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Legislações Referentes às Relações entre Civilizados e Selvagens

No documento PODER E VIOLÊNCIA DO DISCURSO (páginas 65-98)

LEGISLAÇÕES REFERENTES ÀS RELAÇÕES

ENTRE CIVILIZADOS E SELVAGENS

No presente capítulo, trataremos das legislações utilizadas como forma de domínio metropolitano sobre os colonizadores, em especial sobre as comunidades autóctones. Foi justamente tentando preencher o vazio deixado por essas legislações que José Bonifácio elaborou os seus “Apontamentos...”, redigidos 65 anos após o surgimento do Diretório (1758) e 15 anos após a outorga da Carta Régia (1808-1831), que reintroduziu a Guerra Justa.

Serão abordados também, as questões e os aspectos referentes aos documentos oficiais que, ao longo da história do contato entre os colonizadores e os índios, serviram para regulamentar as relações entre culturas tão distintas. Esse encontro não poderia produzir interação de igualdade, na medida que envolvia Ele, o colonizador, perante o Outro, o colonizado, negando o poder político às sociedades indígenas quer pela falta, por serem consideradas sociedades sem organização, ou seja, anárquicas; quer pelo excesso, por serem consideradas sociedades com extrema organização, vale dizer,

tirânicas. Por esse prisma, negou-se ao outro a existência como ser, simplesmente por desconhecer uma instituição exclusivamente sua, a existência do órgão de poder.

Tudo o que existe no outro pode deixar de ser pensável se for aniquilado, assim que for percebido, ou seja, quando diante de algo que não se pode resolver, aniquila-se de imediato para que não crie problemas futuros. Dessa forma, optamos por encaminhar os fatos exóticos por caminhos que levem aos parâmetros culturais de nosso grupo, para com isso demonstrar o quanto é inexeqüível a exoticidade do outro e, por conseguinte, a própria existência do outro perante a nossa cultura. É dessa forma que o outro é negado, o que não quer dizer que ele não tenha existido; pelo contrário, a sua própria negação é a condição de sua existência. O que se lhe nega é a possibilidade de torná-lo um de nós, um semelhante – da semelhança enquanto ser – pois chegando ao extremo de lhes negar a humanidade, posto que, em vários momentos, só foram reconhecidos como meros animais1.

Para Pierre Clastres, a sociedade clássica ocidental não concebe a possibilidade de pensar uma sociedade que não seja mediatizada pelos valores que norteiam suas percepções quanto ao controle exercido pela submissão política. Assim, o etnocentrismo ocidental torna-se o instrumento pelo qual o ocidental nega ao outro os valores que lhes parecem estranhos, perigosos, diabólicos, heréticos etc.

De um lado o europeu, senhor de si e portador de uma tecnologia2 destruidora à base “[...] de cavalos, soldados, arcabuzes e canhões”3; do outro, a máquina de guerra

dos habitantes de um mundo ainda selvagem, portador de instrumentos que, se também

1 Vejam-se De Pauw, Buffon, Spix e Martius etc.

2 Usamos o termo tecnologia ao invés de técnica porque esta, na definição de P. Clastres, refere-se

ao [...] conjunto de processos de que se munem os homens [...] para garantir um domínio do meio [...] conforme as suas necessidades. Assim entendido, o colonizado sempre esteve cercado de refinadíssimas técnicas para extrair do meio as necessidades básicas. Mas as apuradas e diversificadas técnicas indígenas não puderam fazer frente às tecnologias deletéreas dos europeus; instrumentos por instrumentos, as destes foram capazes de sobrepujar todas as técnicas indígenas – arco e flecha x arma de fogo, por exemplo.

poderiam matar: arcos, flechas, tacapes, bordunas, zarabatanas etc, não tinham o apoio de uma tecnologia que pudesse reproduzir dromologicamente uma grande mortalidade. Esta diferença tecnológica quando posta em contato colocou de frente dois modus

operandi que em momento algum se complementariam, antes , puseram o outro – o autóctone - face ao aniquilamento caso tentasse resistir às intenções deles – os europeus.

