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3 O COMPOSITOR E INTÉRPRETE DA OBRA: PROCESSOS E

3.1 O compositor Fernando Deddos – Trajetória e formação

Para entendermos as suas influências composicionais e consequentemente as suas escolhas na criação do Concertino N.1 para trombone e orquestra de cordas, veremos a seguir um pouco da trajetória musical do músico e compositor. Eufonista e compositor, Fernando Deddos iniciou a sua carreira em Curitiba – PR. Obteve as suas principais influências musicais a partir dos 3 anos de idade, por estar inserido em uma família de músicos, estudando inicialmente o órgão eletrônico e prosseguiu com o teclado/piano no Talento Conservatório em União da Vitória - SC, aos 4 anos de idade. E, como compositor, também remete ao seu ambiente familiar e a uma diversidade de experiências vivenciadas que posteriormente vieram a caracterizar a sua música. Segundo Deddos:

[...] eu nunca me fechei muito em aprender coisas novas, estive sempre aberto a aprender novas sonoridades e deixar com que elas me influenciem o mais naturalmente. Eu não necessariamente cito compositores específicos como minhas influências, vou até citar alguns, mas eu gosto de citar justamente o combinado de atividades das quais eu fiz parte; às quais eu fui exposto. Então, eu considero como influências minhas desde as músicas que a minha mãe cantava comigo, minha mãe era cantora, as músicas que meu pai ouvia, ele não sabia, um trechinho da ópera Carmem lavando o carro ou uma música de Pink Froyd e minha mãe cantava uma valsa tradicional

brasileira como Sereno da Madrugada...” (DEDDOS, 2017).

Diante desse contexto, que o compositor expressa as suas primeiras influências musicais a partir de vivências familiares, o que facilitou o seu envolvimento com o meio musical. Aos 12 anos, a partir do ingresso na Banda Marcial Santos Anjos, pôde ter contato com os instrumentos de sopro no interior de Santa Catarina, na cidade de Porto União. Segundo o próprio compositor, o seu interesse por compor surgiu paralelamente ao desenvolvimento técnico na banda marcial no ano de 1996. Deddos comenta que:

[...] dentro desse grupo, justamente por essa estrutura que essa banda oferecia ter, posteriormente a minha entrada, comprado instrumentos, por exemplo, de percussão sinfônica e já ter um trabalho um pouco mais aprimorado de trazer arranjos, adaptações eu tive um acesso ao mundo da música escrita, orquestrada. Eu já tinha o interesse por criação! Apesar de estudar as músicas que estavam escritas eu tive sorte que as minhas professoras de teclado, elas não colocavam muitas barreiras nas minhas vontades criativas... Então isso já acessou um pouco o lado da criação (DEDDOS, 2017).

O compositor deixa claro na citação acima a importância da Banda Marcial Santos Anjos, que teve um papel fundamental para que o instrumentista viesse a se descobrir, sobretudo na sua formação como compositor. Nesse contexto, complementando sobre seus primeiros passos como compositor, Deddos (2017) declara que: “[...] conectando com essa banda marcial, o regente que era o coordenador na verdade da banda percebeu que eu tinha esse interesse também e eu me conectei rapidamente com as grades das peças e me motivou a fazer arranjos...”. O compositor ressalta, ainda, que ao mesmo tempo em que começou a fazer arranjos, passou a tocar na noite em bandas bailes pelo interior do estado, tocando música popular brasileira nos instrumentos de teclado e também de sopro e que essa experiência o motivava a continuar criando arranjos até vir a escrever os seus próprios temas, por volta dos 15 anos de idade.

