• Nenhum resultado encontrado

Processos de tomada de decisões e críticas à estrutura da OMC

5 A OMC E A PROTEÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS

5.2 Funções, estrutura e funcionamento da OMC

5.2.3 Processos de tomada de decisões e críticas à estrutura da OMC

Ao contrário do que ocorre com a OIT, onde as decisões são tomadas por votação, inclusive com a participação de entes não estatais (representantes de trabalhadores e de empregadores), na OMC as decisões são tomadas por consenso. Esta é uma característica herdada do GATT 1947 e visa a assegurar que apenas decisões com boas chances de convencimento de todas as partes sejam apresentadas. As votações da OMC homenageiam o princípio da igualdade soberana, não prevalecendo a importância econômica de um Estado sobre outro de menor expressão.

A tomada de decisões por consenso tem a vantagem de garantir aos participantes que uma decisão não seja tomada sem o seu assentimento, dando às partes um poder de veto. É compreensível que no nascedouro do GATT, ante a tanta desconfiança em relação ao multilateralismo, as decisões só pudessem ser tomadas mediante consenso. Nesse sentido, o Acordo da OMC dispõe que “[a] OMC continuará a prática de processo decisório por consenso, seguida pelo GATT 1947” (art. IX, 1).

Por esse sistema, uma decisão é tomada a menos que pelo menos um membro manifeste-se explicitamente posição contrária à decisão. Não há votação. O Acordo prevê no mesmo dispositivo a possibilidade, caso não haja disposição em contrário, de votação para situações em que o consenso não tenha sido alcançado. Nesse caso, a decisão é normalmente tomada por maioria simples (exceto norma específica em contrário acerca de algumas matérias), sendo cada país detentor de um voto. As situações em que votações são autorizadas estão expressamente previstas no Acordo da OMC. Dentre estas, destacam-se as votações para a alteração de dispositivo de acordos multilaterais, previstas nos parágrafos do art. X,

516

Até porque o GATT fora criado como um acordo, tendo assumido a feição de uma organização internacional

de facto ante à falta de criação Organização Internacional do Comércio. 517

Carta de Havana, art. 87, 2: “The Organization may make suitable arrangements for consultation and co- operation with non-governmental organizations concerned with matters within the scope of this Charter.”

havendo determinados dispositivos que só podem ser alterados exclusivamente por consenso518. Também o Órgão de Solução de Controvérsias delibera por meio de consenso.

A estrutura da OMC, bem como a forma como se dão as tomadas de decisão são alvos de muitas críticas. Matsushita et alli destacam que a fórmula do consenso é bastante dificultosa, notadamente porque envolve todos os Estados membros, com diferentes graus de competitividade e capacidade econômica. Para os autores, seria necessário criar um Órgão Executivo que tivesse competência para tomada de decisões e cujos membros fossem escolhidos com base em critérios como Produto Interno Bruto (PIB), participação no comércio internacional, população, grau de desenvolvimento e representatividade geográfica519. A sugestão dos autores faz lembrar o Conselho de Administração da OIT, o qual é formado por representatividade de países, havendo inclusive a presença de membros fixos dentre os países mais industrializados (onde figura o Brasil).

Matushita et alli e Bossche chamam a atenção ainda para o risco desse processo decisório tão dificultoso conduzir a tomadas de decisões em apartado, em círculos restritos de participantes520. Isso porque, para muitos países em desenvolvimento, com óbvias dificuldades de discutir matérias em igualdade de condições, o consenso termina sendo uma forma de imposição de medidas por parte dos países mais desenvolvidos.

Por conseguinte, a forma como os processos são levados a cabo reduz a transparência que se espera de uma organização com diversidade de membros que tem a OMC. Nesse sentido, Matushita et alli sugerem medidas como a participação de observadores não estatais, a criação de órgãos de assessoria ad hoc, maior abertura de canais de comunicação com o público em geral.

Embora a participação de ONGs tenha aumentado, é ainda notória a resistência em sua inclusão como realmente tomando parte nos debates da OMC, assim como ocorre na OIT. Nesse pisar, Bossche aponta quatro vantagens e quatro desvantagens para uma maior aproximação da OMC com ONGs. Dentre as vantagens o autor ressalta a capacidade que as ONGs têm de prover os Estados membros com informações relevantes e especializadas para os processos decisórios e inclusive para os processos de solução de controvérsias. Paralelamente, a participação de ONGs asseguraria maior legitimidade à OMC e consequente acréscimo de confiança por parte do público em geral, o que refletiria em maior clareza nos

518

São eles o arts. IX e X do Acordo da OMC, arts. I e II do GATT 1994, art. II, 1 do GATS, art. 4 do TRIPS. Cf. art. X, 2 do Acordo da OMC.

519

MATSUSHITA; SCHOENBAUM; MAVROIDIS, op. cit., p. 15.

520Idem, p. 14. Bossche denuncia as “reuniões da sala verde” (green room meetings

), onde decisões são tomadas a portas fechadas, em círculos restritos de participantes. BOSSCHE, op. cit., p. 149.

processos decisórios. Outrossim, a participação de ONGs emergiria interesses de caráter transnacional, ou seja, pautas internacionais por excelência. Finalmente, a participação de ONGs permitiria a representatividade da sociedade civil de países em que processos democráticos não ocorrem, ou são apenas de fachada.

Por outro lado, o autor aponta igualmente quatro desvantagens para inclusão das ONGs. Inicialmente, é de se ressaltar que as ONGs representam, no mais das vezes, interesses específicos, e não o interesse do público em geral. Destarte, a inclusão de ONGs poderia provocar ainda mais desigualdade na representatividade em processos decisórios. De mesmo, muitas ONGs carecem de legitimidade. De fato, é difícil aferir o grau de legitimidade de uma ONG e preterir alguma em favor de outra sem critérios objetivos. Ademais, muitos países em desenvolvimento veem ONGs com restrições, pois estas entidades promovem interesses aos quais os países são contrários. É o caso da proteção do meio ambiente e dos direitos de trabalhadores em países menos desenvolvidos, que têm nessas medidas fatores que dificultam a competitividade e a participação no comércio internacional. O autor acrescenta que o processo de consenso já é difícil entre os países membros; que se diria então com a inclusão de ONGs521.

As críticas são válidas, mas deve-se observar que a OMC tem buscado maior transparência. Com divulgação de materiais, inclusive com a transmissão ao vivo (via internet) de reuniões e a crescente participação de ONGs, ainda que na qualidade de observadoras. Esse processo de busca por legitimidade não se restringe à OMC, alcançando ainda o sistema ONU e diversas outras instituições do direito internacional (e.g. FMI, Banco Mundial, e cortes internacionais). Nesse sentido, como ressaltamos no capítulo anterior, a estrutura tripartite da OIT, embora também passível de críticas, é ainda um modelo inovador em seus quase cem anos de existência.

Outro aspecto fundamental para se compreender o funcionamento da OMC e sua relação com temas transversais como o direito internacional do trabalho, é o seu arcabouço normativo e sua relação com o direito internacional como um todo.

521

5.3 O comércio internacional jurisdicionalizado: o sistema de solução de controvérsias

Outline

Documentos relacionados