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2 CONCEITOS E PERSPECTIVAS PARA A PRÁTICA E O ENSINO DO

2.2 A construção da performance musical: a prática instrumental

Na construção de uma performance musical, diversos procedimentos são utilizados em função da criação interpretativa de uma obra, especialmente os planejamentos de prática instrumental são utilizados pelos instrumentistas para o desenvolvimento de sua performance

musical. E nesse sentido, a literatura pesquisada mostrou que as estratégias de prática instrumental e sua eficácia para o amadurecimento técnico interpretativo, são temas recorrentes em estudos científicos realizados na área de performance.

Considerando os conceitos de prática instrumental, Santos e Hentschke (2009, p. 72- 73) afirmam: “Para estudantes, professores e instrumentistas profissionais, as situações de prática constituem uma atividade fundamental no dia-a-dia, compreendendo a utilização de uma série de procedimentos aprendidos ou criados em dependência das necessidades pessoais”. As autoras colocam ainda que os procedimentos de preparação técnica do músico são o modo como ele percebe e age com base em normas e convenções, fundamentadas por uma determinada tradição cultural. Para Barry e Hallam (2012, p. 151) a Prática é estabelecida quando há necessidade dos músicos em adquirir habilidades motoras, aprendizagem de novos repertórios, desenvolvimento da interpretação musical, memorização da música, e preparação para apresentação. Nessa direção, podemos entender que a prática instrumental consiste no desenvolvimento sistemático de atividades diárias planejadas com objetivo de desenvolver habilidades técnico interpretativas direcionadas ao amadurecimento da performance musical.

Portanto, considerando os conceitos apresentados, observa-se que a prática instrumental é uma atividade essencial para o músico, tornando-se necessária para criação de hábitos intencionais que direcionem de forma específica para superação de dificuldades técnico-interpretativas.

Diante desse contexto, os autores Ericsson, Krampe e Tesch-Römer (1993) e Santos e Hentschke (2009), entendem como conceito de prática instrumental deliberada, ou seja, intencional, atividades planejadas com objetivo de melhorar certo nível de performance; especialmente quando a prática é conduzida de forma racional e calculada das ações, resultando em procedimentos conscientes. Cavalcanti acrescenta que:

O ato de praticar ou aprender através de experiências sistemáticas é compreendido como um requisito essencial para aquisição de habilidades em diversos domínios. Na musica, representa um ritual inevitável incutido na rotina diária daqueles que se envolvem com o estudo do instrumento musical (CAVALCANTI, 2009, p. 15).

Dessa forma, identificamos a prática instrumental como sendo um processo necessário para o desenvolvimento da habilidade técnica que influencia diretamente no resultado da interpretação musical, contribuindo para a construção da performance. Portanto, os planejamentos de prática instrumental estabelecidos por estudantes, professores e

instrumentistas profissionais, definem aspectos importantes para o desenvolvimento de habilidades técnico-interpretativas que viabilizam o aprendizado da obra, bem como a sua interpretação. E, nessa direção, podemos observar que a prática instrumental necessita de estratégias de atividades musicais eficazes que conduzam o instrumentista a desenvolver o máximo de sua capacidade técnico-interpretativa.

No entanto, sabendo que a prática é necessária, como estudantes, professores e instrumentistas profissionais podem adotar estratégias e planejamentos de prática instrumental eficaz? Nessa direção, alguns pesquisadores apontam que a prática instrumental transcende o acúmulo de horas e horas de exercícios repetitivos. A prática instrumental requer disciplina, motivação e desenvolvimento de estratégias e habilidades cognitivas (BARRY E HALLAM, 2012; CAVALCANTI, 2009). Vejamos a seguir os principais conceitos aplicados sobre as estratégias de estudo que podem nos ajudar a estabelecer melhores e mais eficazes planejamentos de prática instrumental.

