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4.3. O procedimento de aplicação da proporcionalidade

4.3.1. Fase prévia

4.3.1.3. A identificação dos direitos fundamentais em colisão, da situação fática e

da proporcionalidade em abstrato.

A proporcionalidade, como decorrência da normatização constitucional dos direitos fundamentais por princípios, tem por finalidade otimizar a efetivação destes de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas reinantes na conjuntura sob a qual a colisão entre tais direitos ocorre; torna-se essencial, portanto, que o intérprete e aplicador do instituto exponha justificadamente “que princípios, valores e interesses estão sendo cotejados”, vez que “é indispensável a explicitação clara dos bens em jogo, os benefícios e os sacrifícios envolvidos no problema, como requisito para que não se produzam distorções” 398.

Isso porque, conforme ressaltado anteriormente, a proporcionalidade somente será utilizável quando efetivamente houver uma questão complexa sobre a medida que restringe um dado direito fundamental, seja para preservar diretamente um outro direito fundamental ou para preservar interesses públicos deste decorrentes, hipótese em que “exatamente para compreender adequadamente as colisões complexas, porém, é necessário identificar claramente os elementos fundamentais dos quais elas são compostas” 399.

Portanto, tratando-se de aferir racional e justificadamente as condições sob as quais uma medida apresenta-se como adequada, necessária e estritamente proporcional para restringir um direito fundamental, mostra-se essencial à pretensão de correção da 397 Disponível em <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=97249&p_sort=ASC&p_sort2= A&cmd=sort> Acesso em 26/01/2010. 398

BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. Cit. Juízo de ponderação na jurisdição constitucional. p.207. 399

ALEXY, Robert. Colisão entre direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no estado de direito democrático. p. 69. Trad. Luís Afonso Heck. Revista de Direito Administrativo nº 217. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p.67/79.

148 referida decisão jurídica a exposição dos princípios em colisão, vez que “se um dispositivo – relevante para o caso – for ignorado pelo intérprete, os elementos que sugerem uma solução contrária à que a disposição ignorada indicaria assumirão um peso artificialmente maior ao longo da argumentação” 400.

Além dos direitos fundamentais propriamente ditos, como as sub-regras da proporcionalidade denominadas “adequação” e “necessidade” têm por finalidade aferir as possibilidades metajurídicas existentes nos casos em que se apresenta a colisão entre tais direitos, será necessário ao intérprete expor justificadamente as condições fáticas e as conjunturas político-sociais, culturais e econômicas sob as quais se apresenta o caso a ser resolvido pelo juiz.

Ressalte-se, entretanto, que essa posição quanto à necessidade de exposição expressa tanto das condições fáticas quanto das conjunturas político-sociais, culturais e econômicas sob as quais se apresenta o caso a ser resolvido pelo juiz não corresponde a uma orientação de que seria possível o emprego da proporcionalidade no exame em abstrato da constitucionalidade ou não de determinada medida de restrição a um direito fundamental - controle abstrato de normas - pela jurisdição estritamente constitucional 401.

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BARCELLOS, Ana Paula de. Op. Cit. p. 93. 401

Assim se posicionou enfaticamente o ex-Ministro Eros Grau quando acompanhou o voto do relator em julgamento do STF sobre a inconstitucionalidade em abstrato de determinado ato normativo, em que fez questão de ressalvar que não o fazia com base nos argumentos do relator, vez que este utilizara indevidamente a proporcionalidade na referida análise em abstrato.

No voto do então Ministro Eros Grau consta que:

“Não existe constitucionalidade ou inconstitucionalidade segundo o princípio da proporcionalidade. Esse é um ponto, no meu modo de ver, fundamental.

Afirmo e reafirmo que julgamos a constitucionalidade, não a proporcionalidade das leis. Tenho insistido nisso. Eu me recuso a tomar a proporcionalidade como critério de apreciação de qualquer causa que não envolva especificamente a aplicação, a um caso concreto, de determinadas consequências jurídicas. Não no controle abstrato.

Faço registrar essa observação – para todo o sempre. No futuro, quando alguém vier a escrever sobre o Tribunal, saberá que jamais concordei em participar do controle da razoabilidade ou proporcionalidade das leis. Acompanho o voto do Ministro Ricardo Lewandowski.” (grifei)

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 1800/DF. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. J.11/06/2007. Inteiro teor. Disponível em <www.stf.jus.br> Acesso em 09/02/2011.

149 Primeiro, porque uma orientação como essa desconsideraria que os controles concreto e abstrato de constitucionalidade são espécies muito distintas de controle de constitucionalidade 402.

Segundo, porque se, após a inexorável globalização que marca as sociedades atuais, as relações existentes numa dada sociedade são marcadas pela inevitável ligação com os fatores políticos, econômicos e culturais que a cercam 403, isso não quer dizer - ao menos não na técnica processual – que se possa confundir a situação fática sob a qual ocorre um conflito normativo com a conjuntura sociológica sob a qual o mesmo ocorre.

Questões como políticas sociais, desenvolvimento econômico e social, governabilidade, participação política e cidadania, movimentos e lutas sociais, ambiente, emprego e qualificações profissionais, desigualdades sociais, ciência e educação, incerteza e risco sociais, população, urbanização e movimentos migratórios, etnicidade, sexualidade e

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Já havíamos firmado esse posicionamento anteriormente, quando sustentamos que o controle abstrato de constitucionalidade é aquela espécie de controle jurisdicional onde o objeto da impugnação recai sobre o próprio ato em abstrato. Ou seja, o controle de constitucionalidade da norma em si ou da “lei em tese” é o objeto do processo submetido ao órgão judicial encarregado de exercer o controle jurisdicional de constitucionalidade, como acontece, essencialmente, nas ações diretas de controle inscritas na Constituição.