Estas duas diferentes culturas: do colonizador e do colonizado, se mostraram tão díspares que de imediato a primeira, etnocentricamente, se viu no direito de resgatar a segunda do seu estágio de barbaridade, e por isto mesmo credenciou a si mesma como um elemento superior na hierarquia colonizadora. Para regulamentar esta nova posição hierárquica, foi necessário mostrar ao outro algumas normas que deveriam permear o relacionamento entre brancos e índios. Daí surgirem da metrópole uma série de documentos que estão sendo comentados neste capítulo. E, somente a partir da análise histórica de alguns destes documentos, é que podemos entender o pensamento de José Bonifácio de Andrada e Silva em relação aos índios do Brasil.

Segundo o estudo realizado por Mércio Gomes4, as leis que tiveram por objetivo regulamentar as relações do colonizador com os habitantes do Novo Mundo sofreram várias alterações ao longo do histórico da colonização. Num período que se estende de 1548 a 1822 estas relações foram objetos de Leis, Alvarás, Provisões, Cartas Régias, Resoluções, Diretório, em geral atenderam aos interesses da Coroa, da Igreja ou das empresas colonizadoras. Aos habitantes do Novo Mundo restavam apenas o cumprimento irrestrito das letras frias desses documentos que legislaram sempre contra os interesses dos índios. Dentre esses documentos, alguns artigos serão destacados, em ordem cronológica, o que não esgota as documentações referentes à temática indígena.

Em 15 de dezembro de 1548, apareceu o primeiro documento que estabelecia as relações entre branco e índio, denominado Regimento de Tomé de Souza, que “Recomenda paz com os índios, [...] guerra aos inimigos”5. Este documento já deixa bem clara a posição que uma das partes assume em relação àqueles que então se interpunham nos caminhos então traçados pelos interesses do colonizador.

A terra que então se abria aos encantos e interesses comerciais do Velho Mundo oferecia, também, obstáculos que deveriam ser transpostos pela persuasão - daí a recomendação à paz – ou pela agressão através da guerra na qual os obstáculos deveriam ser eliminados para dar curso ao fim que propunha a ideologia mercantilista. E foi assim que procederam os primeiros governantes que aportaram nos costados do Brasil.

Tomé de Souza, a quem o Regimento ora em análise leva o nome, foi o primeiro a introduzir a escravidão no Brasil, utilizando para isso da mão-de-obra e comércio africanos, o que contribuiu para a utilização da mão-de-obra autóctone. Quanto à guerra contra os inimigos, foi ela um dos meios que o governador encontrou para demonstrar aos gentios o valor guerreiro do colonizador português e, com isso, deixar bem claro o quanto a hierarquia deveria ser levada em consideração nas relações entre os brancos e os índios. Em uma carta do padre Manuel da Nóbrega6, endereçada ao Governador Tomé de Souza, encontra-se a seguinte afirmação:

Estes pecados tem a sua raiz e princípio no ódio geral que os cristãos têm ao gentio [...]. Louvam e apoiam ao gentio o comerem-se uns aos outros, e já se achou cristão a mastigar carne humana para darem disto exemplo ao gentio. Outros matam em terreiro à maneira dos gentios, tomando nomes, e

5 M. P. Gomes, Os índios e o Brasil, p. 69.

6 O padre Manoel da Nóbrega dizia que os tupis que eram “gente”, e chamava os tupinambás de

“gentilidade”, mas negava-lhes o estatuto de igualdade sóciopolítica face ao branco, só aceitando-os como ser, para atender aos propósitos da catequização e aos interesses mercantilistas.

não somente homens baixos e mamelucos, mas o mesmo capitão, às vezes. Ó cruel costume! Ó desumana abominação! Ó cristãos tão cegos!”7.

Em 20 de março de 1570, tem-se o conhecimento de uma Lei que autorizava a “guerra justa” contra os inimigos Aimorés. Esta mesma Lei também proibia “[...] o cativeiro dos índios”8, que neste caso supomos que fossem aqueles que não aceitassem

de bom grado a sujeição às determinações dos empreendimentos coloniais. Esta é a primeira Lei em que aparece a expressão “guerra justa”, que foi objeto de análise conceitual no Segundo Capítulo.

Aparentemente, esta guerra foi usada não só como artifício para o estriamento do espaço físico-geográfico, mas também para a aquisição do objeto de produção em forma de recursos humanos para a empresa mercantil. A isso, adiciona-se, ainda, a conquista de um possível e numeroso rebanho para o admirável mundo novo cristão, de um Novo Mundo pagão. E é do padre Manuel da Nóbrega que vem a confirmação dessa dupla conquista, escrita em uma carta enviada ao Governador Tomé de Souza:

[...] pequeno nem grande morre sem ser de nós examinando se deve ser baptizado, e asy N. Senhor vay ganhando gente para povoar sua gloria e a terra se vai pondo em subjeição de Deus e do Governador [...]9 .

