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Os riscos dos agrotóxicos e os desafios para a formação de um

CAPÍTULO 2: CONTROLE DOS RISCOS DOS AGROTÓXICOS

2.2. Os riscos dos agrotóxicos e os desafios para a formação de um

Os riscos dos produtos químicos e, portanto, dos agrotóxicos, dizem respeito a uma nova categoria de riscos, que difere daquela da sociedade industrial. Nesse sentido, Sadeleer ensina que a maioria dos riscos ambientais produzidos pela sociedade industrial tem sido objeto de medidas preventivas de regulamentação, sendo que o critério mais importante para a avaliação desses riscos – a probabilidade da ocorrência e do dano - é relativamente bem conhecido. Nesses casos, a ciência é capaz de determinar os limites destinados a evitar efeitos prejudiciais e no caso de o dano ocorrer em virtude de um acidente o dano é reparável232. Sadeleer caracteriza tais riscos como riscos de primeira geração233.

Mais recentemente, todavia, questões como a disseminação de organismos geneticamente modificados, emissões antropogênicas de gases do efeito estufa e a descoberta de perigos latentes, como os decorrentes de susbtâncias que causam a desregulação endócrina, têm simbolizado uma nova geração de riscos. Esses riscos, típicos de uma sociedade pós-industrial, são caracterizados de um lado por uma inabilidade comum dos cientistas em elaborar previsões confiáveis sobre riscos em virtude das incertezas (identificáveis, mas não quantificáveis) ou insuficiente conhecimento, e de outro lado, pela impossibilidade de avaliar as características dos danos que podem ocorrer. Segundo Sadeleer, as incertezas podem estar relacionadas: 1) ao alcance geográfico, a exemplo dos poluentes químicos no meio ambiente marinho; 2) à duração temporal, a exemplo da persistência dos químicos ou das radiações no meio ambiente natural; 3) ao atraso de sua

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SADELEER, Nicolas. Environmental principles. From political slogans to Legal rules. Oxford;New York: Oxford University Press, 2008.p. 3.

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manifestação, a exemplo do impacto dos gases do efeito estufa no clima; 4) à reversibilidade ou à irreversibilidade, a exemplo da depreciação da camada de ozónio, de danos para as espécies decorrentes do cruzamento entre plantas geneticamente modificadas e plantas selvagens234.

Da mesma forma, Tickner afirma que riscos como as mudanças climáticas globais, a desregulaçã endócrina, a destruição da biodiversidade e os impactos nos ecossistemas marinhos têm desafiado a ciência e demonstrado que os riscos para a saúde e o ecossistema são geralmente complexos e multi-dimensionais, sendo que as atuais ferramentas científicas e políticas não têm sido capazes de lidar adequadamente com tais particularidades235.

Nesse sentido, no caso específico dos agrotóxicos é necessário lembrar que ainda existem muitas lacunas de conhecimento quando se trata de avaliar a multiexposição ou a exposição combinada de tais produtos. Isso ocorre, pois a grande maioria dos modelos de avaliação de risco serve apenas para analisar a exposição a um princípio ativo ou produto formulado, enquanto no mundo real a sociedade é exposta a uma mistura de produtos tóxicos, cujos efeitos sinérgicos são desconhecidos ou não são levados em consideração236.

Em uma pesquisa realizada em Bento Gonçalves, cidade localizada no Estado do Rio Grande do Sul, no ano de 2006, com 241 (duzentos e quarenta e um) agricultores, verificou-se a utilização de uma média de 12 (doze) tipo de agrotóxicos em cada propriedade, principalmente de glifosato e de organofosforados237. Apesar de ocorrer na prática tal situação, a lei não contempla esse fato quando regula o uso

234

SADELEER, Nicolas. Op. cit. p. 4. 235

TICKNER, Joel A. Coomentary: Barriers and Opportunities do Changing the Research Agenda to Support Precaution and Primary Prevention. In: Human and Ecological Risk Assessment, 11: 221-234, 2005. p. 229.

