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2.3 Dimensões Analíticas e o Capitalismo no século XXI: a tecnologia e o poder na estruturação da nova divisão internacional do trabalho

2.3.2 A OMC e as Empresas Multinacionais na reconfiguração da D.I.T.

A globalização produtiva foi incentivada pela OMC, na medida em que as regras do comércio internacional de bens defendidas por esta instituição internacional prezam pela liberalização comercial. A abertura das economias centrais e periféricas para o comércio internacional é garantida pelo cumprimento das regras comerciais por parte do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC). Disputas comerciais e descumprimento das regras de comércio internacional são investigados pelo OSC, que por meio de suas resoluções obriga os países-membros a obedecerem aos acordos de comércio internacional da OMC. Retaliações comerciais, por exemplo, são um meio adotado pelo OSC para fazer valer as normas e os princípios que regem os acordos comerciais. Sendo assim, o OSC opera como uma ferramenta de enfforcement das regras internacionais de comércio.

39 No entanto, a internacionalização das atividades de P&D e inovação é concentrada nos países da tríade – Estados Unidos, Europa e Japão – conforme será apontado no capítulo 3.

Além de fazer valer as regras de comércio internacional, que sustentam um regime comercial aberto, a OMC defende a formação de áreas de livre comércio, via blocos regionais, como meio de se incentivar o fluxo de comércio mundial. Como resultado, as empresas multinacionais são incentivadas a instalar plantas produtivas em diferentes economias para aproveitar ganhos de escala e de oportunidades de lucros criados com a integração de mercados consumidores e proporcionados pela formação de blocos regionais, como União Europeia, NAFTA, MERCOSUL, ASEAN e outros. Portanto, mesmo que de forma indireta, a OMC incentiva a descentralização, fusões e aquisições e os fluxos de IED pelas empresas multinacionais. Assim, na medida em consegue afetar a direção dos fluxos comerciais e de capital produtivo, a OMC pode gerar efeitos sobre a Divisão Internacional do Trabalho.

Mas, se por um lado, as regras da OMC, em especial, sobre o comércio de bens, possibilitam uma mudança de posicionamento dos países na D.I.T.; por outro, a regulação das chamadas novas áreas relacionadas ao comércio – serviços, propriedade intelectual, medidas de investimentos – tendem a atuar como uma barreira aos países periféricos na reconfiguração da D.I.T. O acordo da OMC relacionado aos direitos de propriedade intelectual – TRIPS – funciona como um obstáculo quase que intransponível para o desenvolvimento da periferia no setor de tecnologia (UNDP, 1999). Assim, no atual paradigma da TIC, o TRIPS dificulta o reposicionamento de países periféricos na D.I.T. como produtores de manufaturas intensivas em tecnologia.

A D.I.T. está sendo reconfigurada também pelas modificações ocorridas nos fluxos de IED e na distribuição das empresas multinacionais pelo mundo nos últimos tempos. Como mostram Dunning e Lundan (2008, p.20) a origem geográfica dos fluxos de IED mudou drasticamente nas últimas décadas. Duas ondas de fusões e aquisições (F&A) – de 1999 a 2001 e após 2005 – impulsionaram os fluxos de IED recentemente, com destaque para o setor de serviços, que respondeu por dois terços do total das F&A realizadas em 2000 (DUNNING; LUNDAN, 2008, p. 20). Desta parcela, a maior contribuição veio dos serviços financeiros. Os setores de petróleo e mineração também tiveram um crescimento expressivo desde 2003.

Outro fator que merece destaque é o envolvimento de países da periferia nas atividades transfronteiriças de F&A: em 2005 eles foram responsáveis por 17% das vendas totais e 13% do total de compras (DUNNING; LUNDAN, 2008, p. 20). As maiores multinacionais do setor petrolífero em 2007 eram originárias da periferia: Aranco da Arábia Saudita, Gazprom da Rússia, CNPC da China, NIOC do Irã, PDVSA da Venezuela, Petrobras do Brasil, e Petronas da Malásia. Essas sete empresas eram responsáveis em 2007 por 30% da produção e reserva mundial de petróleo e gás; colocando as tradicionais ExxonMobil, Chevron, BP e Royal Dutch/Shell para desempenhar um papel mais coadjuvante (DUNNING; LUNDAN, 2008, p. 28). É notória também a participação, em alguma medida, do Estado nas empresas petrolíferas das economias periféricas: dentre as 25 maiores empresas mundiais de gás e petróleo, em 2003, 15 eram empresas estatais e em 3 o Estado detinha alguma participação acionária, sendo destas 18 empresas a grande maioria está localizada na periferia (DUNNING; LUNDAN, 2008, p. 29).

