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Sob a teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy, as posições de direitos fundamentais são posições prima facie de direitos e não posições definitivas, podendo

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Konrad Hesse considera a disposição constitucional como um limite para a alteração interpretativa da Constituição, pois “uma mudança das relações fáticas pode – ou deve – provocar mudanças na interpretação da Constituição. Ao mesmo tempo, o sentido da proposição jurídica estabelece o limite da interpretação e, por conseguinte, o limite de qualquer mutação constitucional.”

HESSE, Konrad. Op. Cit. A força normativa da Constituição. p. 23. 130

“(...) A freqüência das reformas constitucionais abala a confiança na sua inquebrantabilidade, debilitando a sua força normativa. A estabilidade constitui condição fundamental da eficácia da Constituição.”

Ibdem. p. 22. 131

ZAGREBELSKY, Gustavo. El Derecho Dúctil. Ley, derechos, justicia. Trad. de Marina Gascón. 3a ed. Madrid: Trotta; 1999. p. 13.

63 ao art. 2º, § 1º da LFB, por exemplo, ser “atribuível um princípio que exige a maior medida possível de liberdade geral de ação” 132.

Como um princípio de direito fundamental exige a proteção mais abrangente possível do bem constitucionalmente protegido, segundo Alexy é possível afirmar que uma restrição ao bem protegido é uma restrição ao direito prima facie declarado por um direito fundamental, hipótese em que as restrições a direitos fundamentais podem ser conceituadas “como normas que restringem uma posição prima facie de direito fundamental” 133; normas 134 estas que podem ter a natureza tanto de regras 135 como de princípios 136.

Veja-se, portanto, que Robert Alexy adota uma teoria externa de limitação de direitos fundamentais que é caracterizada por adotar, como coisas distintas, o direito fundamental e a sua restrição, pois entre eles há uma relação específica como decorrência da exigência externa de conciliar os direitos fundamentais dos diversos indivíduos e os interesses coletivos; ou seja, haveria um direito em si aprioristicamente estabelecido e um direito restringido decorrente do que resta definitivamente após a incidência da restrição.

A adoção de uma teoria interna (como a de Friedrich Müller, por exemplo) ou de uma teoria externa de limitação aos direitos fundamentais, depende da forma como se aceita

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ALEXY, Robert. Op. Cit. Teoria dos direitos fundamentais. p. 280. 133

Ibdem. p. 281. 134

Segundo o autor, “restrições a direitos fundamentais são normas que restringem a realização de princípios de direito fundamental.” (grifei)

Ibdem. p. 285. 135

“Uma regra (compatível com a Constituição) é uma restrição a um direito fundamental se, com sua vigência, no lugar de uma liberdade prima facie ou de um direito fundamental prima facie, surge uma não-liberdade definitiva ou um não-direito definitivo de igual conteúdo.” (grifo do autor)

ALEXY, Robert. Op. Cit. Teoria dos direitos fundamentais. p. 280. 136

“Um princípio é uma restrição a um direito fundamental se há casos em que ele é uma razão para que, no lugar de uma liberdade fundamental prima facie ou de um direito fundamental prima facie, surja uma não-liberdade definitiva ou um não-direito definitivo de igual conteúdo.”

64 as normas de direitos fundamentais: ou como mandamentos definitivos ou como mandamentos de otimização.

Nas palavras de Alexy, a adoção do tipo de teoria de limitação de direitos fundamentais depende “(...) da concepção das posições de direitos fundamentais como posições definitivas ou prima facie. Se se parte de posições definitivas, então, a teoria externa pode ser refutada; se se parte de posições prima facie, então é a teoria interna que o pode ser.” 137

É assim que, partindo da premissa fundada em sua teoria de princípios de que os direitos fundamentais decorrem de posições prima facie, Alexy refuta tanto a teoria interna de Friedrich Müller baseada na “extensão material-normativa” decorrente do dispositivo constitucional fundador do direito fundamental, quanto a teoria interna de Rufner baseada em leis gerais, pois ambas são teorias restritivas do âmbito de proteção dos direitos fundamentais sem que a exclusão definitiva da proteção de um direito fundamental seja justificada em um sopesamento entre os direitos fundamentais colidentes 138.

Para Alexy não se pode partir de uma teoria restritiva do suporte fático ou do âmbito de proteção dos direitos fundamentais, porque a própria natureza destes impõe que tudo que apresente uma característica que seja suficiente para a subsunção ao suporte fático da disposição de direito fundamental deva ser considerado como típico a tal espécie de direitos e também porque, no campo semântico dos conceitos de suporte fático, devem ser adotadas interpretações amplas.