Deddos comenta sobre o jogo RPG e das suas influências para compor os seus primeiros temas: “[...] eu tinha um jogo que chamava RPG que eu jogava com os meus colegas, que tinha todo o envolvimento com o mundo medieval fantástico que tem certa

conexão com música sinfônica, pois têm umas trilhas de filmes, uma coisa meio épica, som dos metais, fanfarras...” (DEDDOS, 2017). Diante da fala do compositor, podemos visualizar a partir do comentário, a sua influência da música sinfônica, sobretudo pelo som dos instrumentos de metal que são parte fundamental nas trilhas sonoras de filmes históricos. Acerca da forma com que desenvolvia a sua escrita inicial, o que se deu através do contato com os softwares de escrita no computador, no final dos anos 1990, Deddos comenta:

[...] então isso já ajudava também, mesmo sem um professor de composição eu desenvolver um jeito meu de me influenciar pelas músicas populares que eu tocava; as músicas sinfônicas a que eu tinha acesso através dessa banda, gravações. Conheci já compositores que se não fosse por essa banda eu não teria conectado, tive a oportunidade de ouvir Bruckner, depois descobri Mahler e outros compositores ultrarromânticos. E o computador então me ajudou a tentar colocar mais ou menos no papel. Eu não tinha técnica, não sabia escrever a mão, depois eu fui estudar na faculdade (DEDDOS, 2017). Podemos observar que o compositor obteve influências diversas, o que contribuiu para diversificar o seu modo de criação musical, abrangendo a música popular brasileira; trilhas sonoras históricas e a música sinfônica de concerto, através do acesso às grades da Banda Marcial Santos Anjos, além de ouvir grandes compositores da história da música como Anton Bruckner e Gustav Mahler, e considerando esse contexto, passou a desenvolver e organizar as suas ideias e primeiras composições utilizando os softwares de escrita musical no computador.

Levando em consideração o seu aprendizado como compositor e as suas principais influências, o próprio Deddos (2017) denominou de “complexo de influências iniciais” o fato de aprender e querer criar a música de concerto em paralelo ao seu hábito de fazer transcrições de áudios de obras conhecidas no âmbito da música sinfônica:

[...] eu tinha certo vício de fazer transcrições de áudio. Então o que me ajudava e compreender um pouco, pegava uma obra, abertura de Verdi, por exemplo, uma das primeiras transcrições de áudio de adolescente foi de A Força do Destino, sem ter a partitura eu me esforçava pra aprender e isso me ajudava comparando com a partitura (DEDDOS, 2017).

Nessa direção, conectando com o Concertino N.1 para trombone e orquestra de cordas, podemos entender que as suas influências iniciais como compositor e o fato da facilidade com que Deddos faz transcrições nos ajudam a compreender o possível uso de intertextos, citações direta ou indireta de outras obras, aspectos que podem vir a ser uma das principais características do seu modo de compor, sobretudo do Concertino N.1. Posteriormente, no ano de 2003, Fernando Deddos se deslocou para a cidade de Curitiba – PR, onde se formou em

composição e regência na Escola de Música e Belas Artes do Paraná/EMBAP, o que contribui para definir e entender o que ele estava construindo na sua cidade natal como compositor e quais caminhos iria seguir a partir de então.

Seguindo a linha de descobertas e explorando o universo do compositor que é autor de obras para formações musicais diversas, perguntamos como o próprio compositor caracteriza o seu estilo composicional. Apesar das referências e experiências vivenciadas como músico e compositor, considera-se “plural” como um compositor de música erudita popular que gosta de expressar o momento, considerando o ambiente. E que tenta descobrir uma linguagem experimentalista e particular, estando sempre aberto a aprender novas sonoridades (DEDDOS, 2017).

Deddos relata sobre os estilos musicais que o influenciaram além dos elementos musicais e as mais diversas sonoridades. “[...] eu cresci perto de música gaúcha, nativista. Então, eu cresci vendo grandes acordeonistas sempre me impressionando naquela musicalidade e eu tive uma conexão sempre com percussão, com ritmos e isso foi me fazendo ver com o que eu estivesse sempre aberto a me influenciar com as mais diversas sonoridades [...]” (DEDDOS, 2017). Diante desta citação é possível entender como Deddos foi influenciado por diversos ritmos musicais quando visualizamos nas suas obras uma diversidade de ritmos brasileiros em conexão a exemplo do Concertino N.1 para trombone e orquestra de cordas. O compositor ressalta também sobre o seu aprendizado no que diz respeito à escrita para o instrumento de metal e como foi a sua influência em conexão com diversos compositores.