De fato, a participação das economias centrais nos fluxos de IED diminuiu consideravelmente. Se, em 1980, 94% do total de IED realizado no exterior vinha de apenas 12 países centrais e 73% deste fluxo era originário de apenas quatro economias – Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha Ocidental e Holanda –; em 2005, os 14 principais países centrais somavam 70%; sendo que os quatro países líderes de investimento – Estados Unidos, Reino Unido, França e Alemanha – respondiam por 48% (DUNNING; LUNDAN, 2008, p. 23). Os Estados Unidos mantiveram seu posicionamento de maior investidor direto no exterior, mas sua participação no total mundial de IED vem caindo ao longo dos anos: em 1960 era de 42%, em 1990 era 24% e em 2005 de 19% (DUNNING; LUNDAN, 2008, p. 23). Acompanhando essa tendência, em 1961, 61% das 500 maiores empresas industriais eram norte-americanas e, em 1982, apenas 44%.

Todavia, Dunning e Lundan (2008, p. 23) destacam que o movimento mais interessante não é a queda da participação norte-americana em si no total mundial dos fluxos de

IED, uma vez que esta já era esperada na medida em que as economias europeias e japonesas se recuperassem da II Guerra Mundial, e sim a emergência nas últimas duas décadas de alguns países da periferia como importantes investidores estrangeiros diretos. Hong Kong, Cingapura, Taiwan, China, Brasil e Rússia são as economias que mais se destacam nesta direção (DUNNING; LUNDAN, 2008, p. 27). Para se ter uma ideia, Dunning e Lundan (2008, p. 29) relatam que em 1985 apenas 70 países da periferia realizavam IED, enquanto que em 2003 este numero cresceu para 122.

Quanto ao recebimento de fluxos de IED, o mapa mundial também mudou. Por um lado, os Estados Unidos continuam sendo a maior economia receptora de IED. Mas, por outro, sua participação no total do fluxo mundial de IED recebido por uma economia também vem declinando, caindo de 27% em 1988 para 16% em 2005 (DUNNING; LUNDAN, 2008, p. 30). Com a emergência do paradigma da TIC e ascensão das economias do Leste Asiático, os fluxos de IED direcionados para essa região aumentaram significativamente: passando de 15% em 1960, para 40% em 1988 e 62% em 2000 (DUNNING; LUNDAN, 2008, p. 30). Coréia do Sul, Taiwan, Hong Kong, Cingapura, Malásia, Tailândia, e Filipinas são as economias que mais se destacaram neste processo, recebendo, sobretudo, fluxos de IED japoneses. A África manteve o fluxo receptor de IED na faixa de 2,5% do total mundial nas últimas décadas, mas os recentes e crescentes investimentos chineses e indianos na região tendem a aumentar a participação africana neste total (DUNNING; LUNDAN, 2008, p. 30).

Já a América Latina e o Caribe, que em 1960/1970 recebiam 50% dos fluxos de IED direcionados aos países em desenvolvimento, receberam em apenas 21% destes fluxos em 1980. Contudo, o desempenho econômico recente das economias latino-americanas atraiu investimentos estrangeiros diretos e sua participação no total dos fluxos de IED destinados à periferia aumentou para 34% (DUNNING; LUNDAN, 2008, p. 33). O papel dos blocos de integração regional na atração de IED e na reconfiguração da D.I.T. é salientado por Dunning e Lundan (2008, p.33) ao mostrarem que o NAFTA foi “sem dúvidas um fator crucial no aumento da participação [mexicana] na atração de fluxos de

IED para países em desenvolvimento de 1% em 1990 para 8% em 2005”.40 Esses autores também observam que o recebimento de fluxo de IED apresenta uma estrutura menos concentrada que o envio deste fluxo (DUNNING; LUNDAN, 2008, p. 29). Os cinco maiores receptores de IED – Estados Unidos, Reino Unido, Hong Kong (China), Alemanha e França – responderam por 40% do total em 2005 e as economias periféricas apresentaram nas últimas décadas um fluxo instável no recebimento de IED: de 39% em 1980, 26% em 1990, 30% em 2000, e 27% em 2007 (DUNNING; LUNDAN, 2008, p. 29-30).

Portanto, a distribuição geográfica do fluxo de IED pelo mundo e alocação das empresas multinacionais, dos setores primário, secundário ou terciário da economia, em novos mercados altera a inserção internacional dos países na economia global e, assim, seu papel na Divisão Internacional de Trabalho. A emergência de multinacionais de origem periférica e as mudanças nos fluxos de IED provocam alterações significativas na clivagem centro-periferia e moldam a nova divisão internacional do trabalho.

2.4 Dimensões Analíticas e o Capitalismo no século XXI: a tecnologia e o poder na