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A consolidação da OIT no contexto de criação da ONU

4 “O TRABALHO NÃO É UMA MERCADORIA”: A EVOLUÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO E A OIT

4.1 A gênese do Direito Internacional do Trabalho e a criação da OIT: um legado do

4.1.3 A consolidação da OIT no contexto de criação da ONU

Os primeiros anos de atividade da OIT foram de intensa produção normativa. Crivelli observa que nesse período a organização se dedicou a regulamentar condições de trabalho e emprego e quando da deflagração da Segunda Guerra mundial, a OIT já havia aprovado 67 Convenções e 65 Recomendações362.

Durante esse intenso período, a OIT foi ganhando autonomia em relação ao sistema da SDN criado pelo Tratado de Versalhes. Na medida em que a SDN explicitava suas fraquezas e perdia terreno político, a OIT, como agência especializada, se tornava mais e mais independente em relação à organização-mãe363. Uma vez que a OIT era parte integrante da SDN, a forma de adesão de um Estado àquela organização era entrar na Sociedade. Essa regra foi se flexibilizando, o que contribuiu para aumentar a autonomia política, administrativa e financeira da OIT364. Assim, países não aceitos para participarem da SDN, aderiram à OIT e nela ingressaram. O autor cita ainda o caso do Brasil, que se retirou da SDN devido ao ingresso da Alemanha na organização, permanecendo, contudo, como Estado-membro da OIT365.

O fim da Segunda Guerra mundial descortinou um novo cenário nas relações internacionais. As ruínas físicas e humanas desse conflito levaram a rascunhos de um direito internacional que efetivamente assegurasse dignidade às pessoas; obra inconclusa, muitos são ainda os obstáculos para que o rascunho se afigure como desenho pronto e acabado.

Como vimos no primeiro capítulo, o conceito moderno de dignidade surge para negar a instrumentalização do ser humano. Nesse contexto, a proteção de melhores condições de trabalho entra no bojo da institucionalização dos direitos humanos no âmbito internacional, o que culminou com a criação de uma organização de caráter universal, a ONU, substituta da SDN, mas com escopo muito mais abrangente. O nascimento da ONU e a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 busca causar uma ruptura na história ao se opor

362

CRIVELLI, op. cit., p. 59. 363

KARNS; MINGST, op. cit., p. 71. 364

CRIVELLI, op. cit., p. 61. 365

vigorosamente contra o totalitarismo nazista366. A nova organização albergou em sua estrutura organizações já existentes, na qualidade de agências especializadas, tais como a União Internacional das Telecomunicações, criada em 1865, e a própria OIT.

Além dos avanços na estrutura do novo sistema ao qual a OIT passava a fazer parte, a Segunda Guerra também suscitou uma reestruturação da própria OIT, que reviu alguns de seus objetivos, buscando readequá-los ao contexto social e jurídico internacional após a guerra. Essa atualização se deu através da Declaração da Filadélfia, de 1944, cujo texto foi incluído como anexo ao texto da constituição da OIT. A Declaração reafirmou peremptoriamente o princípio de que o trabalho não pode ser considerado mercadoria367, além de trazer em destaque preocupações socioeconômicas que vieram à tona após a escalada inflacionária no período entre guerras e que se tornou um dos fatores para a eclosão do conflito bélico368.

A Declaração da Filadélfia assume papel de grande relevância por anunciar uma nova abordagem da organização, não mais apenas pautada na positivação de normas juslaborais, mas também pela adoção de programas objetivando eliminar desigualdades sociais e econômicas. Essa orientação vai ser retomada com mais ênfase em meados dos anos 1990, após o surgimento da Organização Mundial do Comércio.

Para Süssekind, a mais importante inovação na Declaração da Filadélfia foi a extensão da competência da OIT para tratar de problemas econômicos e financeiros no que estes influem na justiça social369. As lições trazidas pela crise de 1929 e sua superação através do New Deal e programas de valorização do bem-estar social (Welfare State) entraram na agenda da OIT. No que concerne às questões econômicas relacionadas ao trabalho, a Declaração ressalta a justiça social como objetivo principal da Organização e como fonte para se alcançar a paz duradoura, além de destacar a competência da OIT para atuação junto a programas dessa natureza:

Art. II - […] c) quaisquer planos ou medidas, no terreno nacional ou internacional, máxime os de caráter econômico e financeiro, devem ser considerados sob esse

366

Cf. BADIE, Bertrand. La diplomatie des droits de l'homme: entre éthique et volonté de puissance. Paris: Fayard, 2002, pp. 81-113.

367 “Art. I - A Conferência reafirma os princípios fundamentais sobre os quais repousa a Organização,

principalmente os seguintes: a) o trabalho não é uma mercadoria; […]”

368

A Alemanha da República de Weimar viu a pior inflação de sua história entre janeiro de 1922 e dezembro de 1923, quando foi registrado pelo Reichsbank índice inflacionário da ordem de 3250000%.

369

SÜSSEKIND,op. cit., p. 128. Essa é uma mudança relevante a ser considerada para as discussões acerca da relação entre comércio internacional e direito do trabalho, pois demonstra o interesse da OIT em atuar, ainda que indiretamente, na seara do direito econômico.

ponto de vista e somente aceitos, quando favorecerem, e não entravarem, a realização desse objetivo principal;

d) compete à Organização Internacional do Trabalho apreciar, no domínio internacional, tendo em vista tal objetivo, todos os programas de ação e medidas de caráter econômico e financeiro;

e) no desempenho das funções que lhe são confiadas, a Organização Internacional do Trabalho tem capacidade para incluir em suas decisões e recomendações quaisquer disposições que julgar convenientes, após levar em conta todos os fatores econômicos e financeiros de interesse.

Ademais, a defesa dos direitos do trabalho como direitos humanos fundamentais ampliou o horizonte de produção normativa, para incluir valores de liberdade, igualdade e dignidade, temas diretamente abordados no art. IV da Declaração. A Declaração da Filadélfia ressalta ainda a necessidade de manutenção do comércio internacional em condições equitáveis, com vistas ao progresso de regiões menos desenvolvidas e pautado na manutenção da estabilidade nos preços mundiais de matérias-primas e produtos370.

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