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3.2. A inadequação da consideração da proporcionalidade como princípio

3.2.1. A consideração da proporcionalidade como princípio constitucional

Predomina na doutrina brasileira o posicionamento de que a proporcionalidade seria um princípio constitucional a impor obrigatoriamente que os atos do Poder Público fossem proporcionais ou razoáveis em relação a direitos e interesses constitucionalmente protegidos.

Nesse sentido, para Gilmar Ferreira Mendes, seria possível afirmar, com base na doutrina alemã, que a proporcionalidade representa uma norma constitucional implícita

241

CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Op. Cit. p. 207. 242

96 sob a qual a jurisdição constitucional teria o poder de aferir a constitucionalidade de um ato normativo, vez que “a aferição da constitucionalidade da lei em face do princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso contempla os próprios limites do poder de conformação do legislador” 243. (grifei)

Na opinião do referido autor, a doutrina germânica “identifica como típica manifestação do excesso de poder legislativo a violação ao princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso (...), que se revela mediante contraditoriedade, incongruência e irrazoabilidade ou inadequação entre meios e fins” 244. (grifei)

Apesar de sistematizar a análise da proporcionalidade no capítulo de sua obra pertinente aos limites das restrições a direitos fundamentais 245, de reconhecer a existência de diversas concepções doutrinárias sobre o fundamento do instituto 246 e de enfatizar que, no Brasil, “(...) o fundamento do princípio da proporcionalidade situa-se no âmbito dos direitos fundamentais”, agora em companhia de Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, Gilmar Ferreira Mendes parte do pressuposto de que a proporcionalidade trata-se de um princípio com larga aproximação ao substantive due process of law, vez que para os referidos autores seria possível detectar, com base na jurisprudência atual do STF 247 que “(...) sob a Constituição de 1988 deu-se uma alteração no fundamento da proporcionalidade entre nós” 248.

243

MENDES, Gilmar Ferreira. O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. 1, nº. 5, agosto, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 09/07/2009. p. 2.

244 Ibdem. 245

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Gustavo Gonet Branco. Op. Cit. p. 314/358.

246

“O fundamento do princípio da proporcionalidade é apreendido de forma diversa pela doutrina. Vozes eminentes sustentam que a base da proporcionalidade residiria nos direitos fundamentais. Outros afirmam que tal postulado configuraria expressão do Estado de Direito, tendo em vista também o seu desenvolvimento histórico a partir do Poder de Polícia do Estado. Ou ainda, sustentam outros, cuidar-se- ia de um postulado jurídico com raiz no direito suprapositivo.” (grifei)

Ibdem. p. 322/323. 247

“(...) enfatizou a desproporcionalidade da lei tendo em vista o princípio do devido processo legal na sua acepção substantiva (CF, art. 5º, LIX)”, hipótese em que “Esta decisão parece consolidar o desenvolvimento do princípio da proporcionalidade como postulado constitucional autônomo que teria a sua sede material na disposição constitucional sobre o devido processo legal (art. 5º, LIV).” 247 (grifei)

97 Paulo Bonavides possui o mesmo entendimento de que a proporcionalidade é um princípio constitucional, vez que para o referido autor é preciso tratá-la como “(...) um princípio vivo, elástico, prestante, protege ele o cidadão contra os excessos do Estado e serve de escudo à defesa dos direitos e liberdades constitucionais” 249. (grifei)

Em linha evidentemente semelhante, Helenilson Cunha Pontes considera a proporcionalidade como um princípio constitucional implícito, decorrente da própria supremacia das normas constitucionais, sob o qual se garantiria a concretização dos direitos, interesses e valores normatizados pela própria Constituição 250.

Em semelhante consideração da proporcionalidade como um princípio-norma, de natureza constitucional, firma-se o posicionamento de Fredie Didier Jr. 251 de que o instituto relaciona-se, enquanto princípio constitucional, por ora ao “devido processo legal substantivo”, por ora à “proporcionalidade em sentido estrito”, por ora à “ponderação de bens” ou à “ponderação de interesses”, estas últimas sob a influência de Karl Larenz 252.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Gustavo Gonet Branco. Op. Cit. p. 329.

