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2 CONCEITOS E PERSPECTIVAS PARA A PRÁTICA E O ENSINO DO

2.3 Aspectos técnicos do trombone

No período renascentista, o trombone era especialmente usado para acompanhamento de corais de vozes. “Quando surgiram os primeiros trombones, a ideia principal era a de ter um instrumento dotado de capacidade para executar todas as notas diatônicas, a fim de se contrapor às formas cantadas por coro de vozes humanas” (SANTOS, 2004, s/p). Apesar de muito utilizado como solista em várias formações, as características de evidência do instrumento como solista só tomaram proporções maiores apôs compositores como Ludwig Van Beethoven introduzirem o instrumento na orquestra nas suas sinfonias 5ª, 6ª e 9ª, considerando as características sonoras do trombone.

No século XIX, a música sofreu modificações significativas devido às tendências de texturas que transcenderam as concepções do classicismo. Paralelamente, a evolução das fábricas na produção de instrumentos musicais e, a partir disso, a introdução de novas válvulas, proporcionou o aumento de possibilidades de execução musical, especialmente dos instrumentos de metal. A partir desse contexto, podemos analisar uma série de elementos sonoros inseridos no repertório, escrito no decorrer da história da música até os dias atuais, especialmente as modificações atribuídas no repertório de caráter solo para trombone.

Nessa direção, além da sonoridade do trombone, veremos a seguir alguns conceitos sobre os aspectos de execução musical no instrumento. Especialmente, sobre o repertório de obras brasileiras compostas exclusivamente para o trombone. Considerando que esta pesquisa é focada na preparação e no ensino da obra Concertino N.1, para Trombone e Orquestra de Cordas do compositor Fernando Deddos, os conceitos relacionados à técnica do instrumento apresentados neste capítulo serão abordados sob um enfoque mais geral, e aspectos mais específicos de cada técnica não serão abordados. Nessa direção, cada um desses tópicos poderia gerar vários trabalhos específicos, portanto, não é pretensão exaurir ou abordar de forma mais ampla os tópicos aqui apresentados.

2.3.1 Sonoridade

Entre outros aspectos, categorizamos a sonoridade, que é característica ímpar do instrumento; os efeitos sonoros; bem como a utilização de todas as possibilidades técnicas do instrumento nos leva a entender o desenvolvimento da escrita; as principais técnicas e como os trombonistas desenvolvem a sonoridade na prática instrumental diária no trombone. Segundo Santos:

Nos séculos XVI e XVII o trombone era considerado um instrumento de meia sonoridade, ou seja, em volume de som era considerado semelhante aos instrumentos de cordas. Shütz, conhecendo o potencial do instrumento, utilizou o trombone na figuração imitativa entre os diversos instrumentos, a fim de compor dentro do conceito polifônico (SANTOS, 2004, s/p).

Assim como na ótica de Shütz, o trombone é visto por muitos compositores hoje como um instrumento versátil e com possibilidades sonoras peculiares. Utilizado hoje em diversas formações de câmera e de inúmeros gêneros musicais, como jazz, orquestra, solo, música de câmara e conjuntos musicais diversos, é um instrumento que participou da história da música desde o período renascentista (Silva, 2010). A respeito da sonoridade peculiar do trombone, Silva (2012) acrescenta que os compositores românticos consideravam que o trombone era capaz de produzir e expressar diferentes momentos e situações emocionais na música. Considerando essa afirmação, podemos entender que a sonoridade do trombone era um atrativo motivador para os compositores no sentido de proporcionar grandes possibilidades de variações sonoras.

Já muito foi dito acerca das qualidades sonoras e expressivas do trombone. Não creio poder acrescentar nada à vasta literatura existente, no entanto, pretendo expressar a minha convicção de que o trombone, no seu âmago, se trata de um amplificador que pode transmitir uma grande variedade de estados de alma (SILVA, 2010, p.08).

O aspecto de sonoridade caracteriza-se como extremamente importante para a construção desta pesquisa, visto que, na obra estudada, o compositor Fernando Deddos explora, de forma significativa, a sonoridade do instrumento através dos contrastes de dinâmicas colocadas em três movimentos contrastantes e com características melódicas singulares.

2.3.2 Articulação

Diante das principais técnicas de execução musical nos instrumentos de metal, podemos citar a articulação como sendo um dos principais aspectos da interpretação musical, especialmente no trombone, pois se trata diretamente do uso consciente da língua, que é parte fundamental na definição das frases musicais. Como afirma Fonseca (2008, p. 100): “Grande parte dos problemas vividos por músicos de instrumentos de metal podem ser atribuídos ao uso incorreto ou ineficiente da língua”. Nesse sentido, assim como na fala, a língua contribui efetivamente para a articulação das notas que através da combinação de sílabas pode ajudar a definir a qualidade do ataque sonoro, aspecto que vem a ser de grande importância no

momento de construção da interpretação musical, pois cada pronúncia silábica delimita um tipo diferente de ataque e ou acentuação da nota. Para Med (1996, p. 217), “Acento (do latim accentu) é o grau de intensidade atribuído à determinada nota de um desenho ou frase musical. É a ênfase dada a um som (alguns sons são mais fortemente acentuados que outros)”, o que proporciona e define a articulação escrita na partitura.

