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A Primeira Guerra Mundial: catalisador para a formação da OIT

4 “O TRABALHO NÃO É UMA MERCADORIA”: A EVOLUÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO E A OIT

4.1 A gênese do Direito Internacional do Trabalho e a criação da OIT: um legado do

4.1.2 A Primeira Guerra Mundial: catalisador para a formação da OIT

O sangrento conflito não impediu a continuação de avanços para a criação de uma legislação internacional do trabalho. Ao contrário, o fato de o conflito ter mobilizado um

347

Idem, p. 92 348

CRIVELLI, op. cit., p. 50 349

Dentre as quais se destacam a proibição do trabalho noturno das mulheres na indústria e outra sobre o emprego do fósforo branco na indústria de fósforos, aprovadas na Conferência da Associação de 1905, em Berna. Para Süssekind, essa Conferência a marcou o nascimento da legislação internacional do trabalho, pela adoção de tratados multilaterais e um esboço de controle de aplicação de normas.

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elevado número de trabalhadores e ter sido marcado por uma alta letalidade, Crivelli observa

que “se exigiu um clima de cooperação entre as autoridades beligerantes e as lideranças sindicais”351

para que se mantivessem os índices de produtividade necessários à produção de insumos para a guerra.

Nos EUA, a Federação Americana do Trabalho352 já negociava com outras entidades sindicais a inserção, num futuro tratado de paz, de um estatuto que contivesse normas protetivas ao trabalho. Ademais, a Federação propunha a realização, tão logo fosse declarado o armistício, de uma conferência de trabalhadores de diversos países, a ser realizada no mesmo local e data onde se realizasse a conferência de paz353.

O interesse de uma regulamentação protetiva para o trabalhador era ainda reforçado à medida que os bolcheviques avançavam em sua revolução na Rússia. Ademais, o fato de muitos trabalhadores terem sido recrutados para a guerra – do qual muitos não retornaram às suas casas – e esse conflito ter como suas razões centrais a busca por mercados consumidores e áreas de influência comercial, acentuava a necessidade de uma legislação que atenuasse os problemas da competição internacional.

Em resposta às movimentações da Federação Americana do Trabalho, muitos sindicatos europeus354 passaram a se mobilizar e organizaram, em 1916, uma conferência realizada em Leeds, na Inglaterra. Essa conferência teve grande importância para a posterior criação da Organização Internacional do Trabalho, quando do Tratado de Versalhes, pois reivindicou a inclusão de garantias de proteção ao trabalhador no futuro tratado de paz (direito de associação, migração, seguro social, jornada, seguridade social), além de ter recomendado

a criação de um “Bureau Internacional do Trabalho”, em moldes semelhantes, porém mais

alargados, aos da Associação Internacional para a Proteção Legal dos Trabalhadores355. O fim do conflito bélico proporcionou um ambiente propício à discussão das propostas de institucionalização da regulamentação do trabalho em nível internacional. Assim, uma das primeiras determinações da Conferência de Paz, instalada em janeiro de 1919, foi a criação da Comissão de Legislação Internacional do Trabalho, com a designação

351

CRIVELLI, op. cit., p. 51. 352

A Federação Americana do Trabalho (AFL, do inglês American Federation of Labor) foi fundada em 1886 e sempre se posicionou contrariamente aos ideais socialistas. Formada por inúmeros sindicatos, a Federação foi, por muitas vezes, como na Primeira Guerra Mundial, um intermediário buscando a cooperação entre capital e trabalho.

353

SÜSSEKIND, op. cit., p. 96. 354

Dentre os outros sindicatos, tiveram participação de destaque a Central Géneral de Travailleurs (CGT), da França, e a Trade Union Congress (TUC), da Inglaterra.

355

HOWARD-ELLIS, Charles. The origin, structure & working of the League of Nations. New Jersey: The Law Book Exchange Ltd., 2003, p. 214.

de estudar a melhor forma a ser adotada para uma agência permanente especializada em assuntos de condições de trabalho. É interessante notar que a conferência – de natureza eminentemente diplomática – incluiu representantes dos trabalhadores entre seus membros. Isso viria a ser um dos componentes fundamentais da OIT, organização cuja estrutura é, conforme veremos, tripartite356.

Dentre as inúmeras propostas apresentadas – com destaque àquelas desenvolvidas pelas delegações norte-americana, francesa e britânica –, muitas das sugestões compõem a constituição da OIT. Outras são ainda hoje objetos de muitas discussões como, por exemplo, a adoção de sanções para os infratores de normas internacionais do trabalho e a sugestão da delegação britânica de sanções comerciais para esses casos357.

Destarte, por ocasião do Tratado de Paz de Versalhes de 1919, foi determinada a criação da OIT (Capítulo XIII do Tratado), reconhecendo o legado da Associação Internacional para a Proteção Legal dos Trabalhadores e a própria composição tripartite da Comissão de Legislação Internacional do Trabalho da Conferência de Paz, na medida em que estabeleceu como elemento básico de sua estrutura organizacional o tripartismo – com a participação de representantes dos Estados-membros, de trabalhadores e de empregadores. Além disso, o Tratado insculpiu, como vimos no tópico 2.3, um rol de princípios fundamentais do trabalho que viriam a influenciar legislações trabalhistas em todo o mundo358.