248

Ibdem. p. 327. 249

BONAVIDES, Paulo. Op. Cit. p. 394/395. 250

“O conteúdo jurídico-material do princípio da proporcionalidade decorre inelutavelmente do reconhecimento da supremacia hierárquico-normativa da Constituição. A proporcionalidade, como princípio jurídico implícito do Estado de Direito, é uma garantia fundamental para a concretização ótima dos valores consagrados na Constituição. A proporcionalidade é princípio que concretiza o postulado segundo o qual o Direito não se esgota na lei (ato estatal que deve representar a síntese da vontade geral).” (grifei)

PONTES, Helenilson Cunha. O princípio da proporcionalidade e o direito tributário. São Paulo: Dialética, 2000. p. 51.

251

DIDIER JR., Fredie. Op. Cit. p. 34. 252

A contradição em adotar-se tantas “naturezas” para um mesmo “princípio” da proporcionalidade evidencia-se, por exemplo, pelo fato de que para Larenz a proporcionalidade é um princípio material do direito alemão que não pode ser confundido com o método de interpretação denominado como “ponderação de bens” ou “ponderação de interesses”, segundo o referido autor germânico, normalmente utilizado pelo TCF.

Ou seja, não é possível relacionar o instituto aqui examinado, sob uma consideração de princípio-norma, à “ponderação de bens” ou à “ponderação de interesses” mencionada na obra de Karl Larenz, vez que a proporcionalidade não é a mesma coisa que a “ponderação de bens” para este autor alemão.

98 Reconhecendo a existência de divergências quanto à natureza da proporcionalidade e ressaltando que a enorme e comum aceitabilidade do instituto como princípio decorre de uma “tendência no discurso jurídico de qualificar como “princípios” normas que são havidas, por razões diversas (ora razões jurídicas, ora razões axiológicas, ora razões empíricas), como muito importantes para o sistema jurídico”, entende Wilson Steinmetz, por outras razões mais, que não há obstáculos a qualificar-se a proporcionalidade como um princípio constitucional 253.

Por fim, há que se ressaltar que também se encontra na doutrina nacional uma reverência absoluta à proporcionalidade como o “princípio dos princípios”, eis que o mesmo seria definidor da justiça e da razoabilidade não só no direito, mas também em qualquer outro ramo do conhecimento humano, conforme se verifica pelo

Preocupado com a subjetividade da utilização de um método da “ponderação de bens no caso concreto” pelo Tribunal Constitucional Federal alemão na determinação do alcance de direitos fundamentais ou princípios constitucionais que colidam entre si no caso concreto, Larenz entende ser necessário definir adequadamente critérios objetivos para a aplicabilidade do referido método a fim de evitar abusos nas valorações judiciais dos pesos dos direitos ou princípios em colisão.

Exatamente, por isso, o autor germânico entende por questionar se: “(...) então trata-se realmente a “ponderação de bens” de um método, ou antes da confissão de que o juiz decide aqui sem qualquer apoio em princípios metodológicos, com base apenas em tais pautas que ele mesmo estabelece para si?” É nessa linha de pensamento que o autor germânico vai deixar expressamente evidenciado o seu posicionamento de que a “ponderação de bens no caso concreto” não se confunde com o princípio da proporcionalidade, já que para ele, enquanto esta teria natureza de método de interpretação judicial, este tem natureza de “princípio jurídico material”, que, conforme opinião assentada pelo autor em outra obra sua, “Decorre diretamente da noção de justiça, da “justa medida”, da “moderação”, e modifica, não raras vezes o princípio da igualdade.

Assim, após constatar que “Mas, por outro lado, a “ponderação de bens” não é simplesmente matéria do sentimento jurídico, é um processo racional que não há-de fazer-se, em absoluto, unilateralmente, mas que, pelo menos até certo grau, segue princípios identificáveis e, nessa medida, é também comprovável”, Karl Larenz entende, com apoio em outro autor germânico, que o Tribunal Constitucional Federal alemão passou a dar cada vez menos importância para o “peso relativo de bens jurídicos” – ou melhor, para a “ponderação de bens” - em benefício da observância de princípios materiais como do “Estado de direito” ou como o “da proporcionalidade” e da “igualdade de oportunidade das partes”.

