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5.2 As novas relações (de poder) Centro-Periferia

É bem verdade, como expõe o capítulo 3 e como veremos mais a frente neste capítulo, que a relação de dependência sofreu alterações em forma, mas se mantém na essência. Contudo, pela primeira vez, a periferia assume papel de destaque nos rumos da economia mundial. A consequência natural desse reequilíbrio de forças é a mudança nas relações Centro-Periferia. Pesa a favor da periferia o aumento de sua força econômica, como seu novo peso relativo na economia mundial, a emergência de suas multinacionais e seu grande acúmulo de divisas internacionais. No entanto, existe uma lacuna entre a crescente internacionalização da periferia e sua representatividade nos organismos de governança mundial.

Antes, o desempenho da economia mundial estava atrelado ao desempenho das economias centrais. Mas, no século XXI, as economias da periferia ganham novo peso no desempenho da economia mundial; fato que ficou evidente após 2008, com os efeitos da crise financeira. Embora todos os países tenham sofrido os primeiros impactos da crise internacional, as economias da periferia se recuperaram rapidamente e puxaram o crescimento mundial (GRAF.8). A economia dos Estados Unidos começa a dar sinais de recuperação após 2012, enquanto a União Europeia ainda engatinha no desempenho econômico (FMI, 2013). Isso sem falar nas crises severas enfrentadas por algumas economias do centro desde então (Grécia e Irlanda em 2010, Portugal em 2011, Espanha em 2012, por exemplo). Essa nova força econômica se traduz em novas relações econômicas.

Nas relações comerciais, os países da periferia também são agora exportadores de manufaturas e alguns contam com empresas multinacionais que estão adquirindo marcas de empresas tradicionais do centro; bem como comprando partes e componentes de bens fabricados no centro e reexportando o bem final com valor agregado. Algo, que antes só acontecia no sentido inverso. Por exemplo, a Embraer – empresa brasileira de

fabricação de aeronaves civis – compra diversas partes e componentes do avião de economias centrais e exporta para o mundo o avião montado e projetado no Brasil.

GRÁFICO 8 - Crescimento do PIB de economias selecionadas, de 1980 a 2015 (preços constantes), em % Fonte: FMI, 2013.

Nota: estimativas a partir de 2012.

Em termos financeiros, o acúmulo de divisas internacionais, sem precedentes, pelas principais economias periféricas – em 2007, Brasil, Rússia, China e Índia detinham 65% das reservas internacionais (BANCO MUNDIAL, 2008, p.37) – tem duas implicações importantes. Por um lado, ele pode se reverter em fundos soberanos que podem ser utilizados para financiar o desenvolvimento de outras economias periféricas, e aumentar ainda mais o peso relativo da periferia na economia mundial. A África subsaariana vem recebendo grandes investimentos em infraestrutura de países periféricos que se destacaram no acúmulo de riquezas na última década, como China, Índia e Brasil. Por outro, ele proporciona às economias periféricas uma margem de manobra para enfrentar choques externos, tornando-os mais resistentes às turbulências nas finanças internacionais. -6 -4 -2 0 2 4 6 8 10 1 9 8 0 1 9 8 3 1 9 8 6 1 9 8 9 1 9 9 2 1 9 9 5 1 9 9 7 2 0 0 0 2 0 0 3 2 0 0 6 2 0 0 9 2 0 1 2 2 0 1 5 Mundo Economias centrais Economias periféricas

Assim, a nova força econômica e financeira da periferia revela um ganho de poder de barganha frente aos países do centro. Esse aumento no poder de barganha se expressa na formação do chamado G-20 – grupo que reúne 20 forças econômicas mundiais e incorpora as principais economias da periferia. O G-20 foi criado ao final dos anos 1990 para lidar com as crises financeiras recorrentes no período, pois o grupo das sete maiores economias do centro (G-7), liderados pelos Estados Unidos, não estava conseguindo enfrentar de forma apropriada os efeitos de contágio das crises financeiras iniciadas em economias periféricas, em especial as da crise de 1997 no leste asiático. A turbulência financeira internacional no final dos anos 1990 já indicava que seria preciso um arranjo mais representativo nas instituições de governança internacional para lidar com problemas globais. Assim, as principais economias do centro reconheceram que era preciso incluir as principais economias da periferia nas discussões sobre o futuro das relações financeiras internacionais. O G-20 foi inicialmente criado como uma reunião de ministros das finanças em 1999, mas em 2008, ganhou novamente as atenções das economias centrais para as discussões sobre as problemáticas na governança sobre as finanças mundiais. E, dessa vez, além de uma reunião de ministros, o G-20 também passou a contar com a reunião de chefes de Estado.

