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CAPÍTULO 2: CONTROLE DOS RISCOS DOS AGROTÓXICOS

3.1. Os agrotóxicos no Direito Constitucional Brasileiro

3.1.1. A Constituição Federal e a gestão dos riscos dos

O tema do controle dos riscos dos agrotóxicos está contemplado no ordenamento jurídico pátrio em diversos instrumentos legais, os quais devem se curvar aos preceitos constitucionais que orientam a matéria.

2003. xv, 193p. p. 30 -32. Disponível em: <http://data.iucn.org/dbtw- wpd/edocs/EPLP-048.pdf>. Acesso em 6 de maio de 2013.

Na Constituição Federal de 1988, há diversos dispositivos que se destinam a orientar a gestão dos riscos dos agrotóxicos, ainda que a referência expressa ao termo agrotóxico possa ser encontrada em apenas um dispositivo da Lei Maior. Trata-se do disposto no § 4º, do artigo 220, que prevê a possibilidade de o Poder Público, por meio de lei, criar restrições às propagandas comerciais dos agrotóxicos, entre outros produtos, determinando ainda a obrigação de, sempre que necessário, se inserir uma advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso401.

Apesar de não deixar expresso, é possível se verificar que em diversos outros dispositivos a Constituição Federal trata de temas que também se destinam à gestão dos riscos dos agrotóxicos, sendo eles: a) a propriedade; b) a atividade econômica; c) a defesa do consumidor; d) a saúde; e) o trabalho; e f) o meio ambiente.

A propriedade é considerada um direito fundamental nos termos da Constituição Brasileira402. Deverá, contudo, atender alguns requisitos, como a necessidade de exercer a sua função social. É o que o artigo 5º, inc. XXIII, estabelece ao determinar que “a propriedade atenderá a sua função social”403

. A função social é cumprida quando a propriedade atende simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos, previstos nos incisos do artigo 186, que regula a propriedade rural:

401

Dispõe o § 4º, do artigo 220, da Constituição Federal: “A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso”.

402

O caput do artigo 5º, inserido no “Título II: Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, assim dispõe: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”.

403

Dispõe o § 4º, do artigo 220, da Constituição Federal: “A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso”.

I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (grifou-se).

Verifica-se, pois, que a função social da propriedade relaciona-se com a regulação do uso dos agrotóxicos na medida em que esta deve ser utilizada observando-se, dentre outros critérios, a preservação do meio ambiente. Machado, ao tratar sobre a função social da propriedade, afirma ser ela um princípio que, de forma contínua, emite sua mensagem para os juízes, legisladores e órgãos da administração, além de ser dirigido aos próprios proprietários404.

Além do dispositivo relacionado à função social da propriedade, a Constituição Federal regulou a atividade econômica, atividade essa da qual os agrotóxicos também participam e com grande relevância em termos de rentabilidade405, conforme já estudado. O artigo 170, da C.F. asseverou que a ordem econômica deve se fundar, entre outros princípios, no princípio da defesa do meio ambiente, nos termos abaixo transcritos:

Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

404

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 21 ed. Rev. Atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 180.

405

Conforme já estudado no primeiro capítulo, o segmento vem apresentando faturamento crescente nos últimos anos, atingindo US$ 8,5 bilhões em 2011, com alta de 16% em relação a 2010 (US$ 7,3 bilhões). ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS INDÚSTRIAS DE QUÍMICA FINA, BIOTECNOLOGIA E SUAS ESPECIALIDADES. Defensivos Agrícolas. Disponível em: <http://www.abifina.org.br/noticiaSecao.asp?secao=1&noticia=1918>. Acesso em: 30 de abr. 2013.

(...)

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

No dispositivo supramencionado, é possível se verificar que a Constituição Federal tratou de possibilitar uma regulação diferenciada para as atividades econômicas, a depender do impacto ambiental de seus produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.

Deve-se ainda registrar, quando do exame dos dispositivos constitucionais que tratam dos agrotóxicos, que a Lei Maior determinou em seu art. 5º, inc. XXXII, que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. Conforme se sabe, os consumidores são afetados pelos agrotóxicos na medida em que muitos dos alimentos disponíveis no mercado contêm tais produtos. Infelizmente, ainda não existe no ordenamento jurídico uma norma obrigando a devida rotulagem dos alimentos, contendo, portanto, todos os químicos utilizados quando de sua produção.

Mencione-se ainda que, diante dos riscos dos agrotóxicos para a saúde humana, deve-se lembrar de que a Constituição brasileira determinou em seu artigo 196 que o Estado deve garantir a saúde mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença. Ao analisar o tema, Machado assinala que “em havendo meios científicos, há uma obrigação constitucional de que não ocorra a doença”406

. Considerando-se que os agrotóxicos podem causar uma série de doenças para o homem, esse dispostivo também se destina a esses produtos.