Sob a primeira linha, o autor rechaça a teoria das modalidades específicas de Friedrich Müller, segundo a qual “pintar em um cruzamento viário” não seria protegido como a

137

Ibdem. p. 277. 138

“No âmbito dos direitos fundamentais, juízos são corretos somente se puderem ser o resultado de um sopesamento corretamente realizado”, hipótese que exige uma teoria ampla do suporte fático, na qual se “inclui no âmbito de proteção de cada princípio de direito fundamental tudo aquilo que milite em favor de sua proteção.”

65 liberdade artística declarada pelo art. 5º, § 3º da LFB, pois se trata de uma ação “não- específica”, “inserida nos arredores da liberdade artística (...), mas que não pertence a seu âmbito normativo”; o mesmo ocorreria “para uma proibição de pregação ou uma proibição de expressão de opinião política no cruzamento viário já reiteradamente mencionado” ou para “um músico que à noite, na rua ou em apartamento com paredes finas, improvisa suas composições com um trombone” 139.

Para Alexy, a debilidade dessa teoria é clara, pois não há dúvidas de que a atividade de pintar em um cruzamento viário, objeto do exemplo de Müller, é uma ação de exercício do direito fundamental de expressão artística, tal como expresso pela literalidade do art. 5º, § 3º da LFB, vez que o dispositivo declara o referido direito sem restrições e de forma irrestringível. Mas, por outro lado, a referida ação, além de uma expressão da liberdade artística, é também outra coisa: “uma perturbação do fluxo de veículos e uma ameaça ao trânsito”; o que significa que a referida ação, distintamente do que suscita Müller, preenche o suporte fático da norma inscrita na LFB 140.

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Ibdem. p. 313. 140

“(...) ela é uma expressão artística, mas é, ao mesmo tempo, outra coisa – uma perturbação do fluxo de veículos e uma ameaça ao trânsito. Essa segunda característica é uma razão para proibir a ação; mas aquilo que é proibido continua a ser uma expressão artística. No entanto, isso significa que pintar no cruzamento viário preenche o suporte fático da norma permissiva.” (grifei)

66 Por razões substanciais, Alexy expressa a inadequação da teoria de Müller 141, questionando se a ação de pintar no cruzamento ainda seria não-específica, e consequentemente excluída da proteção constitucional, mesmo se houvesse o bloqueio do tráfego de veículos no referido cruzamento viário. Se a fim de manter a validade da teoria de Müller, a resposta for ainda positiva, neste caso também seria possível a retirada do pintor do local onde o mesmo está exercitando a expressão artística, mesmo durante a interrupção do trânsito, o que acarretaria a supressão do pintor em epígrafe de seu “direito de definir autonomamente a forma pela qual ele faz uso de sua liberdade fundamental, mesmo sendo “esse direito (o de exercitar de forma autônoma e independente sua liberdade de expressão artística) (...) uma posição essencial de direito fundamental” 142.

Por razões formais, a teoria de Müller é criticável por, sob uma denominação de não- especificidade e intercambialidade, ocultar as razões que levam ao afastamento da liberdade de expressão artística no exemplo por ele utilizado, quais sejam “os direitos de terceiros e interesses coletivos como a segurança e a fluidez do tráfego viário” 143, pois,

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Cabe-nos aqui ressaltar, ainda que em breve síntese, o alerta feito por Luís Virgílio Afonso da Silva de que a doutrina brasileira tem procedido a uma espécie de “sincretismo metodológico” ao misturar as doutrinas germânicas da limitação de direitos fundamentais de Friedrich Müller e da restrição de direitos fundamentais por meio do sopesamento de Robert Alexy, tal como o fazem Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, vez que os referidos autores sistematizam o tratamento da proporcionalidade, enquanto instrumento de restrição a direitos fundamentais construído sob a teoria de Robert Alexy – teoria externa -, no capítulo de sua obra pertinente aos limites a direitos fundamentais, idéia claramente relacionada com uma teoria interna de limitações de direitos fundamentais, sob a qual não se admite a ideia de sopesamento como uma uma das sub-regras da proporcionalidade, qual seja a proporcionalidade em sentido estrito. (Vide MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; GONET, Paulo Branco. Op. Cit. p. 314/358.)

