetos itinerantes de mercados e feiras, como o resto dos meeiros, sua condição, desde a Antigüidade, em nada difere da do escravo que em tempo de guerra podia ser emancipado e incorporado como soldado [...]”8. O que percebemos nos discursos de José Bonifácio são propostas de estriamento e desterritorialização dos espaços ocupados pelos povos indígenas, mesmo sem ter discutido a sua emancipação e, a priori, a forma de sua incorporação aos mores europeus – não esquecendo de que José Bonifácio chegou a propor a incorporação do índio como soldado, como já demonstrado anteriormente.

Paul Virilio denomina de violência dromocrática a aplicação da força para submissão de grupos considerados indesejáveis aos interesses do poder hegemônico que deles extrairiam o máximo de energia, nas formas experimentais de “Exploração nas minas, nos canteiros de obras logísticas [...] toda uma economia clássica que é a do refém, do rapto, do deslocamento, formas privilegiadas da violência dromocrática”9.

No que se refere à exploração nas minas para extração de energia utilizando a força de grupos submissos, esse mesmo processo foi aplicado pela metrópole para subtrair riquezas da colônia. Segundo Alencastro, os índios brasileiros eram usados pelos bandeirantes [...] nos trabalhos de mineração desde a descoberta do ouro em Minas Gerais. Graças aos cativos indígenas [...] Fernão Dias Pais, obtém o contrato régio (1699) para abrir o Caminho Novo entre o Rio e Minas, tornando-se [...] o primeiro grande empreiteiro de estradas do Brasil”.10

7 P. Bourdieu, O poder simbólico, p. 129.

8 P. Virilio, Velocidade e política, p. 82. 9 Ibid., p. 80.

3. Máquina-de-guerra

A máquina de guerra conceituada por Deleuze tem como papel confrontar o Estado em forma de potência exterior a ele. Entretanto neste capítulo, Virilio trata a máquina-de-guerra mais precisamente como aparelho intrínseco ao Estado. Para esse autor: “A máquina-de-guerra não são só explosivos, também é comunicação, vetorização. É, essencialmente, a velocidade de expedição”11. Neste sentido, a máquina-de-guerra é todo um complexo sócio-econômico, industrial-militar e científico, que promove os insumos de guerra em detrimento do crescimento de outros setores da sociedade que não estejam comprometidos com os interesses bélicos. E por isso mesmo Virilio afirma que a máquina-de-guerra acaba tornando-se um empecilho ao desenvolvimento da sociedade enquanto os interesses da máquina-de-guerra tendem à guerra pura.

Em sua gênese, a protomáquina-de-guerra foi o casal, pois segundo Virilio, além da reprodução, a mulher liberou o homem para que ele dedicasse à guerra enquanto ela agia no sentido da logística de manutenção e sustento da família, incluindo aí o guerreiro, que explica a hipótese de Virilio para o qual “[...] o casamento é uma máquina-de-guerra”12.

A máquina-de-guerra, após ter se iniciado com o casamento, tomou formas mais complexas até chegar à organização de agrupamentos nomádicos especializados exclusivamente na arte da guerra, constituindo assim nas máquinas-de-guerra portadoras de artes e ofícios desconhecidos dos povos sedentários ou de outras máquinas similares. Por isso mesmo é que “[...] a construção daquelas fortalezas impenetráveis que nada tinham a temer das máquinas-de-guerra de então, e tudo a temer, constantemente, das surpresas e ardis trazidos de fora, do exterior, de longe, com a massa nômade”13.

11 P.Virilio, Guerra pura, p. 28.

12 Ibid., p. 105.

Tudo que é de fora é estranho ao nosso meio e, como tal, permanece fora do nosso esquema tático-defensivo. Assim, o fora, o estranho, o estrangeiro, o outro etc, serão vistos sempre com temor e jamais gozarão de nossa confiança e, portanto, será eterno adversário. Na expressão de Milton Bins, o “adversário é nítido, é portador de uma ordem e dum sentido, embora adverso. O adversário é diabólico [...]”14.

Desde o século XVI, os índios do Brasil sofreram com o processo de dominação em que o elemento colonizador era estranho, estrangeiro, adversário e até mesmo diabólico – características da exocolonização. A partir da abolição do “Diretório dos Índios”, em 1798, outro processo de denominação passou a atuar contra a liberdade dos índios, a endocolonização, um processo não menos adversário e, até mesmo, mais diabólico ainda.

