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Demonstrando que o seu posicionamento de vinculação ao direito decorre da consideração das expressas disposições constantes no ordenamento positivado durante o processo de interpretação e aplicação do direito, Alexy estipula como normas de direitos fundamentais aquelas que são expressas por disposições de direitos fundamentais, sendo estas os enunciados de direitos fundamentais previstos na Constituição 108.

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Por isso, é que os adeptos da teoria kelseniana da validade jurídica como única teoria da validade normativa precisam utilizar-se de um conceito de validade transcendental-lógica ou fictícia para fundamentar a validade da Constituição.

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ALEXY, Robert. Op. Cit. Teoria dos direitos fundamentais. p. 61/62. 108

O autor deixa claro que sua teoria é relativa aos direitos fundamentais da Constituição alemã, mas tal fato não traz nenhum prejuízo a sua utilização no direito constitucional brasileiro, vez que por uma simples comparação entre os enunciados de direitos fundamentais constantes na Lei Fundamental de Bonn de 1949, a Constituição alemã editada após a 2a Guerra Mundial, e os da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, pode-se perceber a influência daquele texto sobre os enunciados de nossa constituição vigente.

As disposições da Constituição alemã, em nosso vernáculo, podem ser consultadas na página da

Embaixada alemã no Brasil. Disponível em

<http://www.brasilia.diplo.de/Vertretung/brasilia/pt/01/Constituicao/Constituicao__pt/direitos_20fundam entais.html>

55 Entretanto, considerando a possibilidade de elaboração de vários enunciados deônticos a partir da mesma disposição constitucional de direito fundamental, entende Alexy que a norma de direito fundamental pode ser “tanto semântica 109 quanto estruturalmente 110 aberta” 111, hipótese em que as normas de direitos fundamentais podem ser estabelecidas diretamente pelo texto constitucional, como também podem decorrer deste através de normas de direito fundamental atribuídas 112.

Em relação às normas de direitos fundamentais atribuídas, desde logo reconhecendo que seriam possíveis ilimitadas atribuições às disposições constitucionais de direitos fundamentais se não aplicado um critério adequado para sua caracterização, Alexy sustenta que apenas um critério baseado em precedentes jurisprudenciais e consensos dogmáticos da doutrina mostra-se adequado em uma teoria que se pretende jurídica.

Para o autor, o critério adequado então seria de natureza normativa: será uma norma de direito fundamental atribuída aquela que for válida, não só sob o ponto de vista jurídico, mas também sob as teorias da validade social e ética; validade esta decorrente da atribuição a uma disposição de direito fundamental mediante uma “correta fundamentação referida a direitos fundamentais”, hipótese em que “saber se uma norma

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As normas de direito fundamental serão semanticamente abertas quando contiverem termos indeterminados, tais como “boa-fé”, “ciência”, “pesquisa”, os quais poderão ser determinados por regras semânticas, sendo uma delas na opinião do autor a atividade do Tribunal Constitucional de produzir definições e esclarecimentos sobre tais termos durante o processo de interpretação e aplicação de tais normas nos casos concretos.

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A abertura estrutural evidencia-se para o autor quando há uma multiplicidade de meios para o alcance do fim estipulado pela disposição constitucional de direito fundamental, vez que o exemplo por ele utilizado recai na impossibilidade de determinar, a partir do “mero dever de que ciência, pesquisa e ensino sejam livres”, tal como constante do art. 5º, § 3º da Constituição alemã, “se essa situação deve ser realizada por meio de ação estatal ou se exige abstenções estatais, e se a existência ou realização dessa situação pressupõe ou não a existência de direitos subjetivos dos cientistas que digam respeito à liberdade científica”.

ALEXY, Robert. Op. Cit. Teoria dos direitos fundamentais. p. 71. 111

ALEXY, Robert. Op. Cit. Teoria dos direitos fundamentais. p. 70. 112

56 atribuída é uma norma de direito fundamental depende, portanto, da argumentação referida a direitos fundamentais que a sustente” 113.

