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3 O COMPOSITOR E INTÉRPRETE DA OBRA: PROCESSOS E

3.3 Os principais desafios para o intérprete do Concertino N.1 para trombone e

Paralelamente às informações coletadas com o intérprete José Milton Vieira, neste tópico são apresentados aspectos evidenciados pelo compositor e as dificuldades encontradas pelo pesquisador a partir da análise e estudo da obra.

Vieira iniciou seus estudos musicais em 1998, na Banda de Bombeiros Mirins em Brasília – DF; posteriormente, estudou na Escola de Música de Brasília, na Universidade de Brasília (UnB) e na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especializou-se na Julliard Music School (2012). Atualmente é Trombone Solo da Ospa e membro do Quinteto Porto Alegre, professor do Conservatório Pablo Komlós e da plataforma Play With a Pro (VIEIRA, 2017). Considerado um dos representantes da nova geração de trombonistas brasileiros pela classe trombonística. O trombonista destaca-se pelas premiações como trombone solista em competições nacionais e internacionais, tais como: Primeiro prêmio do Pré – Estréia, Categoria Solista (TV Cultura, SP- 2012); Segundo prêmio exclusivo Radegundis Feitosa Nunes (solista de Metais no Festival de Metais do Pará – BL – 2012) e Primeiro prêmio no prêmio do público do 26° Concorso Internazionale “Città di Porcia (Italia-2015); Primeiro prêmio da Lewis Van Haney Philharmonic Prize Competition em Paris (ITF 2012). Além destes, foi premiado pela melhor interpretação na peça comissionada “Is My Shoe Still Blue” de Christian Muthspiel da 64ª Internationaler Musikwettbewerb der ARD (Alemanha, 2015).

Sabendo da trajetória musical do intérprete, percebemos que se trata de um músico profissional reconhecido no cenário musical contemporâneo e nesse sentido é importante ressaltar que o Concertino N.1 para Trombone e Orquestra de Cordas do compositor Fernando Deddos foi uma composição dedicada ao trombonista. Levando em consideração que a obra foi escrita para um trombonista dominante dos aspectos técnicos de execução musical no instrumento, veremos a seguir as principais dificuldades técnicas encontradas por parte do intérprete José Milton Vieira, em diálogo com as observações do compositor e as nossas considerações diante dos obstáculos encontrados no estudo da obra.

O intérprete argumenta que as principais dificuldades da obra giram em torno dos diversos tipos de articulação utilizados pelo compositor e descreve um dos trechos que mais estudou na sua preparação:

[...] Articulação! As obras do Deddos têm muita articulação! Então, isso é um achismo meu, se dá muito pelo fato de ele ser um Eufonista e como tal, na literatura do instrumento tem bastante variação de articulações, obviamente no trombone tem bastante, mas é nítido que ele varia bastante a articulação no Concertino. E algumas coisas que eu, lembrando a minha preparação, coisa que eu peguei no meu pé, foram os trechos ali do primeiro movimento...” (VIEIRA, 2017).

Vieira se refere à articulação do primeiro movimento do Concertino N.1 para Trombone e Orquestra de Cordas, trecho que compreende os compassos 61 ao 66, como mostra a figura abaixo.

FIGURA 6 Exemplo musical

FONTE: Arquivo do autor

Refletindo sobre o trecho, base dos nossos estudos de construção da performance sobre a obra pesquisada, observamos que a dificuldade se dá em parte, também, pelo andamento rápido semínima = 110, o que dificulta a execução do trecho, tendo em vista a distância intervalar das notas escritas e a posição/localização das notas na vara.

Ainda considerando a articulação como sendo um dos aspectos fundamentais para a construção da performance da obra estudada, segundo Vieira, é um dos trechos de difícil execução, ainda no primeiro movimento, o que compreende os compassos 104 e 130 como mostra a figura a seguir:

FIGURA 7 Exemplo musical

FONTE: Arquivo do autor

No trecho acima é possível analisar a variação de articulação e dinâmica escrita pelo compositor num andamento rítmico de semínima igual a 110 (cento e dez), bem como observar os diferentes tipos de acentuações que é parte importante da interpretação sonora pensada pelo compositor. Para eficácia na execução dos trechos citados acima, torna-se essencial para o intérprete o domínio da articulação, especialmente a pronuncia dos acentos, equilíbrio no controle da dinâmica, bem como a conexão entre o movimento e o acento pronunciado.

No segundo movimento, o intérprete destaca como sendo o principal desafio o conceito lírico do trombone pelo fato de se tratar do movimento lento da obra, levando em consideração os contrastes interpretativos pela diversidade de informação contida na partitura.