[...] por ser instrumentista de metal, nos nós conectamos com as músicas dos nossos instrumentos. Eu comecei a tocar o Bombardino, o Eufônio que a gente pesquisa já na adolescência e antes eu já tive esse acesso a umas peças relacionadas a um instrumento, aí eu abri a cabeça também para esse mundo das especificidades dos instrumentos. E alguns compositores de banda sinfônica e principalmente de trilha sonora me influenciaram muito, é um tipo de música que você conecta com a imagem, John Williams, por exemplo, foi uma influência juntamente com esses compositores que ele mesmo remete como Gustav Holst; o próprio Gustav Mahler que eu já havia citado Anton Bruckner, Richard Wagner são compositores que utilizam muito instrumento de metal (DEDDOS, 2017).

O fato de o compositor ser instrumentista da área de metal atribui certa relevância para a criação do Concertino N.1 para trombone e orquestra de cordas e ainda sobre os compositores que o influenciaram, especialmente a partir da sua inserção no âmbito acadêmico para continuar a sua formação em composição e regência, Deddos cita Ígor

Stravinski, Bela Bartók, Padre José Maurício, Antônio Carlos Gomes e Heitor Villa-Lobos considerando todos eles parte fundamental para sua formação. Nesse sentido, aspectos fundamentais da música e especialmente o modo como esses compositores conectam tais elementos fundamentais da música como ritmo, melodia, harmonia, forma são objeto de pesquisa de Deddos. Porém, o compositor ressalta que não há um compositor em primeiro lugar e sim uma amálgama de influências de conceitos adquiridos através da pesquisa sobre a vida e obra desses compositores.

O compositor destaca que buscou, a partir das suas influências na música clássica, na música experimental em sala de aula, além de todos esses renomados compositores citados, construir e desenvolver uma forma diversa de escrita que permeia por vários ritmos e gêneros musicais. Nesse sentido, especialmente sobre a suas influências na música popular brasileira, no jazz e em outros gêneros, Deddos destaca:

[...] Na música popular, que é o que a gente chama, eu tive contato felizmente com bons músicos já na minha adolescência. Esses grupos de noite, músicos que estudavam música instrumental como jazz, música brasileira, choro e então eu já tive acesso a nomes do jazz, já sabia quem era Artur Maia porque eu estava sempre perto de grandes músicos que estudavam grandes bateristas e grandes saxofonistas... e quando eu mudei pra capital, que é um centro mais cosmopolita, eu tive acesso aos gêneros como eles são porque você encontra um grupo de choro; um grupo de maracatu; um grupo de samba; um grupo de música cubana; outro grupo de música antiga, especificamente [...] (DEDDOS, 2017).

A partir da fala do compositor, percebemos que a diversidade de combinações musicais vivenciadas por Fernando Deddos contribuiu para a sua formação musical diversa como compositor, bem como para caracterizar o seu modo de criação musical. Deddos reitera que prefere a pluralidade na sua forma de compor e reafirma a importância da música popular brasileira na sua trajetória musical.

[...] O que eu fiz foi ir sugando o máximo que eu poderia de todas essas influências da música clássica; música experimental; música popular na rua; eu já toquei trombone em banda de salsa e até comecei a tocar mais choro depois, então você vai ver que eu gosto que a minha música soe assim, bem plural e mais atualmente depois que eu defini que eu gostaria de pesquisar o meu instrumento principal que é o Eufônio na música brasileira e trazer compositores brasileiros e não necessariamente só ritmos mais populares, tradicionais ou típicos ai eu fiz um combinado de tentar descobrir quem sou eu como compositor e como instrumentista e como eu conecto todas essas coisas. (DEDDOS, 2017).

