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Ao se propagar para a periferia, uma nova revolução industrial carrega consigo um novo estilo de vida. Todavia, como o patamar tecnológico internacional é estabelecido pelo(s) país(es) líder(es) de cada onda, os países da periferia estão sempre em atraso tecnológico com relação ao patamar internacional. O patamar tecnológico internacional com o qual a periferia se defronta é dado e, na periferia, as forças motrizes do progresso técnico atuam de modo indireto, mitigado e mediado (ALBUQUERQUE, 1990, p. 104). Assim, a difusão de cada onda longa provoca efeitos diversos em diferentes países periféricos. Nesse processo vai ocorrendo a diferenciação entre os países da periferia, que passam a apresentar graus de desenvolvimento industrial e taxas de crescimento econômico desiguais. Na medida em que os países periféricos se diferenciam entre si e se mantêm atrasados em relação ao patamar tecnológico sustentado pelos países centrais, a divisão internacional do trabalho fica mais complexa e cheia de nuanças. Segundo Albuquerque (1990, p. 134), essa diferenciação entre os países está diretamente relacionada à maneira como ocorre a difusão do progresso técnico pelo sistema econômico: propagação por onda no centro e por ‘marola’ na periferia.

Como sintetizar a diferença entre a difusão do progresso técnico nos países avançados e nos dependentes? Onde as forças motrizes do progresso técnico atuam diretamente, a sua propagação é feita por ondas. Por aqui, onde as forças motrizes atuam indiretamente, de uma forma mediada, sua difusão é

mitigada: a forma de sua difusão será na forma de marola (uma onda ‘reflexa’, originada pelo movimento de outros corpos, sem um dinamismo próprio, com uma amplitude menor) (ALBUQUERQUE, 1990, p.134).

Mas por que a propagação do progresso técnico na periferia gera uma marola e não uma onda? A resposta dessa pergunta está na estrutura produtiva da periferia que limita o processo de acumulação e, apesar de utilizar a tecnologia nova, não a produz. Além disso, a base técnica previamente construída não é capaz de modernizar o parque produtivo como um todo. Em outros termos, na periferia “os fatores que facilitam a propagação e a difusão do progresso técnico são mais débeis do que os que limitam essa mesma propagação” (ALBUQUERQUE, 1990, p.134). Sendo baixa capacidade de absorção tecnológica da sociedade um dos principais obstáculos do progresso técnico na periferia.

Dessa forma, a economia periférica distorce o efeito da onda longa gerada no centro. Ao mesmo tempo em que a propagação da revolução tecnológica para a periferia modifica a estrutura produtiva e sofistica a D.I.T.; seu impacto na periferia segue uma dinâmica própria, que, simultaneamente, impulsiona e impede o desenvolvimento. É possível se ter uma ideia deste processo quando olhamos para o movimento das ondas detonadas por revoluções técnicas. Primeiramente, tem-se a diversificação produtiva e sofisticação na pauta exportadora das economias da periferia. Durante as duas primeiras ondas longas (1780-1890) as economias periféricas se especializaram na exportação de matérias-primas e bens primários. Depois, durante a terceira onda longa (1890-1940), verifica-se um crescimento no comércio mundial junto com uma grande acumulação e exportação de capitais pelos países centrais, e uma nova expansão colonial em busca de fontes de matérias-primas e mercados para as exportações imperialistas. Assim, o grande afluxo de capitais em alguns países da periferia impulsiona o crescimento nestas economias. A partir daí tem-se a crescente diversificação da periferia. Alguns países conseguem um nível razoável de acumulação, como é o caso da Argentina, outros continuam especializados na exportação de commodities e atrelados ao desempenho do comércio mundial, enquanto muitos ainda se encontram em condições coloniais (vastas regiões da África e da Ásia). Após a quarta onda longa (1940 – hoje), a economia

internacional se desenvolve ainda mais e os países periféricos assumem novos papéis na D.I.T. e se torna um conjunto de países ainda mais heterogêneo.

O impacto de cada revolução tecnológica depende, na verdade, da possibilidade de difusão da tecnologia inovadora que a impulsiona e da capacidade de absorção disponível. A cada emergência de uma nova onda, a tecnologia vem se tornando mais complexa, com maior potencial de apropriabilidade.54 E, a capacidade de absorção tecnológica se revela o contraponto do potencial de apropriabilidade da nova tecnologia. Pois, se por um lado as novas tecnologias são mais baseadas em ciência – o que torna seu acesso mais difícil -; por outro, há maior fluxo de informações sobre seu processo de elaboração. Assim, com uma capacidade de absorção tecnológica elevada, o país pode usar o grande fluxo de informações sobre a tecnologia a seu favor e internaliza-la.

