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2.3 Dimensões Analíticas e o Capitalismo no século XXI: a tecnologia e o poder na estruturação da nova divisão internacional do trabalho

2.3.1 A TIC e a Nova Divisão Internacional do Trabalho

Os anos 1970-1980 são marcados, como mostra Freeman e Perez (1988), pela crise estrutural de ajustamento caracterizada pela queda nos lucros provocada pela maturação

tecnológica da quarta onda e pela grande instabilidade no comportamento dos investimentos e recessão nos anos 1980. É neste período que está ocorrendo a sobreposição das fases de maturação e irrupção das ondas longas. Sendo assim, as indústrias de ponta da quarta onda longa enfrentam estagnação e queda nos lucros; enquanto que as indústrias de ponta da nova onda apresentam um crescimento rápido das firmas e avanços expressivos na tecnologia.

Conforme apontado anteriormente, durante uma crise estrutural de ajustamento, dado o desenvolvimento das novas tecnologias e o descompasso entre o subsistema tecnoeconômico e estrutura sócioinstitucional, abre-se uma janela de oportunidade para o aparecimento não apenas de novas firmas, mas também de novas nações líderes (PEREZ e SOETE, 1988). Sob a hegemonia norte-americana e com a ajuda do Plano Dodge38, o Japão crescia a taxas superiores à da economia dos Estados Unidos no pós-

Guerra. Sendo assim, nos anos 1970 a economia japonesa se tornou a segunda maior do mundo. Portanto, a troca de paradigma tecnoeconômico, neste período, possibilitou a ascensão do Japão como um dos países líderes na quinta onda longa. O desenvolvimento da TIC, bem como das tecnologias que a tornaram possível desde a década de 1960, permitiram ao Japão uma especialização em produtos de demanda dinâmica, sob a perspectiva do comércio internacional.

Além de referência mundial em inovação tecnológica, o Japão guiou o desenvolvimento dos países do leste asiático sob o novo paradigma tecnoeconômico e iniciou uma nova configuração de poder regional na economia política internacional. Na medida em que o Japão avançou tecnologicamente, suas exportações de menor conteúdo tecnológico ou menor potencial de crescimento em produtividade foram assumidas pelas outras economias asiáticas (PALMA, 2004, p.430). Primeiramente, por Coréia dos Sul, Cingapura, Taiwan. Mas à medida que estes também avançaram na tecnologia da TIC, o mercado para as antigas exportações japonesas foi ocupado por Malásia e Tailândia; e depois pela China e outros países asiáticos, de forma análoga.

38 Plano de reconstrução da economia japonesa financiado pelos Estados Unidos após a II Guerra Mundial. O Plano Dogde cumpriu no Japão a função que o Plano Marshall cumpriu na Europa.

De fato, a exploração e aplicação da TIC nas indústrias de ponta no Japão, facilitadas por inovações institucionais, geraram superávits comerciais que possibilitaram a afirmação deste país no grupo dos países centrais. Em contrapartida, o descompasso entre a estrutura tecnoeconômica e a estrutura sócioinstitucional na sociedade norte- americana, durante a crise estrutural, provocou crescentes déficits comerciais e perda de liderança tecnológica para os japoneses nos anos 1980 (PEREZ e SOETE, 1988). Apesar da perda de liderança tecnológica nos anos 80, os Estados Unidos ainda se encontravam próximo à fronteira tecnológica, dada a estrutura de seu sistema de inovação, o que possibilitou a retomada da competitividade de sua indústria nos anos 1990.

Ademais, as inovações da TIC fizeram surgir novos processos gerenciais e produtivos, bem como novos produtos e atores no sistema financeiro, que provocaram uma profunda mudança no capitalismo. A magnitude, profundidade e intensidade da globalização dos circuitos produtivos e financeiros a partir dos anos 1990 estão diretamente relacionadas à emergência da TIC como paradigma tecnoeconômico. A implementação ubíqua da TIC na economia norte-americana propiciou um aumento na produtividade desta economia, nos anos 1990, que restaurou a condição dos Estados Unidos como potência econômica. O desenvolvimento da TIC é responsável pelo boom da economia norte-americana e pela drástica queda dos custos na integração e monitoramento de mercados produtivos e financeiros. Assim, o desempenho econômico norte-americano sob o paradigma da TIC permitiu aos Estados Unidos, no exercício de sua hegemonia, coagir o mundo a adotar as políticas liberalizantes que favoreciam seu capital.