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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA. DOSSIÊ ABRASCO. Uma alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na Saúde. Parte 1. Agrotóxicos, segurança alimentar e saúde. Rio de Janeiro: ABRASCO, 2012. p. 45.

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FARIA, N. M. X.; ROSA, J. A. R. da; FACCHINI, L. A. Intoxicações por agrotóxicos entre trabalhadores rurais de fruticultura, Bento Gonçalves, RS. In: Revista de Saúde Pública. v.43, n.2, 2009. Disponível em: <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S00348910200900 0200015&lang=pt&tlng=pt>. Acesso em: 02 fev. 2013.

dos agrotóxicos238, verificando-se, pois, que a complexidade dos riscos associados a esses produtos nem sempre se encontra devidamente controlada pelo regime jurídico legal existente.

Ao tratar da complexidade dos danos ambientais, nos quais se incluem os oriundos dos agrotóxicos, Pardo, por sua vez, ressalta que é praticamente impossível não apenas quantificá-lo, mas mesmo conhecer com uma mínima precisão esses danos, principalmente se for levado em consideração que em muitos casos seus totais efeitos somente são percebidos depois de muito tempo. Esclarece ainda que a determinação das causas que o produzem é tarefa ainda mais complexa uma vez que frequentemente concorrem intervenções humanas – emissões contaminantes com níveis superiores ao permitido – com fatores exclusivamente naturais, como pode ser a densidade atmosférica ou a própria direção dos ventos239.

Nesse sentido, o autor ensina que a complexidade e a mutabilidade dos componentes e elementos do meio ambiente fazem com que o Direito e seus operadores se movam em um terreno inseguro, lembrando que em geral o Direito construiu o seu próprio sistema, e a sua própria segurança, sobre regras e referenciais formais, perfeitamente identificadas e ordinariamente documentadas. Diferentemente, no caso dos danos ao ambiente, deve se reconhecer a fugacidade e a incerteza do entorno240. Dessa maneira, para Pardo, o mais importante e típico problema, na estrutura das relações entre a ciência e o direito, é que a ciência não fornece certeza sobre muitos dos riscos e sobre sua gerência. Discussão, debate aberto e revisão contínua do conhecimento, no sumário incerteza, são os distintivos da Ciência241. Déox, da mesma forma, ressalta que a ciência apenas desloca as fronteiras da ignorância de maneira que “um conceito largamente aceito será considerado errado

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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA. DOSSIÊ ABRASCO. Uma alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na Saúde. Parte 1. Agrotóxicos, segurança alimentar e saúde. Rio de Janeiro: ABRASCO, 2012. p. 48.

239

PARDO, José Esteve. Derecho del medio ambiente. Segunda edición. Madrid: Marcial Pons, 2008. p. 54.

240

PARDO, José Esteve. Op. cit. p. 54. 241

mais tarde”242

. O problema é que, no âmbito do Direito, as decisões devem ser tomadas e regras firmes devem ser estabelecidas243. No entanto, conforme ensina Sadeleer, as normas legais são elaboradas para fornecer previsibilidade, mas a natureza é imprevisível244.

Nesse contexto e considerando particularmente os inúmeros riscos ambientais decorrentes especificamente dos agrotóxicos, o desafio de proteger a saúde humana e o meio ambiente ecologicamente equilibrado é imposto ao Direito, cujas estruturas nem sempre estão adaptadas às particularidades decorrentes desses riscos. Deve-se recordar que a categoria de risco está relacionada à tomada de decisão em um futuro aberto e, conseqüentemente, o problema essencial é devido aos limites do conhecimento humano. Segundo Trute, é possível ampliar o conhecimento humano, mas o futuro permanece aberto245. Isso porque os riscos da sociedade contemporânea são de difícil delimitação, devendo-se recordar a característica da fluidez dos riscos atuais.