Para constatar a argumentação aqui mencionada, veja-se LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 2.ed. Trad. José Lamego. Lisboa: Calouste Gulbenkian, s.d.. p.490/502.

Nossa posição é referendada por Humberto Ávila, segundo o qual, a proporcionalidade “para Larenz, que atribui aos princípios um significado mais elástico, tratar-se-ia de um “princípio material” ou “critério material”. (ÁVILA, Humberto. Op. Cit. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. p. 24.)

253

STEINMETZ, Wilson. Op. Cit. Princípio da proporcionalidade e atos de autonomia privada restritivos de direitos fundamentais. p. 12.

99 posicionamento peculiar de que, diante do renascimento de “disciplinas pré-modernas dedicadas ao estudo da argumentação, tais como a Retórica e a Tópica” 254, a ideia de proporcionalidade “revela-se não só um importante – o mais importante, como em seguida proporemos – princípio jurídico fundamental, mas também um verdadeiro topos argumentativo ao expressar um pensamento aceito como correto, por justo e razoável, de um modo geral” 255256. (grifei)

Veja-se, portanto, que, mais do que se considerar a proporcionalidade como um princípio de direito ou princípio-norma 257, chega-se mesmo a compreender o instituto

254

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Op. Cit. Noção essencial do princípio da proporcionalidade. p. 608.

255

Ibdem. p. 609. 256

Logo após afirma o autor referido que, assim, a proporcionalidade seria de “(...) comprovada utilidade no equacionamento de questões práticas, não só do direito em seus diversos ramos, como também em outras disciplinas, sempre que se tratar da descoberta do meio mais adequado para atingir determinado objetivo”. (Ibdem. p. 609.)

257

Aliás, na obra do autor em referência, além da definição como “topos argumentativo”, é possível deparar-se com a proporcionalidade na condição de conceitos os mais diversos possíveis, conforme se verifica pelas seguintes definições e passagens de sua obra (GUERRA FILHO, Willis Santiago. Op. Cit. Noção essencial do princípio da proporcionalidade):

a) “princípio constitucional implícito” (norma): “(...) não há previsão expressa, em nossa Constituição, do princípio em tela. A ausência de uma referência explícita ao princípio no texto da nova Carta não representa nenhum obstáculo ao reconhecimento de sua existência positiva, pois, ao qualificá-lo como “norma fundamental” se lhe atribui o caráter ubíquo de norma a um só tempo “posta” (positivada) e “pressuposta” (na concepção instauradora da base constitucional sobre a qual repousa o ordenamento jurídico como um todo).” p. 621.

b) “cânone metodológico de interpretação constitucional”: “O princípio em tela, portanto, começa por ser uma exigência cognitiva, de elaboração racional do direito – (...) -, o que explica a circunstância de ele figurar entre os cânones metodológicos da chamada “interpretação constitucional”, aquela a que se deve recorrer quando o emprego da hermenêutica jurídica tradicional não oferece um resultado constitucionalmente satisfatório.” p. 616.

c) “mandamento de otimização” ou “máxima”: “O princípio da proporcionalidade, entendido como um mandamento de otimização do respeito máximo a todo direito fundamental, em situação de conflito com outro(s), na medida do jurídico e faticamente possível, tem um conteúdo que se reparte em três “princípios parciais” (...): “princípio da proporcionalidade em sentido estrito” ou “máxima do sopesamento” (...), “princípio da adequação” e “princípio da exigibilidade” ou “máxima do meio mais suave” (...).” p. 616/617.

d) “princípio dos princípios”: “Daí termos acima referido a esse princípio como “princípio dos princípios”, verdadeiro principium ordenador do direito. A circunstância de ele não estar previsto expressamente na Constituição de nosso País não impede que o reconheçamos em vigor também aqui, invocando o disposto no §2º do art. 5º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem os outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados etc.” p. 614.

