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O subdesenvolvimento pode ser amenizado ou mesmo superado. Coréia do Sul e Taiwan são na visão de Furtado (1992, p. 48-52) exemplos a serem seguidos na busca pelo desenvolvimento, pois eles encontraram na homogeneização social uma saída para a armadilha do subdesenvolvimento. Em razão da dinâmica capitalista, a grande maioria das sociedades não poderá desfrutar de uma homogeneidade a níveis elevados de consumo. Mas, como aponta Furtado (1992, p.49), a experiência chinesa tem mostrado que é possível, a um nível de renda per capita comparativamente baixo, satisfazer as necessidades básicas da população. Com isso, subdesenvolvimento pode ser amenizado pela homogeneização social. “A miséria absoluta e a indigência não se apresentarão necessariamente nos países de mais baixos níveis de renda per capita, e sim naqueles em que forem mais acentuadas as disparidades sociais e regionais.” (FURTADO, 1992, p.49).

Entretanto, Furtado alerta para o fato de que a homogeneização social é condição necessária, porém, não suficiente para o desenvolvimento. “Porque alcançaram um grau elevado de homogeneidade social e fundaram o próprio crescimento em relativa autonomia tecnológica, cabe reconhecer que a Coréia do Sul e Taiwan lograram

superar a barreira do subdesenvolvimento” (FURTADO, 1992, p.51. Grifo

adicionado.). Ou seja, é a combinação de políticas de homogeneização social com políticas que visam autonomia tecnológica a responsável pela superação do subdesenvolvimento.

Vale lembrar aqui, que a tecnologia na visão de Furtado está associada à criatividade e à cultura (FURTADO, 2008, p.116); e, na visão schumpeteriana, o avanço tecnológico requer acúmulo de conhecimento, habilidades e experiências. Portanto, o desenvolvimento pelo avanço da tecnologia apresenta um path dependence. No entanto, a busca por uma trajetória tecnológica autônoma defendida por Furtado não é contraditória à idéia neoschumpeteriana de catching up. Pois, apesar de ressaltar o path

dependence no processo de desenvolvimento econômico, a abordagem

neoschumpeteriana reconhece que a história e a cultura são importantes nesse processo e, portanto, cada país deve buscar o seu caminho para o desenvolvimento (PEREZ; SOETE, 1988). Ou seja, não existe uma trajetória vencedora que deva ser imitada por todos. O desenvolvimento autônomo, em Furtado, está associado ao conceito de adequação tecnológica. Isto é, a economia periférica deve buscar desenvolver usos e técnicas adequadas à sua estrutura, perseguindo a trajetória tecnológica internacional, cujo caminho não é pré-determinado.

A autonomia tecnológica é algo que, na visão de Furtado, só pode ser obtida com um esforço contínuo e crescente das empresas na aplicação de recursos na pesquisa científico-tecnológica, e que requer ação orientadora do Estado e exposição à concorrência internacional (FURTADO, 1992, p.52; 57). Em outros termos, a dependência tecnológica pode ser rompida pela construção de um Sistema Nacional de Inovação (SNI). De modo geral, o conceito de SNI enfatiza que o progresso tecnológico das nações é impulsionado por um arranjo complexo de instituições – composto pelo sistema educacional, centros de Pesquisa & Desenvolvimento, Universidades, empresas, e instituições financeiras –, que viabiliza o processo de inovação tecnológica ao articular diferentes dimensões e agentes econômicos (FREEMAN, 1988; NELSON, 1988, 1993; LUNDVAL, 1992; SUZIGAN;ALBUQUERQUE, 2008).

A construção de um SNI eficaz56 seria, portanto, o caminho pra se alcançar a autonomia tecnológica. Pois, para se alcançar a autonomia seria preciso, primeiramente, desenvolver na economia a capacidade para absorver criativamente os avanços gerados nas economias centrais. O problema das economias periféricas é que elas possuem SNI não-completos (imaturos) ou incipientes (ALBUQUERQUE, 1996; 1999)57. Os países com SNI imaturos construíram um sistema de ciência e tecnologia (C&T), mas não transforam este em um sistema de inovação. Assim, o sistema de C&T e o setor produtivo apresentam baixa articulação e o dinamismo econômico é seriamente comprometido. Um SNI imaturo resulta na ausência de um “núcleo endógeno de dinamização tecnológica”, que permitiria abrir a “caixa preta” do progresso técnico, conforme mostrou Fernando Fajnzylber (1983).

A construção de um núcleo tecnológico endógeno deve ser uma decisão estratégica em prol da autonomia tecnológica e está intimamente relacionada à consolidação de um SNI eficaz na assimilação e difusão da tecnologia58 de ponta. Assim, a economia periférica deve procurar combinar crescimento e criatividade para superar o subdesenvolvimento (FAJNZYLBER, 1983, p.276). Uma modernização endógena, dinâmica e criativa requer um setor de bens de capital desenvolvido. Pois,

o progresso técnico que se incorpora no desenho e funcionamento dos bens de capitais, junto com o processo de qualificação da mão de obra que este setor induz ao mesmo tempo em que viabiliza, constitui então um mecanismo de difusão da inovação que contribui em grau importante para a elevação da produtividade do resto dos setores. (FAJNZYLBER, 1983, p.41).