Também a questão do controle dos instrumentos normativos – Convenções ou Recomendações – foi tratada por ocasião da Conferência. Assim, ficou definido que os Estados que tivessem recepcionado as normas acordadas através de suas autoridades internas competentes deveriam comunicar a ratificação ao secretariado da Organização e tomar as medidas necessárias à aplicação do conteúdo normativo.

356

CRIVELLI, op. cit., p. 55. 357

Idem, p. 54. 358

As políticas trazidas à baila pela Constituição da OIT são, ainda hoje, referência para legislações internas de muitos países no que concerne o Direito do Trabalho. Rodgers et alli elencam seis preocupações centrais frisadas na Constituição: (1) A promoção do pleno emprego e elevação dos padrões de vida em trabalhos através dos quais os trabalhadores possam desenvolver suas habilidades com igual oportunidade para homens e mulheres, além de possibilitar facilidades para treinamento e migrantes; (2) estabelecimento de padrões salariais adequados, incluindo uma justa participação nos frutos do progresso; (3) regulação da jornada de trabalho, incluindo o estabelecimento de um máximo de dias de trabalho por semana além do descanso semanal; (4) Proteção de crianças, jovens e mulheres, incluindo a erradicação do trabalho infantil, limitações ao trabalho de jovens e a provisão de políticas de proteção à criança e à maternidade; (5) proteção dos interesses socioeconômicos de trabalhadores empregados em país diverso do seu país de origem. (6) extensão da seguridade social através de medidas que garantam um rendimento básico a trabalhadores idosos e afastados por motivo de doença. Cf. RODGERS et alli, op. cit., p. 8.

Outrossim, mecanismos então inovadores de controle foram adotados, como a obrigatoriedade na apresentação de relatórios periódicos dando conta do cumprimento das obrigações assumidas internacionalmente. Sistemas sancionatórios foram também previstos, como a possibilidade de uma organização patronal ou de trabalhadores interporem uma Reclamação contra Estado que descumpra obrigação prevista em uma Convenção por ele ratificada; ou de uma Queixa, por parte de um Estado contra outro, motivada pelo descumprimento de obrigação prevista em Convenção.

Assim nasce a OIT como um órgão acessório à Sociedade das Nações (SDN). Esta, fruto do liberalismo do presidente norte-americano Woodrow Wilson359 que vislumbrou um sistema de segurança coletiva entre países para prevenir guerras através da promoção da autodeterminação dos povos e equilibrando poderes políticos360. Dessa forma, o Tratado de Versalhes definiu a OIT como organização autônoma à SDN – ladeada à outra organização autônoma da SDN, a Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI) – devendo cooperar com a Sociedade na ampla missão de garantir paz e justiça social.

É possível observar que a OIT é de fato a culminação dos movimentos pela defesa de melhores condições de trabalho que travaram muitas lutas no curso desse “longo século

XIX”, tendo sido a Primeira Guerra Mundial um agente catalisador de forças em prol de uma

legislação juslaboral de cunho internacional. A OIT é, portanto, fruto de uma ampla construção social e histórica que contou com a contribuição dos mais variados atores sociais: políticos, intelectuais, industriais, juristas, sociólogos, economistas e por óbvio, trabalhadores. Howard-Ellis considera que a OIT é a herança da Associação Internacional para a Proteção Legal dos Trabalhadores, indo mesmo além, pois tem um componente misto de governos, trabalhadores e empregadores, estes ausentes na estrutura da Associação, fato a que se atribui sua fraqueza. Outra referida superação de deficiência em relação à Associação é o fato de a OIT ser dotada de mecanismos para formalizar e obrigar os Estados-membros361.

A primeira constituição da OIT expressa as ideias centrais que deveriam pautar a sua atuação. Dentre elas, é relevante destacar a declaração preambular de que a paz universal só pode ser estabelecida com base na justiça social. Depreende-se ainda o reconhecimento de que o trabalho não pode ser considerado como uma mercadoria. A constituição original

359

Apesar de ter sido vislumbrada e praticamente criada por Woodrow Wilson, os Estados Unidos não tomaram parte na Sociedade de Nações.

360

KARNS, Margaret P.; MINGST, Karen A. International Organizations: the politics and processes of global governance. 2.ed. Londres: Rienner, 2010, p. 36.

361

HOWARD-ELLIS, op. cit., p. 220. O autor reforça seu posicionamento argumentando que a prova de que a OIT é herdeira daquela Associação é o fato de que esta fora dissolvida após criação da OIT e muitos de seus funcionários (que trabalhavam na sede da Associação na Basiléia) foram compor o núcleo inicial da OIT em Genebra.

defende também a liberdade de associação, para empregadores e trabalhadores, e o direito à negociação coletiva.

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