[...] O movimento que eu mais estudei, estudei o conceito desse movimento que é justamente a questão da música lenta de você deixar isso o mais orgânico possível, e pra mim é o mais difícil, como eu disse: ele é o contraste em relação aos outros dois movimentos. Então, no ponto de vista técnico nem é tão complicado, aliás, ele é realmente simples de tocar só que no ponto de vista de interpretação ele tem muita informação. (VIEIRA, 2017).

Alguns termos considerados usuais ou empíricos são utilizados na área para argumentar aspectos musicais e representar algo que é abstrato na música. Nesse caso, ao se referir ao trecho com o termo “mais orgânico possível”, Vieira (2017) sugere que o segundo

movimento requer maior conexão das notas e atenção nas indicações escritas na partitura com o intuito de construir expressividade interpretativa através da variação rítmica/nuances de andamento escrito pelo compositor. Na figura abaixo, segue o tema do segundo movimento, que compreende os compassos 201 ao 218:

FIGURA 8 Exemplo musical

FONTE: Arquivo do autor

A partir da figura é possível visualizar as nuances e articulações escritas pelo compositor, ainda, como sendo uma das dificuldades de execução o domínio do movimento/digitação de vara, considerando que o compositor escreve alguns intervalos distantes com notas em ligadura.

No terceiro movimento, o intérprete destaca mais uma vez os tipos de acentuação, bem como a movimentação/digitação da vara como sendo as principais dificuldades, considerando que se trata do movimento rápido baseado no frevo e comenta sobre as variações de dinâmicas:

[...] O terceiro movimento, além das questões técnicas, você usa basicamente articulações diversas, tipos de articulações distintas, tem a questão da agilidade da vara que é pra ser claro. Eu consideraria que como ele é o resumo da obra porque tem um trecho em que entram citações do primeiro e do segundo movimento. As ideias precisam estar muito claras na questão de dinâmicas pra não soar uma coisa muito chapada. Isso, obviamente, em toda obra, mas no terceiro movimento eu destacaria mais isso porque tem varias mudanças e citações de obras famosas. (VIEIRA, 2017).

O intérprete destaca o uso de citações dos dois movimentos anteriores e até de outras obras, confirmando a fala anterior do compositor sobre as principais características do

Concertino N1, o que contribui para uma maior atenção à articulação escrita, com o objetivo de destacar com fidelidade essas citações. Em diálogo com Vieira, a conexão entre movimento/digitação na vara e a articulação escrita exige bastante atenção, visto ser um aspecto fundamental para a execução do terceiro movimento, especialmente em trechos rápidos com semínima igual a 165 (cento e sessenta e cinco). Descreve como “dinâmica chapada” a dificuldade de equilibrar as dinâmicas escritas na partitura, fazendo com que a música soe apenas num só volume sonoro. Para que possamos visualizar a escrita do trecho, segue na figura abaixo parte do terceiro movimento.

FIGURA 9 Exemplo musical

FONTE: Arquivo do autor

Na figura 9, destaque para as semicolcheias em staccato; variações de acentos e dinâmica. E, como podemos visualizar, no trecho acima, Deddos não descreve a armadura de clave na partitura, apenas adiciona os acidentes ocorrentes, o que pode dificultar a leitura. E, nesse sentido, o compositor alerta para o desenvolvimento das tonalidades em que a peça foi escrita, quando argumenta: “[...] O Concertino foi pensado para uma execução de um músico avançado a profissional, porque não existe uma delimitação de extensão necessariamente. A peça trabalha com a região aguda, para um instrumento que é construído em Sib ela circula em certas modulações”... (DEDDOS, 2017). Nessa direção, entendemos que o compositor levou em consideração o nível avançado do intérprete José Milton Vieira e a partir da nossa análise e estudo da obra, também ressalto da importância do reconhecimento da tonalidade e

das modulações da peça. E sobre a extensão, pudemos perceber que o compositor explora bem a extensão do trombone, como podemos observar na figura abaixo:

FIGURA 10 Exemplo musical

FONTE: Arquivo do autor

A obra apresenta dificuldade no equilíbrio sonoro em diferentes registros, como podemos ver na figura acima, compasso 263, onde o compositor escreve um Réb1, dificultando a execução do trecho, por se tratar de um registro grave. Já na próxima figura apresenta um Réb 4, registro agudo que requer precisão e resistência no compasso 479.