4. Endocolonização

É o processo pelo qual a sociedade sofre uma interferência colonizadora, a partir de suas próprias entranhas, tendo em vista a canalização de recursos na produção e aquisição de equipamentos bélicos para a manutenção da máquina-de-guerra. Na expressão de Virilio, “agora só se coloniza a própria população. Apenas se subdesenvolve a própria economia civil”15. Neste processo há um condicionamento dos povos a favor da hegemonia da classe industrial-militar sobre o restante da população civil. Virilio sustenta que, ao falar de sociedades de classe, temos de considerar que a prerrogativa primeira da classe foi um topos, um espaço geográfico de controle de privilégios, antes econômicos que sociais. Conforme esse autor, a endocolonização visa primeiramente a população citadina porque:

14 M. Bins, Curso de sociologia, p. 65. 15 P. Virilio, Guerra pura, p. 92.

As cidades correspondem a um estatuto civil, à cidadania, ao surgimento do político num espaço que se opõe à endocolonização. Basta ver as medidas tomadas pelos jesuítas quando chegaram à reducciones. A primeira coisa que fizeram foi destruir a estrutura tribal dispersando a aldeia, dando-lhe um traçado que não tinha nada a ver com o que existira anteriormente. O que significou que os nativos estavam perdidos16.

O domínio que a metrópole exercia sobre os colonizados tinha como força-tarefa grupos armados recrutados aleatoriamente para a proteção e expansão das fronteiras comerciais no território do inimigo, o colonizado, num processo exocolonizador. Contudo, quando o Estado usa da força repressiva para o domínio da sua população civil, temos então a endocolonização configurada num “Estado mínimo” de pobreza de sua população civil.

Analisando o caso brasileiro sob esse prisma, veremos que os bandeirantes desempenharam muito bem o papel de força-tarefa na expansão do domínio da metrópole sobre os colonizados na forma de preação de índios para suprir a mão-de-obra colonial – bem como dos colonizadores, pois estes foram seus eternos dependentes na relação do comércio da mão-de-obra autóctone. Segundo Alencastro, os bandeirantes:

[...] e outros bandos paulistas capturam entre 40 mil e 60 mil guaranis dos

pueblos e reducciones da província jesuítica do Guairá, no coração do atual estado do Paraná, já investida pelas bandeiras dos irmãos Manuel (1606 e 1619) e Sebastião Preto (1612), de Fernão Dias Paes (1623), de Paulo do Amaral e do próprio Raposo Tavares (1627)17.

Através de sua força, coragem e audácia, eles eram, acima de tudo, temidos e respeitados por onde quer que tenham andado, porque eram:

16 P. Virilio, Guerra pura, p. 108.

Mestiços, armados, indisciplinados, imbatíveis nos combates do mato, avançando no rastro de índios e negros, os paulistas assustam – quase tanto quanto os quilombolas – as autoridades e os senhores de engenho do Norte. Ocupada por dezenas de bandeirantes arranchados e chefiados por quatro paulista que mandavam na vila ‘como se fosse sua’, Porto Seguro já havia sido teatro de um levante em 169118.

No texto “Rapaz mal-educado”, José Bonifácio se insurgiu contra D. Pedro I, pelo fato de o monarca estar aumentando a tropa de linha, supostamente estrangeira, em detrimento de milícias locais. E conclui lamentando “mas por fim vim a conhecer que já contava como tropas mercenárias para apoio de seu futuro despotismo”19. Entretanto, no texto “Avulso”, ele se contradiz, porque propõe no Art. 8º “reformar o sistema de capitães- mores, milícias, tropas de linha, magistrados”20.

Os governos destes tempos remotos serviram-se de grupos armados, tanto dos colonizadores, quanto dos colonizados, vindo a confirmar o pensamento de Virilio, segundo o qual “os governos negociam e intercambiam prontamente seu plantel de trabalhadores, gabando ‘sua resistência às baixas temperaturas, sua sobriedade e resistência no trabalho’; eles se abastecem, em grande medida, nas possessões coloniais [...]21.

Nesta linha de raciocínio, a metrópole foi obrigada a ter, sempre, exércitos regulares para a manutenção de seus interesses antes econômicos que militares. Daí a conclusão de Albert Memmi para o qual “o privilégio do colonial é função da metrópole e dos metropolitanos. O colonialista ignora que obriga a metrópole a manter um exército,

18 Ibid., p. 243.

19 J. B. de Andrada e Silva, Projetos para o Brasil, p. 242. 20 Ibid., p. 173.

que se a colônia para ele só representa vantagens, custa ao metropolitano mais do que lhe rende”22.

No documento PODER E VIOLÊNCIA DO DISCURSO (páginas 165-178)

Documentos relacionados