Entrementes, partindo daquele prisma do conceito semântico de norma de direito fundamental baseado em disposições constitucionais estruturalmente abertas, para Alexy o simples fato de as disposições de direitos fundamentais serem estatuídas como princípios ou regras não importa, por si só, que as normas de direitos fundamentais também detenham caráter duplo, pois elas (normas) somente terão este caráter duplo quando “forem construídas de forma a que ambos os níveis – regras e princípios – sejam seguidos”, o que acontece “quando na formulação da norma constitucional é incluída uma cláusula restritiva com a estrutura de princípios, que, por isso, está sujeita a sopesamentos” 114.

Alexy irá fundamentar sua construção com base em uma análise da liberdade artística que, disposta no art. 5º, § 3º, I 115 da Lei Fundamental de Bonn de 1949 (LFB), permite entender que “(...) qualquer intervenção em uma atividade, que se inclua no âmbito artístico é prima facie proibida”, pelo que se poderia construir uma norma como “são proibidas intervenções estatais em atividades que façam parte do campo artístico” 116.

Para o autor, tal construção não seria suficiente, pois o direito à liberdade artística não é irrestringível em caso de conflito com outros princípios colidentes, sendo necessário incluir na disposição uma “cláusula de restrição que dê vazão a essa realidade” mediante a utilização da “fórmula desenvolvida pelo Tribunal Constitucional Federal” para se estabelecer a seguinte norma:

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Aqui já resta evidente a teoria fraca de princípios que Alexy irá construir, à medida que evidencia que “As regras da fundamentação referida a direitos fundamentais não definem um procedimento que leve, em todos os casos, a somente um resultado.” (grifei)

Ibdem. p. 74. 114

Ibdem. p. 141. 115

“Serão livres as expressões artística e científica, a pesquisa e o ensino. A liberdade de ensino não isentará ninguém da fidelidade à Constituição.”

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São proibidas intervenções estatais em atividades que façam parte do campo artístico se tais intervenções não forem necessárias para a satisfação de princípios colidentes que tenham hierarquia constitucional (que podem se referir a direitos fundamentais de terceiros ou interesses coletivos), os quais, devido às circunstâncias do caso, têm primazia em face do princípio da liberdade artística. 117

Segundo Alexy, à exceção da hierarquia constitucional dos princípios colidentes, a referida cláusula representa “as três partes da máxima da proporcionalidade”, pois a intervenção destinada a “fomentar a realização dos princípios colidentes (P2,...Pn) deve ser necessária, o que inclui também a exigibilidade de sua adequação e, em terceiro lugar, que P2,...Pn , sob as condições do caso (C), tenham primazia diante do princípio da liberdade artística” (P1), o que, ao final, resulta a fórmula (P2,...Pn P P1)C “ 118. (grifei)

E assim, ao propor uma fórmula mais geral da “norma de direito fundamental provida de uma cláusula restritiva”, restaria evidente para Alexy que esta norma teria caráter duplo porque, ao mesmo tempo em que ela possui caráter de regra que permite a mera subsunção, sem o recurso a sopesamentos, ela possui caráter de princípio, pois, em sua cláusula de exceção, faz “explícita referência a princípios e a seu sopesamento”.

Para o autor, portanto, “essas normas de caráter duplo surgem sempre que aquilo que é estabelecido diretamente por uma disposição de direito fundamental é transformado, com o auxílio de cláusulas que se referem a um sopesamento, em normas subsumíveis”; hipótese em que a disposição constante no art. 2º, § 2º, II da Constituição alemã de que “A liberdade da pessoa será inviolável. Ninguém poderá interferir nesses direitos, senão em virtude de lei.” pode ser transformada na norma “São proibidas intervenções estatais na liberdade pessoal se elas não estiverem baseadas em uma lei ou não forem necessárias para a satisfação de princípios colidentes que, devido às circunstâncias do caso, tenham primazia em face do princípio da liberdade pessoal.” 119

117 Ibdem. 118 Ibdem. p. 142/143. 119

Conclui o autor que compreender as normas de direitos fundamentais apenas como regras ou como princípios não é suficiente, pois “um modelo adequado é obtido somente quando às disposições de direitos fundamentais são atribuídos tanto regras quanto princípios. Ambos são reunidos em uma norma constitucional de caráter duplo”.