As inovações da primeira onda longa eram largamente inovações de processo (uso de energia hidráulica), de baixa apropriabilidade por parte da Inglaterra. Logo, de rápida difusão para outras economias – desde que essas já produzissem ferro, têxteis, etc.. A situação não se alterou muito na segunda onda longa (uso de energia a vapor). Contudo, a partir da terceira onda, as inovações foram, em grande medida, de produtos (rádio, televisão, automóveis, computadores, etc.). Por se tratar de tecnologias com maior peso de conhecimento científico, a apropriabilidade das inovações aumentou consideravelmente e, consequentemente, sua difusão se tornou mais difícil. Assim, os países líderes nessas tecnologias tiveram um rápido aumento da produção dos bens típicos dessas ondas longas e criaram para eles novas demandas mundo afora. Portanto, dada a crescente apropriabilidade tecnológica e a tendência à baixa capacidade de absorção tecnológica dos países da periferia, estes encontram cada vez mais dificuldades para alcançar o patamar tecnológico internacional (ALBUQUERQUE, 1990, p.113).

54 Apropriabilidade é um conceito relacionado à “possibilidade proteger a inovação da imitação e de se

extrair lucros das atividade de inovação” (Fagerberg et al., 2005,p.382). Assim, quanto mais complexa a tecnologia, maior a possibilidade de manutenção do conhecimento técnico no local que gerou a inovação; portanto, mais difícil é a difusão desta tecnologia para outros países e maior o grau de apropriabilidade desta tecnologia. (ALBUQUERQUE, 1990, p. 112).

No entanto, a tecnologia de ondas longas anteriores se torna mais acessível. Assim, na medida em que a revolução tecnológica da atualidade se propaga, as economias periféricas dão prosseguimento a seus processos de industrialização pela substituição de importações de bens típicos de patamares tecnológicos de revoluções anteriores. Ou seja, há uma sobreposição de ondas: quando a nova onda longa está em sua fase ascendente no centro, a onda longa anterior ganha vitalidade na periferia.

Uma inovação tecnológica em um país dependente é um novo produto, um novo processo que se difunde dos países avançados para os mais atrasados. O processo de modernização tecnológica nos países dependentes inicia-se saltando várias fases que estão na gênese de uma revolução tecnológica: estágios como o de desenvolvimento da ciência pura, invenção e inovação estarão ausentes. Distingui-se o processo frente aos países avançados por começar pela sua difusão. É um processo incompleto. (...). Ou melhor, o processo de difusão de uma inovação tecnológica num país dependente começa pela obtenção do acesso à tecnologia. Seria difusão se o processo fosse automático e uma vez criada a nova tecnologia ela iniciasse o seu curso para os demais países. A discussão feita sobre crescente ‘apropriabilidade’ das tecnologias indica que se nunca foi assim, cada vez o é menos. Os países dependentes se defrontam com uma tecnologia cujo acesso terão de negociar. Acesso, portanto, sempre retardado. Às vezes, retardado por toda uma onda longa. (ALBUQUERQUE, 1990, p. 132).

Dessa forma, a propagação da onda longa pelo sistema econômico mundial gera uma dinâmica de “incentivo e bloqueio” ao desenvolvimento na periferia (ALBUQUERQUE, 1990, p.114). Pois, por um lado, ao mesmo tempo em que a tecnologia – que detona a onda longa – avança o patamar internacional, o acesso a essa tecnologia é dificultado por normas internacionais pelos países centrais; o que dificulta o alcance do patamar internacional pelos países periféricos. Por outro lado, com a afirmação do novo patamar tecnológico, os países centrais repassam para os países da periferia a produção de bens de patamares anteriores; facilitando e/ou incentivando o acesso às tecnologias de ondas passadas ao deslocar para a periferia modalidades técnicas de fabricação e equipamentos já superados pela mudança tecnológica. Atrasada por definição, a introdução de uma tecnologia nova para a periferia, mesmo que esta seja ultrapassada no centro, desenvolve a estrutura produtiva e incentiva o desenvolvimento da periferia.