Santos (2004, s/p) afirma que: “A Língua. É um fator importante, pois é ela quem controla parte da emissão sonora, obstruindo ou liberando a passagem de ar que vem do tórax”. Quando sopramos dentro do instrumento de sopro, a língua funciona como mediadora da corrente de ar que é expirada de dentro dos pulmões. Dessa forma, definindo o tipo de ataque e ou acento sonoro a ser produzido.

O autor coloca ainda que, com a língua é possível definir diversas articulações, tais como: Staccato simples, quando o instrumentista deseja uma articulação com o ataque de nota mais seco, a fim de separar bem uma nota da outra, a língua golpeia rapidamente por trás dos dentes superiores, causando uma explosão devido à interrupção da coluna de ar; detachê, quando o instrumentista deseja uma articulação que possibilite apenas uma separação das notas, sem que haja uma explosão ou ataque brusco, a língua golpeia levemente por trás dos dentes superiores, interrompendo a coluna de ar, entre outros tipos. Sobre esse aspecto, a língua exerce um papel fundamental na clareza interpretativa, conduzindo a qualidade do ataque da nota e assim estabelecendo padrões sonoros ao trombonista.

Sendo a articulação um aspecto que envolve várias formas de produzir um som, especialmente sobre o uso do Legato no trombone, Souza e Mello comentam a respeito da importância do uso das sílabas para facilitar a articulação:

Porque através de sílabas se torna mais viável a explicação de como ocorre à execução do legato. A linguagem falada traz todo um repertório de atuação da língua com o qual o trombonista já tem muita familiaridade. A cada sílaba corresponde um posicionamento e/ou ação diferenciada da língua, conforme as consoantes e as vogais que a compõem. Assim, pode-se fazer o uso de sílabas comuns na linguagem para facilitar o aprendizado do controle da língua, ao se tocar o instrumento (SOUZA E MELLO, 2017, p. 40).

Dessa forma, o uso da pronúncia falada das sílabas ajuda efetivamente no desenvolvimento e na execução de vários tipos de articulação no trombone. Podemos observar também a importância dessa técnica no Método para Iniciantes do professor e trombonista Gilberto Gagliardi. O autor direciona parte do seu livro de estudo à execução do staccato- legado no trombone, sugerindo o uso das sílabas “Da e Ra” para eliminar dificuldades de

Glissandos1, efeito causado pelo movimento de troca de notas, especialmente em determinadas frases musicais realizadas pela sincronia entre a vara e a língua.

Nessa perspectiva, o conhecimento aprofundado dos conceitos de articulação no trombone pode ser fundamental para o desenvolvimento da performance musical no instrumento, especialmente para a compreensão dos vários tipos de acentos usados pelo compositor Fernando Deddos no Concertino N.1, bem como para buscar opções de execução de determinados trechos da obra no instrumento. Dessa forma, será possível esboçar um plano de ação diante das dificuldades interpretativas encontradas.

2.3.3 Flexibilidade

A flexibilidade é um aspecto que está ligado ao domínio de intervalos e conexões entre as notas. Levando em consideração que o trombonista necessita de um bom domínio da técnica de flexibilidade labial, pois isso irá ajudá-lo na superação de dificuldades a ela relacionadas, cabe destacá-la como parte fundamental dos aspectos de execução musical no trombone. Sobre esse aspecto, Fonseca acrescenta que “a primeira e importante indicação para uma boa flexibilidade é que a primeira nota de uma série seja articulada pela língua. Porém, quando os lábios param de vibrar, a única atitude para retornar à flexibilidade é re- atacando a nota, atitude que não se aceita numa flexibilidade” (FONSECA, 2008, p. 108).

Nessa direção, observamos que o domínio de tal técnica de execução contribui para o desenvolvimento da performance musical no trombone influenciando vários tipos de articulação. Silva comenta sobre outro aspecto que se relaciona com o uso da flexibilidade, como por exemplo, o efeito de trilo:

Noutros instrumentos de sopro que não o trombone, o trilo executa-se através da alternância de chaves ou pistões (nos instrumentos de cordas através do movimento dos dedos sobre as cordas). No trombone este efeito é produzido apenas pela mudança alternada de harmônicos, o que exige um grande controlo dos músculos labiais em qualquer registo (SILVA, 2010, p. 49).