Já no controle concreto de constitucionalidade o objeto de controle jurisdicional recai sobre a apreciação da questão de constitucionalidade no bojo de um caso concreto submetido à jurisdição constitucional, sendo o objeto de impugnação não o ato normativo propriamente dito, mas o ato concreto que dele decorre. Vejamos um exemplo interessante para que se possa entender adequadamente a diferença entre o controle abstrato e o concreto de constitucionalidade.

Imagine-se a edição de lei que crie ou majore tributo que inobserve o princípio da capacidade contributiva, ou seja ato normativo eivado de inconstitucionalidade material. No caso da propositura de uma ação direta de inconstitucionalidade, por um dos legitimados no art. 103 da CF/88, discutir-se-á, como objeto do processo judicial em questão, a própria “lei em tese”. Ou seja, discutirá o STF se a lei em epígrafe viola ou não as determinações constitucionais. Trata-se, portanto, da hipótese de controle abstrato de constitucionalidade.

Entretanto, se o contribuinte prejudicado pela exação inconstitucional impetra mandado de segurança para garantir seu direito líquido e certo de não pagar o tributo editado pela lei em epígrafe, vez que a mesma detém vício de inconstitucionalidade, o objeto do controle será o ato concreto inconstitucional da Fazenda Pública de impor exação tributária fundamentada em ato normativo contrário à Constituição.

Ou seja, no controle concreto, à jurisdição constitucional, em regra realizada pelos juízes e Tribunais ordinários, caberá a declaração de nulidade do ato concreto - a imposição tributária e não o ato normativo propriamente dito - no dispositivo da sentença, pois, afinal de contas, o controle pressupõe a possibilidade de desfazer-se o que é controlado através da anulação judicial e a única coisa que o juiz pode anular, nessa espécie de controle, é o ato concreto e não o ato normativo que o fundamenta. (MORAIS, Dalton Santos. Controle de Constitucionalidade: Exposições críticas à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Salvador: JusPodium, 2010. p. 82.)

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150 afeitos, consumo nas modernas economias, práticas culturais, modelos familiares, identidades sociais, novas pandemias ou ainda os fenômenos ligados à exclusão social são inerentes aos conflitos normativos contemporâneos, mas não se pode ter a pretensão de que caiba ao Poder Judiciário solucionar tais questões, pois como Poder inerte está o Judiciário adstrito ao conflito normativo que lhe foi submetido.

Tais questões, então, se apresentam como uma conjuntura sociológica de fundo que, relacionada com o caso concreto, deve ser considerada pelo juiz durante o seu processo decisório, mas não podem ser por ele decididas como o deverá ser a situação fática e específica enfrentada pelo julgador.

Por fim e mais importante é que a proporcionalidade não pode ser utilizada, pelo menos aos adeptos da teoria alexeniana 404, em casos meramente abstratos, pelo simples fato de que a proporcionalidade é uma regra procedimental com a finalidade de estabelecer a precedência de um ou outro direito fundamental no âmbito de uma colisão concreta entre tais direitos, através da chamada “lei da ponderação” 405.

Como fruto da ponderação e da “lei de colisão” será fixada uma relação concreta de precedência prima facie entre princípios; relação esta que não poderia dar-se em abstrato eis que, enquanto direitos normatizados por uma mesma Constituição, os referidos princípios “abstratamente estão no mesmo nível” 406.

Portanto, trata-se de um equívoco suscitar a teoria de Robert Alexy justamente para fixar uma relação abstrata de precedência entre princípios, sem proceder ao exame das situações fáticas sob as quais aquela suposta colisão entre princípios ocorre, pois essa possibilidade é expressamente rejeitada pelo autor germânico, pois para ele uma

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Apesar de adotar a teoria dos princípios de Robert Alexy, Samuel Meira Brasil Jr. entende que não há restrições ao emprego da proporcionalidade em casos de colisão entre normas em abstrato, vez que para ele seria “possível aplicar a proporcionalidade em problemas abstratos”, pois “a consideração de circunstâncias delimita o contexto, permitindo uma ponderação in abstrato da situação, mesmo quando não exista a situação concreta”.

BRASIL JR., Samuel Meira. Op. Cit. p. 102. 405

ALEXY, Robert. Op. Cit. Teoria dos direitos fundamentais. p. 94/99 e 163/176. 406

151 “relação de tensão” entre princípios não pode ser solucionada da mesma forma como se faz no conflito entre regras - plano da validade da norma -, já que entre princípios não há uma “precedência absoluta” à medida que nenhum deles ‘goza, “por si só, de prioridade” 407. (grifo do autor)

Assim, pelo menos sob a teoria do direito de Alexy, não se pode pretender aplicar a proporcionalidade para solucionar, por exemplo, uma suposta colisão em abstrato entre um direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva e o formalismo processual para definir-se, em abstrato, que aquele deve preponderar sobre este para permitir-se a fungibilidade entre as tutelas sumárias cautelares e antecipatórias no processo civil brasileiro.

Afinal, a proporcionalidade, como será visto mais adiante, tem por uma de suas finalidades justamente aferir as possibilidades fáticas – sub-regras da adequação e da necessidade - sob as quais se admite a fixação de uma relação de precedência concreta de um princípio sobre outro 408, inclusive com a obrigação teórica de extensão da mesma regra de precedência a outros casos fáticos idênticos ou extremamente similares.