Esta conquista, que tanto podia expressar uma missão militar quanto religiosa, envolvia uma série de manobras em que é difícil desvincular os interesses do Estado dos da Igreja. Este fenômeno é bem visível quando se analisam os combates empreendidos

7 M. Bonfim, O Brasil na América, p.157. 8 M. P. Gomes, op.cit., p. 70.

pelas forças coloniais portuguesas – envolvendo a Companhia de Jesus, os Soldados e as Milícias de colonos – contra os invasores franceses tidos como hereges (huguenotes) aliados aos índios inimigos (pagãos). É o padre Manuel da Nóbrega quem escreve afirmando o caráter duplo dessa conquista:

[...] porque terão os homens escravos legítimos, tomados em guerra justa10 e terão serviço e vassalagem e a terra se povoará e Nosso senhor ganhará muitas almas e S.A . terá muita renda nesta terra [...]11.

Manuel Bonfim diz que na guerra justa “o soldo das tropas era pago em índios escravizados [...]”12.

Em 24 de fevereiro de 1587 surgiu outra lei que estabelecia quais índios poderiam ou não ser objeto de cativeiro, desde que se tivesse o conhecimento da Companhia de Jesus. Esta lei deixava bem clara a importância de que se revestia a Companhia no que diz respeito ao controle e acesso sobre a mão-de-obra útil aos empreendimentos coloniais.

No entender de Alencastro, especificamente no que diz respeito ao acesso à mão-de-obra indígena, três impedimentos deveriam ser levados em consideração: o primeiro diz respeito ao transporte litorâneo na costa brasileira, em sentido norte/sul, uma vez que a frota mercantil atuava para atender aos interesses comerciais em sentido leste/oeste (metrópole-colônia), o segundo se referia à política metropolitana que havia proibido a navegação intercapitanias entre 1549 e 1766; e, por fim, o fato da não existir

10 Uma excelente e prática interpretação do conceito de “guerra justa” aplicado ao processo colonial foi

dado pela pesquisadora Rita Heloísa de Almeida, na sua obra O diretório dos índios, p. 77, para a qual ela “[...] é uma intervenção com uso da violência, a fim de atender às necessidades econômicas da ordem do povoamento e do cultivo de terrenos inexplorados”.

11 G. Azanha & V. M. Valadão, Os povos indígenas do Brasil: da colônia aos nossos dias, p. 19.

12 M. Bonfim, op.cit., p. 133. Veja-se também sobre a “guerra justa” a excelente obra de Alfredo Bosi, A

um comércio que privilegiasse a dulocracia indígena, exceto no que se refere ao bandeirantismo que enfrentou abertamente os interesses da Companhia de Jesus no processo de escravização. Sobre tais fatos Alencastro informa que:

As praças do Norte e Angola importam de São Paulo cal, farinha de mandioca e de trigo, milho, feijão, carnes salgadas, toucinho, lingüiça, marmelada, tecidos rústicos e gibões de algodão à prova de flechas. Tirante a cal marinha cavada dos sambaquis do litoral, os produtos desciam da serra do Mar nas costas dos índios. Em sentido inverso, subiam – sempre carregados pelos índios – os importados: sal, tecidos, especiarias, vinho, ferramentas, pólvora. Toda essa mercancia, toda essa carga, intensificava o uso de cativos no transporte, nos pousos, roças e trigais paulistas, onde a média de escravos indígenas por proprietário atinge seus maiores índices históricos: 3,6 nos anos 1640 e 37,9 nos anos 1650. Números bastante altos, mesmo quando comparados aos das áreas irrigadas pelo tráfico negreiro.[...] Não era só nas roças de trigo, mandioca e milho que labutavam os índios. Transporte do sertão, equipagem de remadores nos rios e na orla marítima, pesca e caça para ração de tropa, criação de gado nas fazendas jesuíticas e particulares, corte e preparo de madeiras, serviço em olarias e teares, alvenaria nos fortins, paliçadas, casas, barracos, abertura de caminhos fabrico de barcos, estiva e trabalho de embarcações, tudo isso e mais alguma coisa cabia em geral aos índios públicos. Na capitania vicentina 2800 casais indígenas – de 11 mil a 124 mil indivíduos – estavam concentrados nos aldeamentos de São Miguel, Guarulhos, Pinheiros e Barueri no final dos anos 1640. [...] São Paulo, Santana de Parnaíba e arredores possuíam índios públicos e particulares que podiam ser alugados para transportar carga e gente serra acima13.