1 GLISSANDOS – Esse termo, de origem francesa, que significa escorregando, designa o processo de executar gradualmente as notas existentes entre os menores intervalos da música ocidental. O trombone é o instrumento da família dos metais que executa os glissandos com maior excelência. No entanto, o glissando natural máximo obtido tem a extensão de uma quarta aumentada, e não de toda a extensão do instrumento, conforme mencionado nos mais renomados manuais de orquestração (SANTOS, 2004, s/p). Segundo Fonseca, “O trombone é o único instrumento de metal e de sopro que executa verdadeiramente o glissando. Isso, obviamente, é um dos atributos do sistema de âmbalo. No antanto, devido aos enganos que acometem os compositores e maestros, tornasse uma dor de cabeça ao trombonista” (FONSECA, 2008, p.91).

Nessa perspectiva, ressalta-se a importância do domínio da flexibilidade, pois a execução de intervalos que dependem na maioria das vezes dessa técnica de execução labial é bastante explorada no Concertino N.1 do compositor Fernando Deddos e esse aspecto demonstra ser uma das principais dificuldades de interpretação da obra, por isso é relevante o desenvolvimento de tal técnica para construção da performance no trombone.

2.3.4 Extensão

A extensão é um dos principais aspectos de execução musical no trombone que requer domínio técnico. Nesse sentido, é importante levar em consideração todas as modificações ocorridas nos processos de construção do instrumento a partir da revolução industrial com a implantação das válvulas nos instrumentos de metal. Contribuindo assim para ampliar a tessitura do instrumento, especialmente os registros da região grave. Segundo Silva:

A extensão do trombone, vulgarmente indicada de Mi1 a Sib3, aumentou consideravelmente no século XX. Contudo, há que distinguir a extensão do trombone no repertório solo, mais exigente nos extremos, da extensão do instrumento no repertório orquestral. No século XIX, era vulgar a tessitura do trombone estar compreendida entre Mib 1 e Mib 4 exemplo deste uso é a “Sinfonia nº 3” de Robert Schumann. Já no repertório solo do século XX, compositores e executantes cultivam frequentemente o registo agudo do instrumento até Fá# 4 (SILVA, 2010, p.56).

Considerando a evolução de possibilidades técnicas no trombone, bem como a ampliação de sua extensão, podemos observar, no repertório, especialmente a partir de obras contemporâneas brasileiras, a exploração de toda a extensão do instrumento por parte dos compositores que escrevem para o trombone. Portanto, o domínio de toda a região grave, médio e agudo pelo trombonistas é fundamental para o desenvolvimento técnico em função da construção de uma performance musical sobre o repertório específico.

2.3.5 Posições alternativas, afinação e movimento/digitação de vara

As posições alternativas podem ser usadas para eliminar dificuldades de afinação, bem como para facilitar digitações rápidas em trechos que requerem bastante sincronia da língua e movimento da vara, ou até mesmo para produção de efeitos sonoros especiais. Alguns compositores até definem na partitura a posição a ser utilizada pelo efeito sonoro atribuído ao uso da posição alternativa. Nessa perspectiva, Silva diz que:

Esta técnica consiste em utilizar posições diferentes para a mesma nota, permitindo a articulação em legato (determinadas notas podem ser produzidas em mais de uma posição: o Ré 3, por exemplo obtém-se na 1.ª e na 4.ª, o lá 2 na 2.ª e na 6.ª, etc.9. Tal procedimento visa ajudar na execução da obra, eliminando dificuldades técnicas, ou para efeitos acústicos (SILVA, 2010, p. 47).

Podemos entender que as posições alternativas contribuem também para o domínio de dificuldades técnicas como, por exemplo, a afinação das notas no trombone. Nesse sentido, as posições alternativas e a afinação das notas são dois aspectos interligados da execução musical no trombone, pois a escolha da posição auxilia diretamente o trombonista no desenvolvimento de sua performance musical, especificamente influenciando na afinação, bem como na mudança de digitação através do movimento de braço.

Segundo Fonseca, “A sonoridade de algumas posições alternativas deixa insegura a maioria dos trombonistas, mas, seguramente devemos considerá-las como notas úteis em determinadas ocasiões, especialmente quando na execução do “legato” (FONSECA, 2008, p. 99). Alinhado a esse conceito, cabe ressaltar que a segurança na afinação das notas no trombone na maioria das vezes depende da escolha da posição da vara que por muitas vezes define a exatidão da frequência, proporcionando ao trombonista mais segurança de afinação.

Dessa forma, a afinação da nota no trombone envolve análise de opção de posições alternativa para ajudar a encontrar o melhor caminho para afinação, bem como para a execução de um trecho musical, levando em consideração que no trombone é possível tocar a mesma nota em várias posições diferentes e que a posição mais segura contribui para uma digitação efetiva. Portanto, cabe ao trombonista verificar dependendo do trecho musical estudado a posição que mais lhe trará segurança de afinação e que facilita a sua execução musical.