100 como um mero tópico ou topoi 258, já que, nesta acepção, considera-se a proporcionalidade como um ponto de vista de razoabilidade empírica com validade geral, empregável em quaisquer ramos do conhecimento humano, inclusive no direito, a ser lançado para a consideração do que se poderia deduzir como correto.

3.2.2. A consideração pressuposta e acientífica da proporcionalidade como norma- princípio.

Analisando essas considerações doutrinárias de que a proporcionalidade seria uma norma constitucional implícita, dotada de natureza princípiológica, percebe-se que, salvo raras exceções, tais opiniões partem do pressuposto de que a proporcionalidade seja um princípio sem, ao menos, cumprir o dever técnico-jurídico - e até mesmo científico - de evidenciar em qual das inúmeras definições de princípio a sua consideração do instituto se encaixa.

Partir do pressuposto de que a proporcionalidade seja um princípio, sem ao menos evidenciar-se quais características do instituto conduzem à adoção de tal postura pelo intérprete é cientificamente inaceitável, à medida que isto se afigura essencial diante da enorme distinção doutrinária a respeito do que sejam princípios de direito e qual a função dos mesmos em um dado ordenamento jurídico contemporâneo, sendo suficiente para ilustrar essa situação a opinião doutrinária de que é possível identificar ao menos 10 (dez) concepções do que se pode entender por um princípio jurídico 259.

Nesse contexto, parece-nos que quem tem pretensão de considerar a proporcionalidade como uma norma-princípio tem também o dever de considerar a existência de inúmeros esforços doutrinários 260 para definir adequadamente o que seriam princípios para,

258

Para uma definição mais precisa, ver LARENZ, Karl. Op. Cit. Metodologia da Ciência do Direito. p. 202.

259

CARRIÓ, Genaro R.. Notas sobre derecho y lenguaje, Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 1973. p. 203 e ss.

260

Dentre outras, veja-se a extensa produção bibliográfica sobre o assunto: AFONSO DA SILVA, Virgílio. Op. Cit. Interpretação constitucional e sincretismo metodológico.; ALEXY, Robert. Op. Cit. Sistema jurídico, princípios jurídicos e razón prática.; ALEXY, Robert. Op. Cit. Teoria dos direitos fundamentais.; ÁVILA, Humberto. Op. Cit. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos; ÁVILA, Humberto. Op. Cit. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade.; BONAVIDES, Paulo. Op. Cit. Direito Constitucional.; BOMFIM, Thiago. Os

101 diante do flagrante dissenso a respeito de uma classificação 261 uniforme sobre o assunto, optar por uma ou outra definição de princípios e somente após isto demonstrar racionalmente por que a proporcionalidade poderia ser definida como tal nessa concepção de princípio adotada.

Uma postura cientificamente aceitável não pode se dar de outra forma, eis que resta evidente a disparidade de ideias sobre quais critérios seriam suficientes e adequados para caracterizar os referidos institutos quando se verifica que, enquanto Karl Larenz entende que os princípios "são fórmulas nas quais estão contidos os pensamentos diretores do ordenamento jurídico, de uma disciplina legal ou de um instituto jurídico"

princípios constitucionais e sua força normativa. Salvador: Podium, 2008.; BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.; BARCELLOS, Ana Paula de. Op. Cit. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional.; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. A principialização da jurisprudência através da Constituição. Revista de processo nº 98. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.; CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2004.; COELHO, Inocêncio Mártires. Op. Cit. interpretação constitucional; ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.; DANTAS, David Diniz. Interpretação constitucional no pós-positivismo. São Paulo: Madras, 2005.; GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. São Paulo: Revista dos tribunais, 1996.; LARENZ, Karl. Op. Cit. Metodologia da ciência do direito.; MENDES, Gilmar Ferreira. Op. Cit. O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.; MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; GONET, Paulo Branco. Op. Cit. Curso de direito constitucional.; OLIVEIRA, Fábio Côrrea de Souza. Por uma teoria dos princípios: o princípio constitucional da razoabilidade. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2003.; PEREIRA, Jane Reis Gonçalves; SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas da.. A Estrutura Normativa das Normas Jurídicas in Os Princípios da Constituição de 1988. (Org.) Antônio Cavalcanti Maia. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2001.; ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios constitucionais. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1999.; SARMENTO, Daniel. Os princípios constitucionais e a ponderação de bens. In Teoria dos direitos fundamentais. 2.ed. Ricardo Lobo Torres (Org.) Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 35/98.; STEINMETZ, Wilson. Op. Cit. Princípio da proporcionalidade e atos de autonomia privada restritivos de direitos fundamentais.