Conforme Alencastro, além dos franciscanos [...] beneditinos e carmelitas do Brasil, bispos do Paraguai, capuchinhos do Congo, dominicanos da China, padres da Índia também malhavam a cobiça dos jesuítas”14.

No entender do pesquisador Mércio Gomes, de todas as legislações instituídas até o Diretório de 1557, “apenas entre 1605, 1611, 1680 e 1684 é que a legislação se declarou contra qualquer forma e justificativa de escravidão”15.

Manoel Bonfim também fez uma observação quanto à utilização do índio como mão-de-obra escrava:

[...] Os jesuítas acusaram os colonos pela escravização e os martírios que impunham aos pobres índios. [...]. Os colonos apossavam-se dos índios, e não deixavam aos jesuítas possibilidades de conquistarem todas aquelas almas [...]. Piores que os simples colonos eram, muitas vezes, os clérigos de algumas ordens. [...] O índio é a possibilidade de explorar a terra e de haver riqueza; e desde que a moral do momento admite a escravidão, escravizaram-no, para tirar-lhe o trabalho [...] converte o mísero cativo em besta de trabalho, ilude os regimentos [...] provoca dissensões e guerras entre as tribos, porque daí tirará escravos; [...]16.

Enquanto em Manoel Bonfim vemos acusações contra o clero no que se refere à escravidão dos índios, Nilson Lage explica o motivo do processo escravista, alegando que o embate entre colonos e missionários tinha como justificativa as mudanças advindas das leis que regulamentavam as relações de trabalho colonial, que ora proibia, ora facilitava a escravidão indígena. Segundo ele:

14 L.F. de Alencastro, O trato dos viventes, p. 207. 15 M. P. Gomes, op. cit., p. 73.

Ao enfrentar os missionários, os colonos lutavam pela sobrevivência. [...] se fosse realmente cumprido o Alvará de 15 de maio de 1624, que proibia a escravidão negra no Maranhão e Grão-Pará, eles estariam condenados à desaparição. [...]. Ademais, na hipótese de uma colonização com criaturas libertas, de que maneira competir com outros empreendimentos coloniais baseados no escravismo?17.

Em Gilberto Azanha encontramos uma informação parecida “Os Tupinikín começaram assim a alterar o destino de seus prisioneiros: ao invés de comê-los, entregavam-nos aos portugueses como escravos em troca de mercadorias européias”.18

Essas guerras fomentadas ora pelos colonos, ora pelos missionários, serviam acima de tudo, para a obtenção de mão-de-obra escrava, que nem sempre foi utilizada com exclusividade na terra brasílis. Houve caso em que os prisioneiros foram enviados à Europa, conforme relato de Gilberto Azanha, no ano de [...] 1512, por exemplo, o navio Bretoa capitaneado por Cristóvão Pires, relaciona, entre suas mercadorias para levar para Lisboa, 35 índios escravos”19. A confirmar esta informação, José Bonifácio dá conta da venda de índios em Portugal 27 anos após, o que nos faz entender que este comércio foi constante: “Em 1539, venderam-se em Lisboa, além de africanos, também índios do Brasil”20. E mais: “A escravidão pessoal ou servidão compulsória eram mais regra que exceção [...]”21.

Nos “Apontamentos...”, José Bonifácio deixa bem clara esta situação afirmando que além de D. Sebastião, [...] conheceram os Reis de Portugal todas as injustiças e

17 N. Lage, “A fé e os índios”, in: Os grandes enigmas de nossa história. Rio de Janeiro, Otto Pierre, pp.

219-20.

18 G. Azanha & V. M. Valadão, Senhores destas terras: os povos indígenas do Brasil da colônia aos

nossos dias, p. 14.

19 Ibid., p.45.

20 J. B. de Andrada e Silva. Projetos para o Brasil, p. 136.

horrores, que com eles praticaram os colonos do Brasil, matando-os, cativando-os até para mercados estrangeiros [...]”22.