Os fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão constantemente prontos (e propensos) a mudá-la; assim, para eles o que conta é o tempo, mais do que o espaço que lhes toca ocupar; espaço que, afinal, preenchem apenas por um momento246. Da mesma forma que os fenômenos sociais se tornam cada vez mais fluidos, os riscos também passam a se caracterizar pela velocidade com que se transformam.

É nesse contexto que o Direito opera e que precisa se adaptar. A sociedade deve buscar o aprimoramento dos instrumentos de prevenção e de precaução dos riscos e o direito pode oferecer bases para tanto, procurando apresentar respostas em tempo hábil para garantir uma

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DÉOUX, Suzanne; DÉOUX, Pierre. Ecologia é a saúde: o impacto da deterioração do ambiente na saúde. Conhecer para poder agir. Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p. 524.

243

PARDO, Op. cit. p. 115. 244

SADELEER, Nicolas. Op. cit. p. 176. 245

TRUTE, Hans-Heinrich. From past to future risk – from private to public law. In: European Review of Public Law. Vol. 15. N. 1. Spring/pritemps. 2003. Published with the Univeristy of Paris (Panthéon-Sorbonne), the National and Capodistriam of Athens and the Erasmus programme of the European Communities. London: Esperia Publications Ltd, 2003. p. 78.

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BAUMAN, Zygmant. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 8.

melhor proteção do meio ambiente e da saúde humana, diante das sinalizações dos riscos biológicos.

Sadeleer alerta para a necessidade de substituir o controle posterior dos riscos, que tem na responsabilidade civil a sua ferramente curativa, por um controle anterior, com suas medidas antecipatórias. Nesse cenário, o aumento das políticas públicas, incluindo aquelas destinadas à proteção do ambiente, é característica do direito pós- moderno247.

Segundo o autor, há necessidade de uma transformação radical dos sistemas legais de direito, no qual o dever de cuidado substitui certezas científicas e técnicas, a responsabilidade subjetiva é transformada em responsabilidade objetiva, as autorizações de longo prazo são substituídas por monitorizações contínuas e soluções dadas no fim da linha são substituídas pela técnica da melhor tecnologia disponível248.

A respeito do tema, Canotilho acrescenta que o direito deve alicerçar a determinação jurídica dos valores limites do risco ambientalmente danoso através da exigência da proteção do direito ao ambiente segundo “o estádio mais avançado da ciência e da técnica”249

. Essa proteção depende, portanto, de uma constante monitorização daquelas atividades consideradas de risco. Nesse sentido, e analisando especificamente o universo dos produtos químicos, Crannor faz as seguintes considerações no que concerne ao tema:

A falta de conhecimento sobre o universo químico pode ou não mascarar efeitos adversos graves. Apesar disso, o simples fato da ignorância é uma preocupação substancial. Se quisermos ser avisados das ameaças à saúde humana ou ao ambiente para reduzir riscos e prevenir danos, precisaremos da geração de conhecimento

247

SADELEER, Nicolas de. SADELEER. Environmental principles. From political slogans to Legal rules. Oxford; New York: Oxford University Press, 2008. p. 264.

248

SADELEER, Nicolas. Op. cit. p. 5. 249

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional Ambiental Português e da União Europeia. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes Canotilho; MORATO LEITE, José Rubens. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 9.

afirmativos sobre as substâncias existentes que entram no comércio e uma melhor geração de conhecimento sobre as substâncias já no comércio, um problema muito maior250.

Verifica-se, pois, que a complexidade dos produtos químicos impõe desafios para regulação realizada pelo direito, que passa pela necessidade de se gerar conhecimento acerca dos efeitos adversos de tais produtos de uma maneira permanente, ou seja, impõe que o direito estabeleça como regra a necessidade de monitorização de tais efeitos. Nesse sentido, Trute ensina que diante dos limites do conhecimento humano sobre as consequências sociais das novas tecnologias, e aqui é possível incluir os produtos químicos, o sistema legal deve procedimentalizar a tomada da decisão através de uma estratégia que inclui a dimensão tempo na lei a fim de permitir a aprendizagem e o ajustamento, possibilitando-se, assim, um tipo de lei que aprende à luz de um futuro aberto251.

