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Procuraremos evidenciar que o requisito da aceitabilidade do instituto da proporcionalidade mostra-se cumprido na realidade jurídica brasileira, à medida que a proporcionalidade torna-se, sob o estado de arte do direito constitucional e processual civil contemporâneo, imprescindível em sistemas jurídicos fundados em uma Constituição dotada de precedência hierárquica e axiológica sobre o restante do ordenamento, pois se, por um lado, normatizam-se determinadas categorias de valores sociais como direitos fundamentais, por outro lado cria-se a inexorável possibilidade de constantes colisões entre tais espécies de direitos, vez que estes são caracterizados por

48 declararem interesses individuais e coletivos eminentemente dialéticos e estruturados normativamente de forma aberta e principiológica.

Entretanto, se por um lado a proporcionalidade apresenta-se como ínsita a um ordenamento jurídico assim estruturado, à medida que através dela permitir-se-á aferir a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito de restrições a direitos fundamentais em decorrência da necessidade de preservação de outros direitos fundamentais e de interesses públicos destes decorrentes, por outro lado apresenta-se como necessária a sua adequada configuração para atribuir racionalidade e controlabilidade a sua utilização judicial durante a solução das colisões entre direitos fundamentais ou princípios.

Sim, porque a indispensabilidade da proporcionalidade para a teoria do direito contemporâneo não autoriza a sua utilização indiscriminada, especialmente pela jurisprudência, para fundamentar juízos de valor eminentemente subjetivos e atécnicos, em descompasso com as escolhas feitas pelo ordenamento jurídico, vez que a utilização da proporcionalidade para afastar as escolhas feitas pelo agente estatal com competência para restringir direitos fundamentais obriga a que seja dada a tais decisões judiciais “uma fundamentação mais consistente (à argumentação jurídica), baseada, sobretudo, em dados empíricos e objetivos que reforcem o acerto da decisão tomada” 100.

Por isso, opiniões de grande envergadura na doutrina nacional têm sustentado sobre a necessidade de maior sistematização teórica acerca da proporcionalidade, a fim de evitar não só o emprego indevido do instituto, como também os abusos na sua aplicação em decorrência de sua ampla utilização judicial sem base em critérios racional e objetivamente controláveis, sendo exemplo de tal corrente de pensamento a sustentação de que a aplicação constante da proporcionalidade na jurisprudência do STF:

Em primeiro lugar, demonstra que a exigência de proporcionalidade vem sendo aceita como um dever jurídico-positivo, o que, por si só, revela a importância de sua explicação e descrição. Em segundo lugar, revela que a utilização do princípio da proporcionalidade nem sempre possui o mesmo significado, não apenas porque ele é tratado como sinônimo da exigência da razoabilidade, com a qual – como será

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demonstrado – não se identifica, mas porque ele ora significa a exigência de racionalidade na decisão judicial, ora a limitação da pena à circunstância agravante ou necessidade de observância das prescrições legais, ora proibição de excesso da lei relativamente ao seu fim e ora é sinônimo de equivalência entre custo do serviço e a relativa taxa. A sua aplicação, como será demonstrado, é muitas vezes correta. Mas mesmo nesses casos, a fundamentação do dito princípio

da proporcionalidade não apresenta razões intersubjetivamente controláveis, na medida em que não se estabelece critérios de delimitação da relação meio-fim – absolutamente essencial à aplicação da proporcionalidade -, bem como deixa obscuro o seu fundamento de validade. Enfim, a fundamentação das decisões, em vez de ser clara e congruente, termina sendo ambígua.101(grifei)

Assim é que, diante da crescente importância jurisprudencial da proporcionalidade, no quinto capítulo do presente trabalho, analisaremos como o dever de fundamentação das decisões jurisdicionais disposto no art. 93, IX da CF/88 pela EC 45/04 poderá determinar a legitimidade e a controlabilidade da aplicação da proporcionalidade no processo civil brasileiro, considerando-se as perspectivas normativa e procedimental que não podem ser desconsideradas pelo juiz ao aplicar o instituto para a solução de colisões entre direitos fundamentais, seja no âmbito da relação jurídica material de mérito da demanda (aspecto extraprocessual), seja no âmbito da relação jurídica processual que instrumentaliza a produção válida da decisão jurisdicional (aspecto endoprocessual).