261

Ressaltamos que não é intenção do presente trabalho afirmar que a classificação de dado autor seja mais ou menos correta ou verdadeira do que a de outro, pois, considerando a natureza de ciência prática do direito, preferimos adotar a postura de medir a validade de uma classificação de institutos jurídicos por sua utilidade para a adequada sistematização do conhecimento jurídico abordado, pois como bem ensina Genaro R. Carrió "las clasificaciones no son ni verdaderas ni falsas, son serviciales o inútiles; sus ventajas o desventajas están supeditadas al interés que guia a quien las formula, y a sus fecundidad para presentar un campo de conocimiento de una manera más fácilmente comprensible o más rica en consecuencias prácticas deseables. Siempre hay múltiples maneras de agrupar o clasificar un campo de relaciones o de fenómenos; el criterio para decidirse por una de ellas no está dado sino por consideraciones de conveniencia científica, didáctica o práctica. Decidirse por una clasificación no es como preferir un mapa fiel a uno que no lo es. Porque la fidelidad o infidelidad del mapa tiene como test una cierta realidad geográfica, que sirve de tribunal inapelable, con sus ríos, cabos y cordilleras reales, que el buen mapa recoge y el mal mapa olvida."

102

262

, para J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, princípios "são ordenações que se irradiam e imantam o sistema de normas; começam por ser a base de normas jurídicas, e podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípios" 263 264

.

Como adotar-se de maneira pressuposta a proporcionalidade como princípio se na doutrina nacional evidencia-se desde a existência de uma consideração mais generalista do que seja um princípio - sendo exemplo disto o posicionamento de José Cretella Neto de que “toda e qualquer ciência está alicerçada em princípios, que são proposições básicas, fundamentais e típicas, as quais condicionam as estruturações e desenvolvimentos subsequentes dessa ciência” 265 - até um posicionamento parcialmente mais contemporâneo de que "os princípios meramente indicam caminhos para soluções que só serão tomadas após processo de ponderação com outros princípios” 266 em que os princípios “(...) são comparados e sopesados a fim de que se apure com que ‘peso’ ou em que ‘medida’ deverão ser aplicados ao caso concreto, por vezes se verificando, ao final desse processo, que só um deles é pertinente à situação em exame (...)" 267.

Essa enorme distinção teórica a respeito de uma definição de princípios foi muito bem ressaltada pelo hercúleo esforço de Ana Paula de Barcellos em evidenciar critérios que

262

LARENZ, Karl. Derecho Justo – fundamentos de la ética jurídica (do original alemão Richtiges Recht, Munique: Beck’sche Verlag, 1979), trad. Luiz Diéz-Picazo. Madrid: Civitas, 1985. p. 14.

263

CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991. p.49.

264

Sozinho J.J. Gomes Canotilho chega a propor uma classificação de 4 (quatro) grupos distintos de princípios: a) Princípios jurídicos fundamentais; b) Princípios políticos constitucionalmente conformadores; c) Princípios constitucionalmente impositivos; d) Princípios garantia.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2004. p. 1165/1167.

265

CRETELLA NETO, José. Fundamentos principiológicos do processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 5.

266

SILVA, Almiro do Couto e. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro e o direito da administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União (lei n.º 9.784/99). Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul. nº 57. Porto Alegre: Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, 2003. p. 50.

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