Essa procedimentalização do tempo pelo direito se faz necessária, pois não há atualmente um conhecimento completo dos sistemas naturais e dos seres vivos que os habitam e das relações que estabelecem entre si e o meio em que estão inseridos. Segundo Castro, Duarte e Santos, a enorme diversidade do Planeta Terra ainda não nos

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CRANOR, Carl F. Some legal implications of the Precautionary Principle: Improving Information-Generation and Legal Protections. In: Human and Ecological Risk Assessment, 11: 29-52, 2005. p. 42. Tradução livre da autora: “Lack of knowledge about the chemical universe may or may not mask serious adverse effects. Nontheless, the mere fact of ignorance is a substantial concern. If we want to be forewarned of threats to huam health or the environment inr order to reduce risks and prevent harm, we will need affirmative knowledge generation about existing substances that anter commerce and a better knowledge-generation about substances already in commerce, a much greater problem”.

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TRUTE, Hans-Heinrich. From past to future risk – from private to public law. In: European Review of Public Law. Vol. 15. N. 1. Spring/pritemps. 2003. Published with the Univeristy of Paris (Panthéon-Sorbonne), the National and Capodistriam of Athens and the Erasmus programme of the European Communities. London: Esperia Publications Ltd, 2003. p.78.

“mostrou todos os seus segredos e não parou de nos surpreender”252 . Há casos em que a ciência não está apta a oferecer todas as respostas, o que gera, consequentemente, maiores conflitos para a sociedade e o que mais uma vez justifica a procedimentalização do tempo pelo direito. Nesse sentido, Pardo afirma que:

Um produto para o consumo humano pode perfeitamente preencher todas as exigências legais e mesmo dispor de todas as licenças e até de apoio da Administração Pública e das autoridades especializadas, mas isso não previne e nem impede que novos conhecimentos científicos descubram a existência ou a alta probalidade de risco para a saúde através do consumo de um alimento ou de um medicamento253.

No mesmo sentido, Amado Gomes alerta para o fato de que as exigências da proteção do ambiente exigem um constante “aperfeiçoamento das técnicas, uma contínua revisão de dados que só a dimensão temporal (continuada) da autorização permite concretizar”254

. Acrescenta-se que as exigências de proteção da saúde também exigem essa procedimentalização do tempo pelo direito255. É nesse sentido, por exemplo, que a farmacovigilância, regulamentada na Comunidade Europeia, permite a rápida retirada do mercado de qualquer produto medicinal – previamente autorizado – que apresente um nível inaceitável de risco sobre condições normais de uso256.

252

CABRITA, Maria Teresa. O ambiente como meio e sistema de relações. In: CASTRO, A. Gomes; DUARTE, Armando; SANTOS, Teresa Rocha. (Coord.). O Ambiente e a saúde. Lisboa: Instituto Piaget, 2003. p. 21.

253

PARDO. Op. cit. p. 112-113. Tradução da autora: “A product of human consumption can perfectly fulfill all the legal requirements and dispose of all licenses and even aids from public administration and specialized authorities but all those legal and administrative references do not prevent, nor avoid, that new scientific knowledge discovers the existence or high probability of risk to health through the consumption of a food or a medication”.

254

AMADO GOMES, Carla. A prevenção à prova no direito do ambiente. Em especial os actos administrativos ambientais. Coimbra: Coimbra editora, 2000. p. 98.

255

TRUTE, Hans-Heinrich. Op. cit.p.78. 256

No próximo item, serão analisados os princípios indispensáveis à promoção do direito de sustentabilidade, considerando especificamente as peculiaridades dos agrotóxicos.

2.3. Princípios indispensáveis à formação de um direito de