2.2.1 O desenvolvimento de estratégias de estudos diários

Nos dias de hoje, ao reportarmos a nossa trajetória musical, a nossa memória como instrumentista, deparamo-nos frequentemente com a mesma dúvida, especialmente sobre como se preparar para compreensão de uma obra; como resolver as principais dificuldades encontradas; quais estratégias irão funcionar; como devo aplicá-las e por fim, será que tudo está contribuindo de forma efetiva para o meu desenvolvimento técnico-interpretativo? Como desenvolver formas de estudos adequadas ao repertório e particularidades do instrumentista? Pois bem, diante desse contexto, para conduzir e organizar o seu desenvolvimento técnico, estudantes, professores e instrumentistas profissionais recorrem as estratégias de estudo diário. Nesse sentido, pautamos algumas reflexões acerca das atividades que constituem os processos de construção da performance musical, mais precisamente trazemos algumas das principais definições sobre as estratégias de prática instrumental. Para Santos e Hentschke (2009):

A prática instrumental formal envolve muitos procedimentos convencionais sistematizados pela tradição de ensino e aprendizagem instrumental. Em geral, esses procedimentos aprendidos têm finalidade de desenvolver e manter programas motores, leitura musical, consciência cenestésica e aural, entre outros aspectos. Para ler e avançar qualitativamente uma obra em preparação é preciso ter um repertório pessoal de procedimentos aprendidos e/ou criados, ou seja, é preciso criar uma coleção de estratégias pessoais (SANTOS E HENTSCHKE, 2009, p. 78).

Do ponto de vista de Garcia (2015, p. 14), “As estratégias de aprendizagem consistem em um grupo de atividades, técnicas e meios planejados de acordo com as necessidades do estudante de alcançar seus objetivos, de maneira que seu processo de aprendizagem seja eficaz”. Identificamos através dos conceitos apresentados a importância dos procedimentos de prática instrumental para o desenvolvimento de habilidades técnico interpretativas, bem como sobre os inúmeros aspectos que são atribuídos ao uso das estratégias de prática instrumental pelos instrumentistas.

2.2.2 A Otimização do estudo diário

Ao nos depararmos com a necessidade da prática instrumental, logo passamos a refletir sobre o programa e ou a rotina de estudos diários que nos ajuda a desenvolver uma prática instrumental efetiva. Essa rotina diária pode nos levar à construção de uma trajetória musical de sucesso; a estabelecer o domínio pleno de nossas capacidades técnico interpretativas e a alcançar um alto nível de performance musical. Nesse sentido, alguns pesquisadores argumentam que a realização de um programa de desenvolvimento e, consequentemente, o tempo acumulado de prática pode prever diretamente o desenvolvimento de habilidades (ERICSSON, KRAMPE, & TESCH-RÖMER, 1993, p. 365).

Sob essa perspectiva, as autoras Barry e Hallam (2012) sugerem que as sessões relativamente curtas de prática instrumental geralmente são mais eficazes do que sessões ininterruptas de prática. E que isso varia de acordo com o nível do músico. Mesmo os músicos mais experientes estão sujeitos à fadiga física e mental durante a prática e são aconselhados a distribuir a prática ao longo do tempo. Considerando o contexto, as sessões de prática instrumental devem vir acompanhadas de um momento de descanso. Períodos de descanso de 30 a 40 minutos, variando entre descanso e prática. Dessa forma, podemos prevenir algumas patologias, como a distonia focal, tendinite e outras doenças causadas pelo esforço repetitivo sem o devido descanso muscular; por outro lado, as sessões relativamente curtas podem contribuir para reflexões e análises acerca das atividades realizadas.

Sobre esse aspecto Cavalcanti (2009, p. 12) comenta que “O esforço físico, mental e emocional necessário para sustentar um longo período de estudo, quando o progresso não é sempre aparente, somado ao estudo repetitivo do repertório, que pode levar semanas e até meses, requer resistência e persistência por parte do instrumentista”. Dessa forma, estabelecer metas para o alcance dos objetivos é fundamental visto a necessidade de conduzir uma rotina

de prática instrumental diária, condizente com as habilidades pretendidas na construção de uma performance musical.

Neste contexto, confiar nas próprias capacidades pode significar a continuidade dos estudos musicais. Instrumentistas que acreditam em suas capacidades não evitam tocar as obras mais difíceis, estabelecem metas desafiadoras, mantem um forte compromisso em cumpri-las e sustentam seus esforços diante das dificuldades. Embora cometam erros, recobram rapidamente seu senso de eficácia, acreditam em sua capacidade de exercer controle sobre as situações do cotidiano e sentem menos estresse sendo menos vulneráveis a depressão (CAVALCANTI, 2009, p. 12)

Complementando o conceito apresentado, a prática instrumental pode ser mais eficaz se praticada em seções curtas, pois, dessa forma, possibilita ao instrumentista reflexões constantes sobre as suas atividades em tempo real. Evita a fadiga muscular e mental, tornando a prática instrumental mais leve, consciente e produtiva, e motiva o instrumentista a estabelecer metas profissionais almejadas. Portanto, contribui para o desenvolvimento efetivo das habilidades motoras que constituem o domínio técnico do instrumento pelo músico.