56 Um SNI para ser eficaz numa economia periférica deve contribuir para diminuir o hiato tecnológico

desta economia com a fronteira internacional (ALBUQUERQUE, 1996, p.58).

57 Albuquerque (1996, p.57-58) sugere uma tipologia de SNI e os classificam em três categorias: maduros, catching up e não-completos (imaturos). Os países com SNI maduros se mantem na fronteira tecnológica ou próximo delas; uma fez que o SNI maduro facilita o surgimento de inovações radicais. Os países com SNI catching up apresentam elevado dinamismo na difusão tecnológica e elevada capacidade em assimilar a tecnologia avançada; assim este tipo de SNI tende a promover a aproximação desses países com a fronteira tecnológica. Os países com SNI imaturo tem dificuldade em assimilar a tecnologia de vanguarda.

58 As aproximações estruturalistas e schumpeterianas não concebem a tecnologia como um conjunto de

combinações de insumos ou um aglomerado de conhecimento que pode ser acessado sem custos. Isto é, para ambas as literaturas, a tecnologia engloba conhecimento tácito e não é um bem público.

Logo, o problema da insuficiência dinâmica e ausência de criatividade das economias periférica não estão apenas na reprodução dos padrões de consumo de economia avançadas, e sim no transplante truncado e distorcido da estrutura produtiva (FAJNZYLBER, 1983, p. 277-278). Na periferia, essas tarefas foram encarregadas às filiais de firmas multinacionais com sede em economias centrais. Contudo, as firmas multinacionais, ao invés de promoverem a difusão tecnológica, acabaram concentrando seus investimentos em P&D nas matrizes e nas filiais de economias centrais (JOHANSSON; LOOF, 2006; PATEL; VEGA, 1999). Assim, a dependência tecnológica se aprofundava e a autonomia necessária ao desenvolvimento se tornava mais distante.

Homogeneidade social combinada com autonomia tecnológica gerada por um núcleo endógeno e sustentada por um eficaz SNI é, portanto, o único caminho para a superação da armadilha do subdesenvolvimento. Apesar de possível, este não é um caminho fácil ou mesmo aberto. Além das limitações estruturais de uma economia periférica, que tendem a reproduzir a heterogeneidade social; o controle tecnológico por parte das economias centrais atua como um obstáculo à construção de um núcleo tecnológico dinâmico endógeno na periferia.

De fato, a dependência tecnológica se revela a “trava mestra da estrutura de poder internacional” (Furtado, 2008, p. 151). Conforme visto na parte I desta tese, os países centrais asseguram recursos de poder como o controle da tecnologia, das finanças, de mercados, dentre outros, no estabelecimento da ordem econômica internacional. “A luta contra a dependência não é outra coisa senão um esforço de países periféricos para modificar essa estrutura” (FURTADO, 2008, p. 151). O controle sobre as inovações tecnológicas é o recurso de poder mais importante para barrar a ascensão dos países periféricos na escalada para o desenvolvimento.

Como a tecnologia é o recurso [de poder] mais nobre (na pratica substitui os demais sem por eles ser substituída) e aquele que é monopolizado pelos países centrais, pode-se afirmar que a dependência é primeiramente

tecnológica. Reunir outros recursos de poder para neutralizar ainda que

que realizam os países periféricos para avançar pela via do desenvolvimento (FURTADO, 2008, p.160. Grifo no original).

Um bom exemplo disso é o acordo TRIPS no âmbito da OMC, que rege sobre os direitos de propriedade intelectual, e assegura, na prática, o controle da tecnologia nas mãos dos países centrais. A assinatura do acordo TRIPS dificultou ainda mais a transferência de tecnologia e tornou o processo de catching up ainda mais complexo e difícil sob a vigência do paradigma tecnológico da TIC. Como veremos no próximo capítulo, mesmo com a industrialização de algumas economias periféricas e a presença de firmas multinacionais nessas economias, o processo avançado de P&D permanece circunscrito, em grande medida, nas economias centrais. Com a geração da tecnologia confinada ao centro, o acordo TRIPS funciona como um obstáculo quase que intransponível para o desenvolvimento da periferia no setor de tecnologia (UNDP, 1999). Ou seja, no atual paradigma da TIC, o TRIPS dificulta o reposicionamento de países periféricos na D.I.T. como produtores de manufaturas intensivas em tecnologia.

De fato, a dependência atua como um instrumento de poder que mantem o atraso da periferia em relação ao centro (FURTADO, 2008, p. 160). Assim, a superação do subdesenvolvimento só pode ser alcançada pelo rompimento da relação de dependência tecnológica. Logo, a construção de um núcleo tecnológico dinâmico endógeno é condição sine qua non para o desenvolvimento, mas as relações de poder na economia politica internacional operam como entrave ao catching up. Em suma, apesar das dificuldades estruturais na superação do subdesenvolvimento por parte das economias periféricas, o desenvolvimento pode ser alcançado. Realmente, conforme apontado anteriormente, algumas economias periféricas fizeram o catching up, e muitas outras conseguiram atenuar o subdesenvolvimento com a propagação das ondas longas pelo sistema econômico mundial.