Isso porque, sob pena de nulidade processual, não pode o magistrado atuar ao alvedrio dos limites processuais que lhe são impostos pela Constituição e pelo direito vigente, pois a atuação judicial, mesmo na atual quadra do direito contemporâneo, deve dar-se sob critérios argumentativos de natureza jurídica, sem que ao juiz seja concedida liberdade irrestrita e incondicional para exercer a função jurisdicional.

Entrementes, como a proporcionalidade é um instituto jurídico inerente à formatação atualmente concebida ao direito contemporâneo, antes de chegarmos àquela etapa final da análise da sua aplicação judicial, será antes preciso expor no próximo capítulo do presente trabalho uma teoria jurídica concebida sob e para este estado de arte contemporâneo do direito, qual seja a teoria do direito de Robert Alexy.

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ÁVILA, Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. p. 24. In Revista Diálogo Jurídico. Salvador. CAJ. Centro de atualização Jurídica. V. I. nº 4. Julho, 2001. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 09/07/2009.

50 Por isso, sem apego à ordem cronológica da produção bibliográfica de Alexy, evidenciaremos as ideias do autor – infelizmente, mais venerado contemporaneamente como adepto de uma “jurisprudência de valores” - para demonstrar que seus posicionamentos, diferentemente do que entende parte da doutrina e da jurisprudência brasileira, não fundamentam uma prestação jurisdicional deslocada de critérios jurídicos racionais e intersubjetivamente controláveis pelos demais operadores do direito ou, no jargão mais comumente empregado, o “decisionismo judicial”.

Pelo contrário, verificaremos que os posicionamentos de Robert Alexy são categóricos quanto à constante busca pela identificação de parâmetros normativos e metodológicos necessários a conferir racionalidade e controlabilidade à aplicação de suas teorias, conforme será verificado quando examinarmos como o referido autor construiu as suas teorias dos direitos fundamentais, dos princípios e da argumentação jurídica, com base nas quais e na apreciação da jurisprudência do TCF pelo autor, já nos terceiro e quarto capítulos, buscaremos definir as perspectivas normativa e procedimental da proporcionalidade como instrumento de solução de colisões entre direitos fundamentais.

Já no quinto capítulo demonstraremos que, no âmbito da solução de colisões entre direitos fundamentais, existem critérios normativo e metodológicos aptos a fundamentar a impossibilidade de entender-se e aplicar-se as ideias de proporcionalidade e razoabilidade como idênticas, pois ambos os institutos guardam traços característicos que os individualizam, sendo essencial explicitá-los no âmbito de uma aplicação normativa e procedimentalmente correta da proporcionalidade.

Tal análise necessariamente compreenderá a sistematização das posições doutrinárias a respeito da razoabilidade e da proporcionalidade, mediante a análise da origem histórica e do desenvolvimento de ambos os institutos, bem com de suas definições disponíveis na doutrina brasileira e estrangeira, a fim de evidenciarmos pontos de divergência e de contato entre as diversas definições disponíveis.

É assim que pretendemos fixar os contornos da proporcionalidade no plano da prestação jurisdicional, de forma a permitir aferir a legitimidade da aplicação do instituto, vez que, diante das limitações processuais e da controlabilidade inerentes à atividade

51 jurisdicional, os julgamentos e decisões dos órgãos do Poder Judiciário que, em sua fundamentação, não explicitem justificadamente as perspectivas normativa e procedimental da proporcionalidade aptas a demonstrar a necessidade da aplicação do instituto para a solução da demanda implicará na sua plena nulidade, nos termos do disposto no art. 93, IX da CF/88 com a redação dada pela EC 45/04.