O país, cavalgando uma onda de inovação tecnológica que sustentou a ascensão da chamada 'nova economia', parecia ter a resposta e dava a impressão de que suas políticas mereciam emulação, embora o emprego relativamente pleno alcançado o tivesse sido a baixas taxas de remuneração em condições de redução das proteções sociais. (HARVEY, 2011, p.102).

Assim, a tecnologia da TIC tornou possível uma integração mais profunda dos mercados produtivos. Os custos de transporte, comunicação, gerenciamento e monitoramento de mercados caíram de forma sem precedentes com a TIC e muitas

empresas passaram a se organizar em redes ou a terceirizar sua produção, realizando a etapa produtiva em outros mercados. Neste movimento muitas empresas multinacionais se deslocaram para as economias periféricas, onde, muitas vezes, se beneficiavam dos baixos custos salariais e/ou ausência de legislação social rígida. Tirando proveito da tecnologia de informação e comunicação e da liberalização comercial, grupos industriais e empresas-rede - como a Nike, Benneton, lojas de departamentos, hipermercados, dentre outros – descentralizaram suas produções (CHESNAIS, 1996, p. 113) As multinacionais puderam reorganizar o trabalho em suas filiais e suas relações de terceirização da maneira como desejassem (CHESNAIS, 1996, p.211). Como resultado, as economias periféricas encontraram uma nova posição na D.I.T.

No entanto, a nova ocupação que as economias periféricas encontraram no mercado mundial está relacionada à transferência da produção relativa à quarta onda longa para seus mercados, abastecendo “não apenas os crescentes mercados locais, mas também o mercado mundial (...), tornando-se parte de um processo transnacional de manufaturas” (HOBSBAWM, 2005, p.275. Grifo no original). Ou seja, as economias periféricas também se tornaram produtoras e exportadoras de manufaturas, e não são mais apenas exportadoras de commodities. Contudo, as manufaturas desenvolvidas na periferia são aquelas relacionadas especialmente à produção de têxtil e automobilística. Algumas economias periféricas, como China, Índia, Indonésia, Coréia do Sul, Malásia, Taiwan, Tailândia, Argentina, Brasil, Chile, México e Turquia, dentre outras, conseguiram se destacar dentro da periferia, entretanto, são poucas as que conseguiram se inserir com destaque na produção de manufaturas intensivas em tecnologias relacionadas ao paradigma da TIC.

A economia chinesa, que nos últimos 30 anos cresceu em média 9,5% a.a., conseguiu aumentar o volume de seu comércio internacional em 18% e ultrapassou o Japão se tornando a segunda maior economia mundial (THE ECONOMIST, 2012). A China também é a segunda economia no comércio de manufaturas de bens e, em 2010, se tornou a maior exportadora de têxteis e de equipamentos de telecomunicações (WTO, 2011, p. 8, 55, 56).

Os avanços recentes da TIC também propiciaram o surgimento de cadeias globais de valor, que estão introduzindo a globalização produtiva em um novo patamar. O aumento do comércio entre intermediários via cadeias globais de valor está imprimindo à globalização velocidade e escala sem precedentes (OCDE, 2013, p.16). As modernas redes de comunicação e informação permitem não apenas que os diferentes estágios da produção estejam ligados mesmo se separados por grandes distâncias físicas, mas também o surgimento de novos serviços cambiáveis (OCDE, 2013, p.16). Assim, os avanços na TIC estão modificando as cadeias globais de valor, que por sua vez, estão modificando o capitalismo ao adicionar velocidade, escala e complexidade no processo de globalização. Cadeias globais de valor estão aprofundando o processo de globalização em frentes diferentes: geograficamente, estão incluindo cada vez mais países no processo, independente do tamanho das economias; setorialmente, afetam as manufaturas, mas também estão incluindo o setor de serviços na globalização produtiva; e em termos funcionais, passaram a incluir não só a produção e distribuição, mas também as atividades de P&D e de inovação39 (OCDE, 2013, p.14).