58 Veja-se, portanto, que a teoria de princípios de Alexy, no âmbito dos direitos fundamentais, deseja deixar clara a impossibilidade de considerar-se a disposição constitucional que normatiza tal espécie de direito como dotada exclusivamente de caráter deôntico binário 120121, pois, ao contrário do que normalmente acontece com os demais direitos subjetivos fixados, as normas de direitos fundamentais devem ser consideradas como normas que ordenam que algo seja realizado na melhor medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes.

A tese do autor é racionalmente aceitável por vários motivos. O primeiro deles parece- nos ser que a sobrevivência de um sistema de direitos fundamentais depende de não considerá-los como normas com caráter deôntico exclusivamente binário, pois, em vista da necessidade de regrar a relação entre diversos setores sociais e o Estado, a Constituição deve ser formada por disposições dialéticas (a priori, conflitantes entre si), justamente para evitar que se pretenda efetivar um determinado direito fundamental em detrimento absoluto de outro direito fundamental, vez que isto esvaziaria a própria função constitucional de permitir a convivência harmônica e estruturada dos direitos fundamentais.

ALEXY, Robert. Op. Cit. Teoria dos direitos fundamentais. p. 143/144. 120

Após evidenciar a interminável polêmica acerca do conceito de norma jurídica, Alexy inaugura sua tese, deixando clara a sua pretensão de busca a um modelo flexível de norma de direito fundamental, conforme se verifica pela seguinte passagem de sua obra:

“Isso sugere que se busque um modelo de norma que, de um lado, seja sólido o suficiente para constituir a base das análises que se seguirão e, de outro lado, suficientemente frágil para que seja compatível com o maior número possível de decisões no campo dos problemas mencionados [de direitos fundamentais]. Essas exigências são satisfeitas por um modelo semântico, compatível com as mais variadas teorias da validade.”

Ibdem. p. 52. 121

Segundo Flávio Quinaud Pedron, “Habermas critica a maneira como Alexy entende a ponderação de princípios, por implicar uma concepção axiologizante do Direito.” Parece-nos que para o referido autor a crítica de Habermas é pertinente, pois ele assevera que “ao se afirmar que os princípios possuem natureza deontológica em razão de seu caráter devido e operacionalmente, igualarem-se princípios a valores quanto à sua aplicação, percebe-se que a norma perde a característica de código binário para se transformar em código gradual”, situação que para o autor conduziria a “(...) uma desnaturação do Direito, que se transformaria em valor, o que é visível quando se afirma a possibilidade de estabelecer uma hierarquia entre valores/princípios em face de um caso concreto”.

PEDRON, Flávio Quinaud. Comentários sobre as interpretações de Alexy e Dworkin. Revista Centro de Estudos Judiciários - CEJ. nº 30. jul/set. 2005 Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2005. p. 75.

59 É sob esse ponto de vista que Alexy deixa clara sua discordância quanto ao posicionamento de Peter Häberle de que, diante de uma proteção absoluta ao conteúdo essencial dos direitos fundamentais na Alemanha, a competência do legislador para a efetivação de restrições a direitos fundamentais seria meramente declarativa, vez que um caráter absoluto dessa proteção permanece como uma questão que diz respeito à relação entre princípios envolvidos, à medida que “a convicção de que existem direitos que não são relativizados nem mesmo sob circunstâncias as mais extremas – e apenas esses direitos são genuinamente absolutos (...) não pode ser válida a partir da perspectiva do direito constitucional” 122123124.

