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3.1 O pensamento estruturalista e a teoria do subdesenvolvimento

3.1.1 A constituição histórica da clivagem Centro-Periferia

A clivagem centro-periferia se constitui historicamente como resultado do desenvolvimento do capitalismo. A expansão do capital a partir da revolução industrial estruturou o sistema em centro e periferia pela difusão do progresso técnico na economia mundial (PREBISCH, 2000)47. Ou seja, na medida em que a primeira onda longa se propagou pelo sistema econômico mundial foi se constituindo núcleos centrais e periféricos.

Como consequência da revolução industrial provocada pela primeira onda longa, nasceu na Europa um núcleo industrial cuja expansão se deu em três eixos (FURTADO, 1986, p.153). O primeiro eixo de desenvolvimento do capitalismo industrial se deu na própria Europa Ocidental com a destruição das estruturas feudais e absorção dos fatores de produção liberados a um nível mais alto de produtividade. O segundo eixo constitui um deslocamento da economia industrial – mão de obra, capital e técnica – para além das fronteiras europeias, mas para terras com características similares e com consequências semelhantes, como ocorreu na Austrália e nos Estados Unidos. O terceiro eixo de desenvolvimento da economia industrial foi em direção às regiões nas quais a introdução das estruturas industriais não foi capaz de destruir as estruturas sociais existentes. Essas economias se integraram ao sistema econômico mundial pela via do comércio internacional, fazendo da especialização em produtos primários o meio de acesso ao capitalismo industrial. O resultado foi “a criação de estruturas dualistas, uma parte das quais tendia a organizar-se à base de maximização do lucro, conservando-se a outra parte dentro de formas pré-capitalistas de produção”. E o problema desta estrutura híbrida é que ela passou a atuar como um entrave ao desenvolvimento e fez surgir o fenômeno do subdesenvolvimento (FURTADO, 1986, p. 154).

Em suma, de acordo com Furtado, enquanto os dois primeiros eixos de difusão do capitalismo descritos acima promoveram uma inserção direta na civilização industrial48

e um posicionamento central no sistema econômico mundial; a inserção pela via comercial resultou em um acesso indireto à civilização industrial e condicionou um posicionamento periférico no sistema econômico mundial (FURTADO, 2008, p.69; 76- 78). “À via de acesso indireta à civilização industrial deve-se a ruptura estrutural [clivagem] ‘centro-periferia’ que marcaria definitivamente a evolução do capitalismo.” (FURTADO, 2008, p. 70).

Assim, a difusão do progresso técnico pelo sistema econômico mundial demarcou a divisão internacional do trabalho e condicionou os processos de desenvolvimento e subdesenvolvimento. Portanto, a difusão da civilização industrial está na gênese da clivagem centro-periferia.

O progresso técnico, cuja propagação conformou o sistema "centro- periferia", manifesta-se sob a forma de processos produtivos mais eficazes e também do desenho de novos produtos que são a face exterior da civilização industrial. Assim, a propagação de novas técnicas, inerente à acumulação, é antes de tudo a difusão de uma civilização que instala nas populações padrões de comportamento em transformação permanente. Trata-se da difusão de valores que tendem a universalizar-se. (FURTADO, 1992, p.40)

Sendo assim, a inserção na civilização industrial por vias diretas – que provoca, pela acumulação no sistema de produção, modificações nas estruturas sociais e nas formas de comportamentos – estruturou o desenvolvimento das economias centrais na forma que os estruturalistas chamam de hacia dentro. Já o acesso indireto à civilização industrial – no qual a acumulação não conduz à modificação estrutural que provoca a elevação do nível de vida da sociedade - condicionou o desenvolvimento das economias periféricas do tipo hacia fuera (RODRIGUEZ, 2000).

48 Para Celso Furtado, a civilização industrial está calcada, dentre outros, nos valores de racionalidade, liberalismo e individualismo que emergiram em função da Revolução Burguesa ocorrida nas sociedades que se inseriram no capitalismo industrial pela transformação de suas estruturas sociais (FURTADO, 2008).

De forma sintética, o desenvolvimento hacia dentro do centro, baseado na industrialização, gerou estruturas econômicas desenvolvidas - diversificadas e homogêneas. Enquanto que o desenvolvimento hacia fuera da periferia, baseado na exportação de produtos primários, gerou estruturas econômicas subdesenvolvidas - especializadas e heterogêneas. Além disso, no primeiro caso, as transformações nos padrões de consumo acompanham o desenvolvimento das forças produtivas; enquanto que, no segundo, ocorre o transplante “dos padrões de comportamento da civilização industrial para sociedades em que não havia penetrado as técnicas produtivas em que assenta essa civilização” (FURTADO, 2008, p. 70). Assim, o padrão de consumo se diversifica sem que ocorra a concomitante evolução das técnicas produtivas.

Pela literatura estruturalista, desenvolvimento e subdesenvolvimento são produtos da estrutura econômica capitalista. A expansão capitalista gera simultaneamente os dois processos. Pois, a estrutura econômica da periferia dificulta o processo de desenvolvimento e tende a torná-la dependente das economias centrais. Contudo, a dependência estrutural não é característica inerente à periferia. A difusão da Revolução Industrial e os valores que a acompanharam conectaram e integraram o mundo. Antes disso não havia periferia. Na medida em que os países forma se integrando à chamada “civilização industrial” é que os núcleos centrais e periféricos tomaram forma, assim como a relação de dependência entre eles (FURTADO, 2008, p. 55-75).

A forma como se deu a integração da economia periférica na economia industrial é o que determina – ou não – a relação de dependência estrutural com o centro. As economias da América Latina, da Ásia e da África que se inseriram no sistema econômico mundial pela via do comércio de commodities se tornaram dependentes estruturais do centro, na medida em que necessitavam de transferências externas de tecnologia. Outras economias, como Japão e Rússia, apesar de periféricas, fizeram a inserção na economia industrial por vias que não geraram dependência estrutural. A tomada de consciência russa de seu atraso na acumulação de capital levou à revolução bolchevista, que buscava nas alterações da estrutura do sistema produtivo a elevação do

ritmo de acumulação (FURTADO, 2008, p.69, 88). E foi o medo da dominação externa que fez os japoneses se integrarem na economia industrial durante a era Meiji (FURTADO, 2008, p.69, 88). Mas enquanto o Japão de fato conseguiu alcançar o centro no século XX; a Rússia se encontra na periferia com a dissolução da União Soviética. Logo, os processos de desenvolvimento e subdesenvolvimento; bem como a emergência de núcleos centrais e periféricos no sistema econômico mundial, são resultados da difusão e distribuição dos frutos do progresso técnico neste sistema em decorrência do desenvolvimento assimétrico do capitalismo.