2.2.3 Preparação cognitiva para a performance

A estratégia cognitiva ou prática mental é um dos procedimentos empregados por estudantes, professores e instrumentistas profissionais. Geralmente, é usada para o aprendizado de um novo repertório. Consiste em ensaios cognitivos sem esforço físico e prevê a eficácia da aprendizagem de habilidades motoras através de uma experiência prévia da atividade a qual deseja desempenhar (BARRY e HALLAM, 2012). Para Garcia (2015, p. 15) “as habilidades cognitivas são um conjunto de operações mentais que permitem ao estudante integrar a informação adquirida por via sensorial...”. Desse modo, é possível visualizar, através desta estratégia, um desenvolvimento eficaz da performance musical visto que o instrumentista conduzirá os seus estudos não somente pelo contato direto com o instrumento, como também por meios de atividades analíticas e perceptivas.

Sobre esse aspecto, Santiago (2006, p. 4) acrescenta que “para tocar uma peça, o músico necessita construir uma representação mental de como ela irá soar, com suas alturas, ritmos e expressão”. Assim, a estratégia cognitiva contribui efetivamente para a compreensão e aquisição de habilidades interpretativas através do ensaio mental, devido a antecipação da atividade musical em função do estímulo muscular; da visão e da memória. Podemos

relacionar essa estratégia com a análise visual da partitura musical; estudos de leitura visual que contribuem para identificarmos possíveis obstáculos e ajuda na precisão da leitura de novas partituras com o instrumento. Sendo assim, os conceitos apresentados se relacionam diretamente com a construção da performance musical no trombone, pois a preparação mental pode contribui efetivamente como ferramenta para o aprendizado e desenvolvimento performativo do Concertino N.1, para Trombone e Orquestra de Cordas do compositor Fernando Deddos.

2.2.4 Interpretação musical

A interpretação musical consiste na leitura singular de uma composição representada por um conjunto de sinais gráficos, formando uma imagem de texto ou partitura musical. A partir da análise desse texto musical, o músico transforma esses gráficos em ideias musicais sonoras, interpretando-as e possibilitando um sentido para o contexto musical representado pelos sinais gráficos (KUEHN, 2012). O desenvolvimento da interpretação musical, então, pode ser estruturado levando em consideração a relação entre o conhecimento prévio do contexto em que a obra se insere, o fazer musical e as habilidades interpretativas. Sendo assim, alinha-se a análise da obra, estrutura, contexto, textura, citações e elementos melódicos ao domínio do instrumento para a construção de uma performance fiel ao compositor e ao contexto em que a obra se insere.

Contribuindo para o desenvolvimento da interpretação musical, Barry e Hallam (2012) sugerem, com base na pesquisa empírica, que os músicos adotem duas abordagens principais para desenvolver a interpretação, a intuitiva e a analítica. Se uma abordagem intuitiva for adotada, a interpretação evolui ao longo do aprendizado para tocar a peça e é baseada no conhecimento musical básico já acumulado pelo intérprete. Quando uma abordagem analítica é adotada, a interpretação é baseada na escuta extensa da música específica, na comparação de interpretações alternativas e na análise da estrutura da música. Dessa forma, considerando os conceitos estudados e direcionamentos que implicam diretamente na construção da performance musical ao trombone, os aspectos apresentados são de extrema importância para a reflexão e preparação da interpretação musical do Concertino N.1, para Trombone e Orquestra de Cordas do compositor Fernando Deddos.