Outro argumento de vital importância para a correção da caracterização da norma de direito fundamental como mandamento 125 de otimização encontra-se no fato de sua normatização realizar-se por meio de disposições constitucionais estruturalmente abertas; abertura estrutural esta extremamente necessária à preservação da força normativa de uma Constituição que pretende ser estável e permanente em uma sociedade democrática, plural e tolerante 126.

122

ALEXY, Robert. Op. Cit. Teoria dos direitos fundamentais. p. 301. 123

“A extensão da proteção “absoluta” depende de relações entre princípios. A impressão de que ela poderia ser identificada direita ou intuitivamente, independentemente de sopesamentos, decorre da segurança na relação entre princípios.”(grifei)

Ibdem. p. 301. 124

Diante disso, para Robert Alexy, “(...) a garantia do conteúdo essencial, previsto no art. 19, § 2º da Constituição alemã, não cria, em relação à máxima da proporcionalidade, nenhum limite adicional à restringibilidade dos direitos fundamentais. Visto que ela é equivalente a uma parte da proporcionalidade, fornece ela mais uma razão a favor da vigência dessa máxima.” (grifei)

Ibdem. 125

Aqui é importante mencionar o equívoco de utilizar-se a expressão “mandatos de otimização” – infelizmente, muito comum – vez que, como assevera Bernardo Gonçalves Fernandes, “Ao que parece, em razão de uma má transposição para o português dos textos traduzidos do espanhol de Alexy, diversos juristas passaram a afirmar que os princípios seriam mandatos de otimização”, sendo isto um equívoco “já que o termo ‘mandato’ tem sentido totalmente diverso na linguagem jurídica nacional, não refletindo a noção de ordem ou dever, que o equivalente espanhol transmite”.

FERNANDES, Bernardo Fernandes. Op. Cit. p. 76. 126

“(...) a Constituição não deve assentar-se numa estrutura unilateral, se quiser preservar a sua força normativa num mundo em processo de permanente mudança político-social. Se pretende preservar a força normativa de seus princípios fundamentais, ela deve incorporar, mediante meticulosa ponderação, parte de sua estrutura contrária. Direitos fundamentais não podem existir sem deveres, a divisão de poderes há de pressupor a possibilidade de concentração de poder, o federalismo não pode subsistir sem uma certa dose de unitarismo. Se a Constituição tentasse concretizar um desses princípios de forma absolutamente

60 Essa normatização de valores sociais dialéticos por princípios constitucionais é uma marca indelével da realidade ocidental contemporânea, na qual as sociedades têm democraticamente adotado estados constitucionais de direito que devem realizar os fins públicos descritos na Constituição sob espírito social tolerante, pois uma sociedade que se pretenda livre, justa e solidária será instrumentalizada por um Estado constitucional democrático de direito que vise a uma democracia universal, com a desconsideração de distinções de classe, sexo, raça, idade, crenças políticas e religiosas, dentre outras 127.

Tal como suscita Alexy, a necessária consideração de outras validades da norma que não a jurídica, mediante a percepção do caráter axiológico e sociológico do direito, tem por finalidade evitar que situações similares a uma experiência conhecida por todos possa novamente ocorrer: o genocídio sem precedentes do povo judeu pelo regime nazista, com base em um ordenamento formalmente positivado que autoriza tais atrocidades contra os direitos básicos do homem.

Parece-nos, então, que a tese do autor de considerar os princípios constitucionais como normas flexíveis ou graduáveis, afastando-as do caráter binário tradicional das demais normas jurídicas, encontra substrato sob a concepção contemporânea de constitucionalismo, através da qual se disporá sobre os temas de importância capital para a sociedade, dentre os quais a devida proteção constitucional aos direitos fundamentais como pressuposto básico para a realização da liberdade e da dignidade da pessoa humana.

2.1.3. A estrutura aberta e a natureza principiológica das normas constitucionais