Nessa direção, o compositor ressalta ainda que uma das últimas peças que escreveu, no ano de 2016, foi um Concerto para Eufônio e orquestra sinfônica no modo tradicionalista

com três grandes movimentos, considerando a escassez desse tipo de obra no Brasil, com o objetivo de revisitar as suas experiências como músico e compositor. Deddos acrescenta: “[...] Nesse concerto eu tentei colocar uma história do que seriam as minhas influências e principalmente uma homenagem ao Bombardino no Brasil, então as coisas que eu vou estudando como instrumentista vêm a influencias no que eu componho” (DEDDOS, 2017). Observamos, a partir do comentário, que o compositor reforça a ideia de pluralidade na sua forma de pensar e criar as suas obras, desenvolvendo assim um estilo composicional particular e ao mesmo tempo diverso.

Para que possamos conhecer um pouco mais de algumas de suas obras, trazemos abaixo uma breve descrição elaborada a partir de comentários do próprio compositor das peças que mais caracterizam o seu estilo composicional:

a) Ratatá! - 2007. A obra escrita para a criação do Duo Primo de Eufônio e Percussão (com Danilo Koch, que vive atualmente na Alemanha). Ratatá! Simula dois corpos em movimento similar, que por ventura discordam, mas através de homo ritmos e uníssimos terminam com o assunto quase que em concordata. A peça foi gravada no disco EuFonium Brasileiro, de Fernando Deddos e publicada pela editora Potenza Music (EUA);

b) Rabecando - 2008. Chamar-se-ia originalmente "Singelo". A ideia é a de contemplar o eufônio em suas distintas características líricas X ágil. A obra é como um solo de um instrumento típico brasileiro (viola, rabeca, ou até mesmo um berrante). Inicia-se lentamente e como uns processos de externalização de uma ideia individual, desabrocha em uma corrente de notas aceleradas ao seu final. Uma evocação. A obra contém exigências cênicas e de técnicas estendidas. Rabecando foi gravada no disco EuFonium Brasileiro, e publicada pela editora Potenza Music (EUA);

c) Tuba e Grupo de Trombones - 2010. Obra baseada no épico de Homero - Odisséia, A viagem de Ulisses. A tuba não é solista, mas protagonista. A tuba é Ulisses e os trombones representam tudo o que permeia o épico. A obra é narrativa, seguindo em partes a estrutura da obra literária. Foi dedicada a Sérgio Carolino e o grupo The Wild Bones Gang, de Portugal, e está oficialmente gravada e lançada em CD na Europa;

d) Duo Divertimento No. 2 - 2011. Foi escrita durante uma residência no Primeiro Festival Internacional SESC de Música e estreada no mesmo lugar, em parceria com o trombonista José Milton Vieira. A obra é o início de uma série que pretende ter o Eufônio convidando sempre um instrumento diferente, como já se diz no título, para se divertir. As

alusões são as do momento, preservando-se ao máximo as características dos instrumentos. Utiliza-se de técnicas estendidas, uso de fonemas e ritmos latino-americanos.

e) Nevoeiro - 2012. Escrita para um concurso de composição (sem sucesso) na Rússia. Por isso a obra cita Shostakovich em poucos momentos. Sobretudo, inspirada no poema "Nevoeiro" de Fernando Pessoa (inclusive o tubista deve declamar em uma sessão intermediária da obra). Há também menção à "Anunciação", do compositor Alceu Valença, já que fala de brumas. Nevoeiro é grave e ágil, mas também lírica e leve. Por vezes uma névoa por outras um cântico referencial à beleza das nuvens. Sempre brasileira (como quer que veja o que é "brasileiro").

Consideramos que essas obras caracterizam o estilo do compositor e podem nos ajudar a compreender um pouco mais sobre a sua concepção musical, contribuindo assim para construção de uma concepção interpretativa sobre o Concertino para trombone e orquestra de cordas, obra a qual é o foco desta pesquisa. Atualmente, Fernando Deddos é professor de tuba e eufônio na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, doutor em música pela State University of Georgia at Athens – UGA/Estados Unidos e premiado internacionalmente em diversos concursos, tais como o da ITEA - International Tuba and Euphonium Association; Prêmio Roger Bobo Awards for Excellence in Recording e Harvey Phillips Awards for Excellence in Composition (Solo e Música de Câmara).

3.2 As principais características do Concertino N.1 para trombone e orquestra de cordas