No que diz respeito ao direito ou não à escravidão, o professor de Direito da Universidade de Salamanca, Francisco de Vitória (1483-1546)23 chegou a não reconhecer: “no ocupante, salvo casos excepcionais, não só o direito de escravizar o selvagem, bem como no Papa o direito de outorgar, de modo absoluto, soberania a qualquer estado” 24.

O padre Vieira, em seus discursos aos colonos do Maranhão, dizia que havia três tipos de índios, dos quais dois eram escravos: ‘os da cidade e os das aldeias do rei’25, restando em liberdade apenas àqueles que viviam nos sertões, sujeitos às entradas e bandeiras.

Para Novais, a escravidão indígena foi um grande negócio interno na colônia enquanto a escravidão negra foi o negócio da metrópole26.

As teses de Alencastro e as de Novais, se consideradas corretas, trariam então sérias conseqüências para os “Apontamentos...” de José Bonifácio, pois o status que ele pretendia fosse dado aos índios, bem como o seu projeto de abolição da escravatura negra, não encontrariam o apoio da classe dominante de seu tempo.

Num trabalho bem aprofundado de Heloísa de Almeida, a respeito do Diretório dos Índios, todas essas informações que dizem respeito à escravidão são confirmadas e, a elas, são adicionadas outras que corroboram tudo que foi escrito a respeito da situação

22 Ibid., de Andrada e Silva. Projetos para o Brasil, p. 98.

23 Esse jurista espanhol foi professor em Paris, Valladolid e Salamanca. Ficou conhecido pela defesa da

idéia da sociabilidade humana, da liberdade das idéias, da liberdade dos produtos e da liberdade circulação dos homens. Demonstrou também, que os índios eram os verdadeiros donos da América.

24 O. Rodrigo, Os selvagens americanos perante o direito, p. 17. Sobre este assunto veja-se também A.

Bosi, A dialética da colonização, p. 153.

25 Sobre esta discussão veja-se, ainda, A. Bosi , op. cit., p. 139.

26 Sobre esse tema leia F. Novaes, Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial 1777-1808, p.

dos índios: “[...] a condição dos índios no período de prosperidade das missões, só se diferenciava da escravidão efetiva pelo fato de não estarem à venda”27. E acrescenta:

A mão-de-obra com que contava era, quase unicamente a do indígena sob a forma de escravo ou não era ele o caçador, o remador, o serviçal de casa, o coletor de drogas,28 o identificador da variedade de flora e fauna, o operário dos estaleiros, o lavrador e o soldado das unidades militares29.

O índio foi a força-tarefa fundamental na solução dos problemas da produção colonial: ele foi as pernas dos colonizadores, na medida em que delas se serviram para o deslocamento em todos os quadrantes do continente, em busca de todo de riquezas que alimentavam os seus sonhos; ele foi os braços dos colonizadores, na medida em que deles se serviram para os serviços caseiros, a coleta de drogas, a caça das mais variadas espécies de nossa fauna, a coleta de nossa flora e a força que impelia os barcos no tráfico de nossas riquezas; ele foi os olhos dos colonizadores, na medida em que deles se serviram para identificar as nossas variedades dos três reinos da natureza; ele foi a besta de carga do colonizador, na medida em que dela se serviram para exaurir as nossas riquezas; ele foi o cérebro do colonizador, na medida em que dele se serviram para a decodificação de todos os traços culturais que pudessem ser úteis às ganâncias da metrópole européia, e finalmente, ele foi o ventre em que o colonizador gerou a antítese de sua própria existência.

Segundo Heloísa de Almeida, em uma Carta do Governador do Grão-Pará, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, datada do ano de 1754, encontra-se o registro

27 R. Heloísa de Almeida, O Diretório dos Índios, p. 172.

28 Por drogas entendem-se os produtos de que necessitavam os europeus para a comercialização na

Europa. As mais requisitadas das colônias eram cravo, canela, castanha-do-pará, fumo, salsaparrilha, urucum, guaraná, anil, abacaxis, maracujás, tabaco, essência de perfumes, entre outras.

da escravidão a que os índios estavam sujeitos; índios ‘alforriados’ que ‘vagueavam’ pelos povoados sem permanecerem com qualquer morador [...] e índios mantidos sob o controle de moradores que não lhes pagavam pelos serviços prestados, nem os devolviam às suas povoações”30. Além desses, existiam também os índios encarregados

No documento PODER E VIOLÊNCIA DO DISCURSO (páginas 65-98)

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