FIGURA 11 Exemplo musical

FONTE: Arquivo do autor

Diante de todas as dificuldades apresentadas, a amálgama de citações e referências de outros compositores e de outras obras utilizadas pelo compositor Fernando Deddos para a criação do Concertino n.1 para Trombone e Orquestra de Cordas representa um grande desafio interpretativo para o performance, visto que o objetivo do compositor é a sonoridade pensada a partir dos trechos da obra que abarcam as mais variadas articulações, gerando efeitos sonoros específicos pensados no desenvolvimento da peça. Nessa perspectiva, um dos aspectos mais importantes é o contraste sonoro de cada movimento, que requer uma construção interpretativa fundamentada no conhecimento dos procedimentos composicionais que caracterizam o contexto em que a obra e o compositor se inserem.

4 PERSPECTIVAS PARA A CONSTRUÇÃO DA PERFORMANCE E O ENSINO DO CONCERTINO N. 1

A partir dos dados coletados nas entrevistas com o compositor e o intérprete, foi possível identificar uma série de características técnico-interpretativas da obra estudada. Neste capítulo, apresentaremos ainda as estratégias de ensino e aprendizagem do instrumento para melhor dominar os aspectos apresentados.

O Concertino N.1 para Trombone e Orquestra de Cordas se insere no contexto das obras contemporâneas brasileiras para trombone, compostas no século XXI. Porém, a obra apresenta, em sua análise estilística, características tradicionais com relação à sua forma/estrutura estabelecida em três movimentos distintos. É repleta de mudanças rítmicas dentro de cada movimento e faz alusão a diversas obras através de citações diretas e indiretas de gêneros da música brasileira, além do repertório erudito tradicional para trombone, o que estabelece uma diversidade de articulações necessárias para interpretação dos intertextos.

A obra proporciona ao intérprete desafios significativos para o domínio das técnicas básicas de execução musical no trombone, dada as necessidades encontradas no aprendizado para o desenvolvimento da prática instrumental, essencial na construção da performance da obra no instrumento. O compositor ainda descreve na partitura diversas indicações de expressividade e andamentos que orientam o intérprete na compreensão da peça como um todo.

Considerando a análise das principais características técnico-interpretativas da obra apresentadas no capítulo anterior, desenvolvendo o conhecimento musical para consolidar a construção da performance da obra pelo intérprete, sabemos sobre as principais influências do compositor Fernando Deddos para criação do Concertino N.1 para trombone e orquestra de cordas e suas inspirações, bem como sobre os principais obstáculos e desafios encontrados na preparação e aprendizagem da obra pelo intérprete José Milton Vieira, em diálogo com as dificuldades apresentadas pelos autores deste estudo.

Com base na análise da trajetória e da formação do compositor, bem como pelo conhecimento adquirido através de procedimentos composicionais utilizados em outras obras do compositor, foi possível identificar como sendo umas das principais características composicionais de Fernando Deddos o uso de citação direta e indireta de compositores e obras que o influenciam no processo de criação, de desenvolvimento de suas obras. A partir desse conceito, ressaltamos ao intérprete a importância do conhecimento da vida e da obra do

compositor o qual pretende tocar, pois desse modo será construído um conhecimento sólido no que diz respeito aos propósitos composicionais pensados pelo compositor, especialmente a fidedignidade da interpretação, considerando o contexto em que a obra e o compositor se inserem.

Não obstante a construção do referencial teórico sobre o compositor é importante entender a estrutura da música; contrastes sonoros dos diferentes movimentos da obra; principalmente lhe dar ferramentas que fundamentam o desenvolvimento interpretativo sobre a obra estudada. Nesse caso, conhecer também as principais características composicionais da obra específica contribui para o entendimento da peça como um todo, sobretudo dos principais obstáculos, bem como para identificá-los, e a partir disso, desenvolver estratégias de prática instrumental que auxiliem no aprendizado.

No Capítulo II foram apresentados conceitos relacionados à construção da performance. Nesse sentido, foram discutidos direcionamentos que englobam aspectos técnico-interpretativos e questões que vão para além da performance com o instrumento, mas que impactam diretamente no desenvolvimento e aprendizado da obra. Considerando os principais conceitos discutidos, segue, neste capítulo, a resposta da questão de pesquisa, dialogando com os conceitos e as estratégias apresentadas pelo compositor e intérprete, bem como, com a nossa análise dos fundamentos e direcionamentos que mais se mostraram eficazes na construção da performance musical no trombone sobre a obra estudada.

4.1 Perspectivas pedagógicas para o ensino e a aprendizagem do Concertino N.1 para