Como o próprio Robert Alexy já ressalvou em sua obra, a sua teoria dos direitos fundamentais é uma teoria externa de limitação de direitos fundamentais, bem distinta da teoria interna de limitação de direitos fundamentais de Friedrich Muller, hipótese sob a qual, na linha defendida por Luís Virgílio Afonso da Silva, não há espaços para a aplicação de uma teoria combinada dos referidos autores germânicos: “(...) porque ambas partem de concepções irreconciliáveis acerca da definição dos deveres prima facie e definitivos de cada direito fundamental. Müller defende que a definição do âmbito de proteção de cada direito fundamental é feito de antemão, por intermédio dos procedimentos e métodos de sua teoria estruturante e, principalmente, sem a necessidade de sopesamento; enquanto Alexy defende que não há decisões corretas no âmbito dos direitos fundamentais que não sejam produto de um sopesamento.” AFONSO DA SILVA, Virgílio. Interpretação constitucional e sincretismo metodológico. p. 139. In Interpretação constitucional. Virgílio Afonso da Silva (Org.). São Paulo: Malheiros, 2005. p. 115/143. 142

ALEXY, Robert. Op. Cit. Teoria dos direitos fundamentais. p. 315. 143

67 se existem razões para o afastamento da proteção constitucional devida ao pintor no exemplo em referência, “a racionalidade da argumentação jurídica exige que essas razões sejam declaradas” 144, o que impõe a inclusão de uma cláusula de restrição na norma constitucional pertinente ao direito fundamental, mesmo que a disposição constitucional não apresente exceções expressamente positivadas. (grifei)

Já a teoria restritiva do âmbito de proteção dos direitos fundamentais por leis gerais de Rüfner propugna pela existência de leis gerais “que não se relacionam com o exercício do direito fundamental em questão”, pois estão relacionadas com condutas não incluídas no seu âmbito de proteção e não estabelecem “qualquer restrição adicional aos direitos fundamentais”, hipótese em que não seria necessário nem mesmo permitido qualquer sopesamento entre a imposição feita pela lei geral e o direito fundamental restringido 145

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Para Rüfner, do âmbito de proteção do direito fundamental é possível inferir a generalidade da lei e desta seria possível inferir se a lei que é geral para determinado direito fundamental intervém ou não no seu âmbito de proteção, pelo que propõe imaginar, na hipótese de o direito contraposto (proteção à saúde pública) ao exercício de um direito fundamental não for previsto pela Constituição e não encontrar nela qualquer apoio, se “Seria possível realmente defender (...) que uma procissão não poderia ser proibida em face do risco de uma epidemia (...)?” 146

Para Alexy, o fato de a restrição à procissão estar prevista em uma lei geral não pode ser fundamento para considerá-la como válida, mas somente se a razão que a ela se contrapõe for “uma razão de proibição prevista ou suportada pela Constituição” ou uma razão fundamentada na Constituição, pois do contrário “a procissão seria, então, uma conduta religiosa contra cuja proteção constitucional não haveria argumento” e “isso faz com que fique claro que, se ocorre uma exclusão do âmbito de proteção por causa do

144 Ibdem p. 316. 145 Ibdem. p. 318. 146 Ibdem. p. 319.

68 risco de epidemia, essa exclusão se dá com base em uma razão contra a proteção constitucional” 147.

A crítica de Robert Alexy sobre a teoria restritiva do âmbito de proteção de Rüfner sustenta que se aquele exemplo da restrição ao direito fundamental de expressão e liberdade religiosa pode justificar-se independentemente de sopesamentos é porque “a prevalência da contra-razão é tão clara que a realização de um sopesamento se torna completamente supérflua”, pois o risco de epidemia é acentuadamente elevado.

Mas e se o risco de epidemia não fosse tão alto? Um risco ínfimo de epidemia poderia sustentar o afastamento do direito de expressão religiosa encartado em uma procissão religiosa, sem a realização de um sopesamento entre razão e contrarrazão para a proteção constitucional, tal como sustenta Rüfner?

Diante da ausência de resposta juridicamente plausível a tais perguntas na teoria interna de Rüfner, Alexy demonstra que essa teoria restrita do suporte fático seria pertinente nos casos de alto risco de epidemia ou nos casos de nenhum risco de epidemia, mas, certamente, não permite adequadamente resolver “os casos intermediários, que são aqueles juridicamente mais interessantes e nos quais é necessário um sopesamento” 148.

