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4 “O TRABALHO NÃO É UMA MERCADORIA”: A EVOLUÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO E A OIT

4.4 Sistema de controle de normas da OIT

4.4.2 O controle provocado

Esta é a via procedimental considerada como sendo o contencioso no âmbito da OIT, pois é impulsionada por meio de uma recla mação ou uma queixa, por qualquer Estado- membro interessado, por organizações de empregadores ou trabalhadores, ou ainda por

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CRIVELLI, op. cit., p. 85. 418

decisão do Conselho de Administração. Difere, portanto, em muito do controle regular por funcionar independentemente da vontade do Estado-membro em prestar informações.

A reclamação é o sistema de controle da OIT mais antigo em funcionamento. Fundamenta-se nos art. 24 e 25 da Constituição, que assim dispõem:

Art. 24 - Toda reclamação, dirigida ao Escritório Internacional do Trabalho, por uma organização profissional de empregados ou de empregadores, e segundo a qual um dos Estados-Membros não tenha assegurado satisfatoriamente a execução de uma convenção a que o dito Estado haja aderido, poderá ser transmitida pelo Conselho de Administração ao Governo em questão e este poderá ser convidado a fazer, sobre a matéria, a declaração que julgar conveniente.

Art. 25 - Se nenhuma declaração for enviada pelo Governo em questão, num prazo razoável, ou se a declaração recebida não parecer satisfatória ao Conselho de Administração, este último terá o direito de tornar pública a referida reclamação e, segundo o caso, a resposta dada.

O mecanismo de controle por reclamação confere o direito a organizações profissionais de trabalhadores e empregadores de apresentar ao Conselho de Administração uma reclamação contra um Estado-membro que “não tenha assegurado satisfatoriamente a

execução de uma convenção”.

Dessa forma, os sujeitos ativos legitimados para propor uma reclamação são entidades de representação profissional de empregados ou de empregadores, devendo ter personalidade jurídica reconhecida, não podendo ser apenas organizações de fato. Essas

entidades podem ser de âmbito nacional ou internacional e, “em se tratando de organização

profissional nacional, não é necessário que a reclamação se refira a inaplicação de convenção

pelo país em que tem sede”419

. Indivíduos não podem propor reclamações diretamente ao Conselho de Administração, mas eles podem transmitir as informações necessárias a uma organização de trabalhadores ou empregadores para que o faça420.

Cumpre observar que a reclamação deve ser feita ante o descumprimento de uma convenção ratificada, pelo que se exclui a aplicabilidade desse mecanismo em relação a recomendações e convenções adotadas pela OIT, mas não ratificadas pelo Estado-membro421. Dessa forma, o objeto da reclamação é o descumprimento de convenção ratificada.

A reclamação é endereçada ao Diretor Geral, que informa o governo interessado e a transmite ao Conselho de Administração. Nesse primeiro momento, o Conselho exerce

419

Idem, p. 266. 420

OIT, Les règles du jeu, op. cit., p. 90. 421

Para esses casos, é cabível o disposto no art. 30 da Constituição da OIT:

Art. 33 – Caso um dos Estados-Membros não tome, relativamente a uma convenção ou a uma recomendação, as medidas prescritas nos parágrafos 5 b, 6 b, ou 7 b, I do art. 19, qualquer outro Estado-Membro terá o direito de levar a questão ao Conselho de Administração. O Conselho de Administração submeterá o assunto à Conferência, na hipótese de julgar que o Membro não tomou as medidas prescritas.

exame de admissibilidade quanto à forma da reclamação422. Admitida a reclamação, o Conselho de Administração designará uma comissão tripartite composta por três de seus membros para examinar o mérito da questão em caráter confidencial. Todavia, se a reclamação tiver por objeto convenção concernente a direitos sindicais, deverá ser encaminhada ao Comitê de Liberdade Sindical, para que a examine.

Durante sua análise do caso, a comissão tripartite designada poderá solicitar informações complementares à organização reclamante, comunicar a reclamação ao governo solicitando-lhe que se manifeste a respeito e ainda pedir informações complementares à resposta do governo.

O juízo de mérito da comissão é exposto em um relatório, apresentando conclusões e propondo recomendações. O relatório é endereçado ao Conselho de Administração, que deliberará se adota ou não as recomendações apresentadas. Se a resposta do governo às recomendações não é satisfatória, o Conselho de Administração determinará a publicação da reclamação e da resposta dada pelo governo. Crivelli ressalta que “as recomendações ao governo reclamado, contidas na decisão do Conselho de Administração,

serão acompanhadas pela Comissão de Peritos”423

, passando, assim a estarem sob observação da via regular do sistema de controle.