Finalmente, pode-se citar ainda a proteção conferida ao trabalhador na Constituição Federal, considerando-se que a aplicação dos agrotóxicos constitui-se em atividade de risco em virtude da

406

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Federalismo, amianto e meio ambiente: Julgado sobre competência. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes Canotilho; MORATO LEITE, José Rubens. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 258.

exposição à substância química com potencial de uma variedade imensa de enfermidades, conforme já estudado. Com relação à proteção do trabalhador, a Constituição Federal determinou em seu art. 7407, inc. XXII, como sendo direito dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social “a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.

Ainda no que toca aos agrotóxicos, a Constituição Federal tratou da proteção do meio ambiente e, apesar de não ter feito referência expressa a tais produtos no capítulo referente ao meio ambiente, estabeleceu diretrizes gerais para as atividades que causem significativo impacto ambiental e para as substâncias que comportem riscos para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

No caput do artigo 225, estabeleceu que: “Todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem comum do povo e essencial à qualidade de vida”. Para assegurar tal direito, alguns deveres foram incumbidos ao Poder Público. Entre esses deveres, encontra-se o de controlar a produção, a comercialização e o emprego de substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, nos moldes do inciso IV, do § 1º, do artigo 225. Ainda no que se refere aos agrotóxicos, convém destacar que o inciso V, também do § 1º do artigo 225, atribuiu ao Poder Público o dever de exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade.

O conceito de degradação ambiental está previsto na Lei da Política Nacional do Meio Ambiental, em seu art. 3º, inc. II, é definida como “a alteração adversa das características do meio ambiente”. O conceito de “significativa degradação ambiental”, estampado na Constituição Federal, não está explícito na legislação. No entanto, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente definiu o termo poluição nos seguintes termos, conforme o art. 3º, III, da Lei 6.938/81:

a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a)

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prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energias em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

Assim, e considerando que os agrotóxicos podem causar significativa degradação do ambiente, causando impactos para o meio ambiente e para a saúde humana em determinadas circunstâncias, não há dúvida de que, em determinados casos, o estudo de impacto ambiental deve ser exigindo para a aplicação desses produtos.

Segundo Fiorillo, as técnicas, os métodos e as substâncias que comportam riscos à vida, a qualidade de vida e ao meio ambiente, mencionadas no texto constitucional, referem-se nomeadamente aos agrotóxicos, em face da importância da manutenção de um padrão de produtividade, apesar de comprometer a saúde humana de forma direta e de forma indireta alterar a biodiversidade do solo e das águas, pela aplicação de pesticidas. De acordo com o autor, o texto constitucional permitiu o seu emprego, mas tratou de responsabilizar o Poder Público pelo controle de tal atividade408.

Atualmente, esse preceito constitucional é operacionalizado através da adoção de um sistema de autorização para a colocação no mercado dos pesticidas, o qual se dá através do procedimento do registro. Entretanto, em virtude dos riscos dessas substâncias há necessidade de um controle por parte do Estado no emprego dessas substâncias, especialmente no que se refere ao modo e a quantidade em que essas substâncias serão aplicadas, considerando-se a necessidade de se garantir que o uso seja racional e reduzido ao necessário, dado o potencial lesivo dessas substâncias. Da mesma forma, as embalagens desses produtos também são reguladas pelo direito brasileiro, a fim de possibilitar que o controle do ciclo de vida desses produtos possa ser realizado de uma forma integral. Atualmente, é a Lei da Política Nacional dos Resíduos Sólidos que obriga a

408 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10. Ed. Ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 278.

instituição de canais reversos para determinados bens, como é o caso dos agrotóxicos, nos termos do que dispõe o artigo 33 da lei em questão: Art. 33. São obrigados a estruturar e implementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de:

I - agrotóxicos, seus resíduos e embalagens, assim como outros produtos cuja embalagem, após o uso, constitua resíduo perigoso, observadas as regras de gerenciamento de resíduos perigosos previstas em lei ou regulamento, em normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama, do SNVS e do Suasa, ou em normas técnicas;

(...)409.

Deve-se destacar, contudo, que não basta um cuidado adequado com as embalagens de tais produtos ou com a avaliação da periculosidade da substância, quando do pedido de registro (autorização). É necessário ainda que haja um controle no que tange a aplicação. Esse controle é realizado através do receituário agronômico e do estudo de impacto ambiental, este último quando significativo o impacto. Em momento oportundo, serão realizadas considerações no sentido de aumentar o controle na aplicação de tais produtos, lembrando-se também da necessidade de que o Estado brasileiro exija uma formação específica para todo aquele agricultor que utiliza agrotóxico. Além disso, faz-se necessária uma contínua monitorização das consequências que os pesticidas geram no meio ambiente e na saúde humana, a fim de se garantir a segurança alimentar almejada e a proteção do meio ambiente, através de uma contínua revisibilidade das decisões administrativas.

409

BRASIL. Lei n. 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998;

e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm >. Acesso em: 20 de agosto de 2010.

No último capítulo desta tese, apresentar-se-á os principais instrumentos necessários a uma regulação sustentável do uso dos agrotóxicos.

No próximo item, analisar-se-á o federalismo ambiental brasileiro, a fim de se verificar quais são as principais regras referentes à competência legislativa na temática dos agrotóxicos.

3.1.2. Federalismo ambiental brasileiro: A competência dos entes da