Todavia, a sofisticação na estrutura produtiva que ocorre na periferia com a dinâmica propagação das ondas longas é, na verdade, um progresso ilusório. Pois, mesmo com o avanço na fronteira tecnológica interna; o parque industrial permanece atrasado em relação ao patamar internacional. Ademais, muitas vezes, se inicia a introdução de um conjunto de tecnologias típicas de uma determinada onda na economia periférica, sem que a difusão das tecnologias típicas da onda anterior tenha sido concluída nesta economia. Portanto, as sucessivas “marolas” do progresso técnico na periferia resultam na existência de várias “camadas” de tecnologias. (ALBUQUERQUE, 1990, p.135). Com isso, dentro de uma economia periférica encontra-se grande desigualdade nos níveis de modernização e de produtividade. Isto é, ao mesmo tempo em que se encontram regiões com estruturas produtivas mais avançadas, que usam máquinas e equipamentos; existem regiões cujas estruturas produtivas são rudimentares, baseadas exclusivamente no uso de mão de obra. Assim, bolsões de progresso tecnológico passam a caracterizar a economia periférica. Além disso, a cada onda longa, a elite periférica atualiza seu padrão de consumo, transplantando para a periferia o estilo de vida do centro.

Um dos paradoxos da economia subdesenvolvida está em que o seu sistema produtivo apresenta segmentos que operam com níveis tecnológicos diferentes, como se nela coexistissem épocas distintas. Os grupos sociais de alta renda requerem uma oferta baseada em tecnologia sofisticada, enquanto grandes massas de população lutam para ter acessos a bens considerados obsoletos e mesmo produzidos com tecnologia rudimentar (FURTADO, 1992, p.56).

A permanente transformação dos estilos de vida, pela diversificação e sofisticação da demanda, é comandada pelo processo de acumulação. Mas o estímulo ao consumo do capitalismo industrial mantém a sociedade estratificada e freia a homogeneização social.

Posto que o acesso aos produtos mais “sofisticados” está restrito à minoria de alta renda, o processo de ascensão social tende a confundir-se com a subida na escala de diversificação do consumo. Mas, se a lógica da acumulação

leva a deslocar toda a escala para cima, a passagem ao degrau superior tende a ser aparente. A reprodução das desigualdades é, portanto, a

contraface da eficiência do sistema de estímulos. O fluxo de inovações na esfera do consumo torna fictícia a ascensão social, mas a difusão de certas

inovações permite que se diversifiquem os padrões de consumo da grande maioria da população. A interdependência entre o sistema de estímulos, que opera no nível dos indivíduos, e o fluxo de inovações, que estimula a acumulação, faz que a civilização industrial tenda implacavelmente a manter a sociedade estratificada em função de padrões de consumo (FURTADO, 2008, p.81. Grifo adicionado).

Mas, se por um lado, a dinâmica imposta pela difusão das ondas longas tende a reproduzir na periferia a polarização modernização-marginalização. Por outro, a co- existência entre tecnologias de ponta e atrasadas em relação ao patamar internacional abre espaço para um cenário internacional mais diversificado, em termos de divisão do trabalho (ALBUQUERQUE, 1990, p. 108-109;113). Vale ressaltar, no entanto, que o rearranjo na D.I.T. possibilitado pelo movimento das ondas longas é definido pela capacidade da fronteira tecnológica interna de cada país.

Como na periferia as forças motrizes do progresso são exógenas, ou seja, os países se defrontam com as tecnologias disponibilizadas no mercado mundial; ocorre um processo de aprendizado e de inovações secundárias. De fato, a incorporação de uma inovação tecnológica está diretamente relacionada à capacidade apresentada pelo centro dinâmico da economia nacional, que estabelece a fronteira tecnológica interna. A força do centro dinâmico determina a distância entre a fronteira tecnológica interna da economia periférica e o patamar tecnológico internacional. No movimento de emergência e propagação das ondas longas, as economias periféricas se defrontam com uma relação de “aproximação” e “afastamento” do patamar tecnológico internacional (ALBUQUERQUE, 1990, p.117-119). Quando uma onda longa é detonada no centro e avança o patamar internacional, a economia periférica se afasta deste55. Já a aproximação ocorre quando o desenvolvimento industrial na economia periférica atinge determinado nível e gera maiores necessidades de sofisticação, de aprimoramentos no setor de comunicações, nos serviços financeiros, etc. Assim, aproximação do patamar internacional pode ser fruto de pressão interna – interesses de classes capitalistas locais – ou externa – exigências definidas pelo mercado mundial, quando produtos industrializados pesam na pauta exportadora da economia. (ALBUQUERQUE, 1990,

55 Albuquerque (1990, p. 117) chama a atenção para o fato de que esta não é a única possibilidade de afastamento do patamar internacional. Processos de desindustrialização podem ser desencadeados por politicas recessivas, aberturas comerciais precoces, políticas cambiais adversas, dentre outras.

p.119). Com efeito, o que diferencia cada país quanto ao nível do atraso em relação ao patamar internacional e às possibilidades de aproximação deste é a fronteira tecnológica interna e sua capacidade de absorção tecnológica. O grau de dependência tecnológica apresentada pelo centro dinâmico da economia é fundamental para se pensar nas chances de sucesso de superação do subdesenvolvimento.