Também dentro do sistema de controle provocado, a Constituição da OIT prevê a queixa. Esse mecanismo pode ser acionado por um Estado-membro contra outro Estado, também membro da OIT, que esteja em descumprimento de uma convenção que ambos tenham ratificado. Não é necessário ter havido ratificação em relação às convenções fundamentais. O Conselho de Administração também pode suscitar o procedimento ex officio ou a partir de queixa apresentada por delegado da Conferência Internacional do Trabalho424. O Estado denunciante não precisa invocar prejuízo direto. A queixa pode ser também iniciada

422

Os requisitos formais observados são: a forma escrita; a procedência de uma organização profissional de empregadores ou trabalhadores dotada de personalidade jurídica; a expressa referência ao art. 24 da Constituição da OIT; a referência explícita a um Membro da Organização e uma convenção por esse ratificada; a afirmação de que o Estado-membro não assegura satisfatoriamente o efetivo cumprimento da convenção em causa. OIT, Handbook of procedures relating to international labour Conventions and Recommendations, op. cit., p. 48. 423

CRIVELLI, op. cit., p. 86. 424

O procedimento de queixa está disciplinado nos arts. 26 a 34 da Constituição:

Art. 26 – 1. Cada Estado-Membro poderá enviar uma queixa ao Escritório Internacional do Trabalho contra outro Estado-Membro que, na sua opinião, não houver assegurado satisfatoriamente a execução de uma convenção que um e outro tiverem ratificado em virtude dos artigos precedentes. […] 4. O Conselho também poderá tomar as medidas supramencionadas, quer ex officio, quer baseado na queixa de um delegado à Conferência.

pelo Conselho de Administração por recomendação do relatório da comissão tripartite que analisou uma reclamação.

Recebida a queixa, o Conselho de Administração pode solicitar esclarecimentos iniciais ou designar desde logo uma Comissão de Inquérito. Essa Comissão de Inquérito deverá ser composta de três membros independentes, escolhidos com base nos critérios de integridade, imparcialidade e reputação. A Comissão terá por missão proceder a um exame aprofundado da queixa, de maneira a verificar os fatos e formular recomendações quanto às medidas a serem tomadas na solução dos problemas levantados.

A Comissão de Inquérito é o mais alto nível de investigação da OIT e é geralmente formada quando um Estado-membro é acusado de graves e reiteradas violações, além de ter-se recusado recalcitrantemente a solucionar os problemas. Süssekind observa que a queixa um procedimento de natureza judicial, devendo, portanto arrimar-se de todas as garantias de imparcialidade que um processo judicial pressupõe425.

Essa Comissão tem ampla liberdade para instruir o processo, seja visitando o país contra o qual foi formulada a queixa, para coleta de informações in loco, seja ouvindo autoridades locais, trabalhadores e empregadores. Diversamente da análise passiva que se empreende no procedimento de reclamação, a Comissão pode ativamente coletar dados e tomar as medidas necessárias para obter informações pertinentes426.

Depois de analisada a queixa, a Comissão de Inquérito preparará um relatório expondo o resultado de suas constatações e formulará recomendações que julgue necessárias para a solução do problema. No relatório, a Comissão estipulará prazos para que o Estado- membro adote as medidas recomendadas (art. 28 da Constituição). O relatório, apresentado ao Diretor Geral da OIT, será transmitido por este ao Conselho de Administração.

As recomendações contidas no relatório final da Comissão de Inquérito podem ser questionadas perante a Corte Internacional de Justiça427, o que evidencia a natureza jurisdicional do trabalho da Comissão de Inquérito. A CIJ pode modificar as conclusões e recomendações, por meio de decisão inapelável. Nesse sentido, Crivelli entende que se deva concluir pelo reconhecimento da natureza jurisdicional do trabalho da Comissão, visto que

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SÜSSEKIND, op. cit., p. 269. 426

Cumpre ressaltar a excepcionalidade dessa via de controle. Até o momento apenas 13 comissões de inquérito foram formadas, sendo que a última se deu em 2008, com base em queixa (art. 26, da Constituição) contra o governo do Zimbábue, por violações a direitos relativos à liberdade sindical.

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Art. 29 – […] 2. Cada Governo interessado deverá comunicar ao Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho, dentro do prazo de três meses, se aceita ou não as recomendações contidas no relatório da Comissão, e, em caso contrário, se deseja que a divergência seja submetida à Corte Internacional de Justiça.

“seria incompreensível reconhecer-se à corte internacional a natureza jurisdicional e àquele que desenvolve verdadeiro procedimento de conhecimento natureza diversa”428

.

Caso um país se recuse a aplicar as recomendações formuladas por uma Comissão de Inquérito ou em decisão da Corte Internacional de Justiça, o Conselho de Administração pode tomar “qualquer medida que lhe pareça conveniente para assegurar a execução das

mesmas recomendações”. Esse artigo possibilita ao Conselho de Administração largos

poderes para endereçar medidas que podem, inclusive, ser um pedido de atenção ao Conselho de Segurança das Nações Unidas429, o que nunca ocorreu. Ao final do procedimento, o caso será acompanhado pela via do controle regular.

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