2.2.5 Preparação para o palco

No momento de preparação para o palco, nos encontramos com dúvidas frequentes sobre qual a melhor forma de nos prepararmos, seja artística ou psicologicamente. Segundo Cardassi (2000), a preparação para o palco concentra-se em momentos de organização psicológica que se complementam para o desenvolvimento da construção da performance, sendo eles: antes do recital, momento em que acontece a definição do programa de estudo para o recital; preparação organizacional, que consiste na elaboração de convites, cartazes e folders; produção organizacional do recital, que, por muitas vezes fica a cargo do músico; preparação psicológica, diz respeito aos aspectos que envolvem a ansiedade de performance musical; preparação física, afim de desenvolver hábitos saudáveis no dia-dia com alimentação balanceada e a prática de exercícios físicos, para se sentir-se em boa forma, diminuindo assim o risco de lesões; durante o recital, se o intérprete está confiante na sua preparação artística e encara o recital como um desafio, será muito mais fácil controlar a ansiedade; depois do recital, que se observa como lidar com as falhas da performance que geralmente assumem proporções maiores para o performer do que para o público. Nesse sentido, é importante avaliar todos os aspectos que se relacionam com o bem estar do músico, pois torna-se assim um fator positivo fortalecer o desenvolvimento muscular e psicológico no momento de subir ao palco.

Outras estratégias são utilizadas por muitos músicos. As autoras Barry e Hallam (2012) afirmam que, as estratégias de gravação de performance antecipados são adotadas por muitos intérpretes, bem como a de ensaio geral, buscando construir no ambiente uma execução com o máximo de similaridade possível com o dia de concerto. Nesse sentido, podemos refletir acerca das dificuldades de construção da performance musical, compreendê- las e resolvê-las através de estratégias deliberadas. Entende-se que se fazem necessária as reflexões acerca dos processos de preparação para o palco, visto que o desenvolvimento psicológico do músico contribui para uma performance efetiva. Podemos perceber que o desenvolvimento e a construção da performance musical não são apenas dificuldades técnicas, fazem parte o lado artístico e de compreensão musical, bem como a construção física e psicológica do intérprete.

2.2.6 Metacognição/Autorregulação da prática instrumental

É uma das estratégias mais importantes da prática instrumental, pois está ligada efetivamente com a eficácia dos processos evolutivos da performance musical. Consiste na autoavaliação de suas atividades; da consciência e análise do seu próprio desenvolvimento performativo. Para Cavalcanti (2009, p. 17), “autorregulação é a capacidade de auto ensino, ou seja, ser capaz de preparar, facilitar e controlar a própria aprendizagem, proporcionar feedback e julgamentos quanto aos resultados, fomentar a motivação e a concentração. Um aluno autorregulado é aquele que usa estratégias próprias testando continuamente a sua eficácia, sentindo-se motivado a fazê-lo”. Nessa perspectiva, complementando a definição da estratégia de Metacognição, Santos e Hentschke, afirmam que:

A metacognição nas situações de prática instrumental implicaria um tipo de raciocínio voltado a elaborar perguntas do tipo: De que maneira eu faria essa passagem? Por que tal modo de realização é tão difícil para mim? Nessa maneira de fazer, o que é específico as minhas próprias possibilidades pessoais? O que poderia fazer para melhorar minha execução? A profundidade desses questionamentos depende tanto do nível de especialização, como da capacidade reflexiva do instrumentista (SANTOS; HENTSCHKE, 2009, p. 73).

Nesse sentido, os momentos de descanso durante a prática instrumental contribuem para reflexões acerca do estudo diário, especialmente sobre como estamos nos preparando ou de que forma podemos melhorar a nossa interpretação em um determinado trecho musical.

Ajudando o intérprete na avaliação e no desenvolvimento da sua própria interpretação musical, Garcia (2015, p. 17) descreve a metacognição como sendo a metaestratégia que se refere à capacidade do estudante em pensar em si mesmo e no que faz ao utilizar estratégicas benéficas. Contribuindo para o entendimento deste conceito, Barry e Hallam (2012), dizem que a metacognição refere-se ao conhecimento do aprendiz sobre a aprendizagem em si (ou seja, pensando sobre pensar). Isso é fundamental para a prática. As habilidades metacognitivas estão ligadas ao planejamento, monitoramento e à avaliação de aprendizagem, incluindo conhecimento de pontos fortes e fracos pessoais, estratégias disponíveis (orientada a tarefas e orientada para a pessoa) e conhecimento de domínio para avaliar a natureza da tarefa e avaliar o progresso em direção ao objetivo.