Entrementes, ciente da complexidade do tema que enfrenta e com humildade científica digna de nota, Alexy admite que, de fato, uma teoria ampla do suporte fático ou do âmbito de proteção dos direitos fundamentais não conduz a uma maior proteção definitiva dos direitos fundamentais, mas sim a uma maior proteção prima facie destes,

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“(...) a proteção de um direito fundamental sempre depende da relação entre uma razão a favor dessa proteção e uma razão admissível contrária à proteção, e não de alguma característica do âmbito de proteção identificável independentemente dessa relação entre razões e contra-razões, de algum objeto protegido que deve ou não ser incluído nesse âmbito, ou de leis gerais.”

ALEXY, Robert. Op. Cit. Teoria dos direitos fundamentais. p. 320. 148

“(...) a solução da teoria ampla do suporte fático é consistente e simples. Se uma razão milita em favor da proteção de um direito fundamental, então, deve-se aceitar sua tipicidade, não importa o quão fortes sejam as contra-razões. Isso não significa que em todos os casos seja necessária a realização de extensos sopesamentos. Mas significa que mesmo os casos claros de não-proteção são o produto de um sopesamento, que a possibilidade de um sopesamento deve ser mantida para todos os casos e que em nenhum caso o sopesamento pode ser substituído por evidências de qualquer espécie.”

69 hipótese em que, efetivamente, “aumenta o número de casos cuja solução deve ser representada como resultado de um sopesamento entre uma razão – no âmbito do suporte fático – para a proteção constitucional e uma razão – no âmbito das restrições – contrária a essa proteção” 149, mas isso, de forma alguma, pode ser tido como algo negativo, pois a teoria ampla do suporte fático deve ser estabelecida sob um modelo de dois âmbitos, o dos casos potenciais e o dos casos reais de colisões entre direitos fundamentais.

Para Alexy, a grande maioria dos casos inclui-se no âmbito dos casos meramente potenciais de colisões entre direitos fundamentais, pois “(...) o ordenamento jurídico assume o caráter de um sistema abrangente de soluções para colisões de direitos fundamentais” em que “a maioria das normas do sistema jurídico pertence ao âmbito dos casos meramente potenciais”, como, por exemplo, ocorre com o crime de furto: o fato do furto evidentemente superar os limites da liberdade de ação do indivíduo não afasta a existência prima facie de uma liberdade de fazer o que desejar, o que o torna um caso meramente potencial de direitos fundamentais 150.

Se realmente o ordenamento positivado tem justamente a finalidade de regrar a “massa daquilo que é livre de dúvidas e consensual” 151, por outro lado, para Alexy, um sistema jurídico baseado na prevalência de direitos fundamentais conduz naturalmente à existência de um menor número de casos reais de colisões entre direitos fundamentais que se relacionam a “tudo aquilo que é duvidoso e polêmico” 152.

Daí se pode concluir que somente os casos difíceis ou duvidosos, em que será necessário o recurso ao sopesamento das razões e contrarrazões para a proteção constitucional de um direito fundamental, representam efetivamente colisões entre direitos fundamentais a serem resolvidas através da aplicação da proporcionalidade, pois “(...) sempre que surgirem dúvidas acerca da proteção ou da não-proteção constitucional, a teoria ampla pode pressupor a existência de um caso real de direitos

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ALEXY, Robert. Op. Cit. Teoria dos direitos fundamentais. p. 329. 150 Ibdem. p. 328. 151 Ibdem. p. 326. 152 Ibdem. p. 326.

70 fundamentais, o que abre o caminho para uma argumentação substancial, orientada pela máxima da proporcionalidade” 153. (grifei)

Dando coerência a sua argumentação, Alexy não nega que a teoria ampla do suporte fático conduza a um aumento do número de colisões entre direitos fundamentais, mas suscita que este sempre foi um problema da dogmática dos direitos fundamentais presente em suas tentativas de solução 154.

Portanto, o aumento de casos reais de direitos fundamentais em que seria necessário um sopesamento entre as razões para a proteção constitucional de direito fundamental e as razões para sua restrição não pode ser tido como negativo, em especial porque essa postura encontra-se sob o manto do postulado “segundo o qual todos os pontos de vista relevantes para um determinado caso devem ser levados em consideração” 155.

Como Alexy reforça que esse postulado conduz à contrapartida racional de outro postulado segundo o qual “aquilo que não é duvidoso, ou aquilo sobre o qual há consenso, não necessita de fundamentação”, daí se percebe que nas situações de conflitos normativos relacionadas a meros casos potenciais de direitos fundamentais não será preciso recorrer-se à utilização de sopesamentos complexos 156.