A inclusão dos países da periferia nas deliberações formais de assuntos relacionados à condução da ordem internacional é uma novidade. Pela primeira vez, os países da periferia estão presentes desde o início na mesa de negociações. Antes, as decisões econômicas eram tomadas exclusivamente pelas grandes economias do centro, como no Acordo do Plaza em 1985. Antes, as principais economias do centro negociavam entre si e apresentavam à periferia modelos prontos para serem implementados de forma universal, como ocorreu nos anos 1980 e início dos anos 1990. Mas, agora as economias periféricas estão, cada vez mais, sendo representadas em cargos de lideranças de diferentes instituições internacionais, tais como a Organização Internacional do Trabalho, Organização Mundial do Comércio e na Organização Mundial da Propriedade Intelectual (UNDP, 2013, p.11). Além disso, as economias da periferia conseguiram uma reponderação dos votos e das nomeações de altos funcionários no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional, e também estão presentes no Conselho de Estabilidade Financeira, no Comitê da Basileia para

Supervisão Bancária e na Organização Internacional de Comissões de Valores Mobiliários. De fato, é a primeira vez que países da periferia foram admitidos entre os membros do Comitê da Basiléia para Supervisão Bancária e pelo Conselho de Estabilidade Financeira. Com isso, os principais países da periferia elevaram sua participação em instituições-chave da governança financeira global. No entanto, como ressaltam Ramos et al. (2011), a inclusão de países da periferia nessas instituições para dividir o peso e a responsabilidade de encontrar uma saída para a crise financeira é mais superficial do que se imagina à primeira vista.

TABELA 2 – Quotas e poder de voto no Fundo Monetário Internacional, jun. 2010.

Fonte: IPEA, 2013, p. 64

A quota de votos no Banco Mundial da China, por exemplo, que é a segunda maior economia do mundo e detentora de uma enorme reserva internacional de divisas (mais de três trilhões de dólares), é inferior à da França e do Reino Unido (UNDP, 2013, p. 114). E, como mostra a TAB. 2, no FMI a situação não é muito diferente. As regras, as normas e os valores que governam as decisões internacionais não sofreram mudanças

fundamentais. Os países centrais estão fazendo ajustes e acomodações na governança global para incorporar o poder emergente da periferia, mas sem alterar a essência da ordem liberal implementada a partir do final dos anos 1970.

Portanto, existe uma lacuna a ser preenchida entre o grau de internacionalização e de importância econômica que os países periféricos estão assumindo no século XXI e o arranjo institucional de governança global. A maioria das organizações internacionais tem em sua estrutura decisória um reflexo da configuração de poder no pós-guerra, quando foram criadas (ver capítulo 1); estabelecendo na origem uma sub- representatividade da periferia. Face aos problemas globais e nova força econômica da periferia, esta vem estabelecendo novas instituições e relações que atendam a sua necessidade – acordos de cooperação bilaterais, regionais, etc. – e novas formas de inserção no processo decisório internacional – G-20 e ocupação de cargos de liderança. Apesar das economias do centro ainda manterem as rédeas do processo decisório sob controle no arranjo de governança global, a intensificação da integração econômico- financeira e a emergência crescente de problemas globais tendem a fazer com que novos dispositivos e estruturas sejam estabelecidas com uma representatividade compatível com a força demonstrada pela periferia no século XXI.

Portanto, as relações centro-periferia estão passando por mudanças significativas. As economias periféricas conseguem hoje exercer uma voz mais ativa em importantes organizações internacionais e tentam reivindicar normas e regras de conduta que favoreçam o desenvolvimento periférico. Na verdade, essa reivindicação não é nova, ela pode ser apontada desde o início da década de 1970 com o movimento da nova ordem econômica internacional; mas agora o peso das economias periféricas na economia mundial agrega legitimidade à causa. Assim, percebe-se um potencial aumento no poder de barganha da periferia, mas, na prática, as reivindicações periféricas ainda não foram incorporadas de modo a reger as práticas internacionais. As economias centrais ainda controlam e continuarão a dominar os rumos da ordem mundial, uma vez que são elas quem a estabelecem na emergência hegemonias mundiais (ver capítulo 1). No entanto, a participação das principais economias periféricas na formação do consenso

internacional para a manutenção da ordem tende a ser cada vez mais crucial. Antes, essa participação era restrita a interesses geopolíticos estratégicos, mas agora ela tende a ser associada ao peso econômico dessas economias. Assim, para incorporar o apoio de economias periféricas na condução da ordem mundial, as economias centrais tenderão a ceder a algumas reivindicações periféricas, tais como maior estabilidade econômica e novos modelos de crescimento.

Ademais, em momentos de turbulência sistêmica a ordem mundial vigente se reestrutura até que uma nova ordem mundial, seja estabelecida por uma nova hegemonia. Assim, nesses momentos, políticas e comportamentos inconsistentes e contrários às normas internacionais podem ser encontrados. Por exemplo, Ilene Grabel (2011) descreve como “incoerência produtiva” o comportamento do FMI que passou a aceitar práticas heterodoxas – mais favoráveis ao desenvolvimento, como algum controle sobre fluxos de capitais – no gerenciamento da crise financeira pós 2007. Ou seja, políticas que melhor atendem aos interesses periféricos foram incorporadas às normas de conduta internacional no regime financeiro. Logo, em momentos de turbulência sistêmica, o contexto da interação muda e afeta as bases para o exercício do poder político. Assim, as relações centro-periferia ganham novos contornos, pois, o centro encontra maiores dificuldades para fazer com que a periferia se comporte da maneira como ele gostaria que ela se comportasse.