• Nenhum resultado encontrado

1.1 Redes sociais: a proposição sobre “laços fortes” no argumento de

1.1.2 A construção do conceito de embeddedness (enraizamento)

O conceito de enraizamento, ou embeddedness, passou a ser amplamente utilizado, em várias ciências sociais – sociologia, economia, antropologia geografia e teoria das organizações - após a divulgação de um trabalho de

Granovetter (1985). Seu impacto, tanto nos estudos organizacionais quanto nas abordagens territoriais, tem sido crescente.

Granovetter, defendendo a proposta de que o comportamento e as instituições econômicas são afetados por relações sociais, lança a proposição do enraizamento (embeddedness), ou seja, “o argumento que o comportamento e as instituições a serem analisadas encontram-se de tal forma condicionadas por relações sociais existentes que concebê-los como independente é um erro sério” (1985:481). O comportamento econômico e as transações econômicas constituem o foco principal de interesse e o autor vai desenvolver seu argumento contrapondo-o, a título de exemplo, aos pressupostos existentes na teoria dos custos de transação, de Williamson (1975; 1992; 1994; 1996; 2005). Para ele, o que determina e condiciona as transações econômicas é a natureza das relações sociais existentes e não exatamente a busca por redução nos custos de transação. Segundo Wilkinson (2005:5), “ao opor tanto ao ahistoricismo da economia quanto ao evolucionismo implícito no modelo enraizamento/desenraizamento, Granovetter afirma que nem a economia tradicional foi totalmente desprovida do cálculo nem a economia moderna foi isenta de ingerência social”.

Observando o fenômeno das pequenas empresas, Granovetter salienta que uma explicação comum entre analistas da economia dual, sobre a persistência de um grande número de empresas menores na periferia, seria a necessidade das grandes corporações transferirem riscos associados à flutuação cíclica da demanda ou às incertezas das atividades de pesquisa e desenvolvimento. Nestes casos, a falência de pequenas unidades não afetaria, de maneira adversa, os ganhos das grandes empresas. Em vez de lançar mão deste argumento, Granovetter pondera que, “as pequenas empresas podem, de fato, persistir em um mercado (...) porque uma densa rede de relações sociais encontra-se sobreposta às relações de negócios, conectando tais firmas e

reduzindo pressões para integração” (1985:504). Tais considerações, na visão do autor, não abandonam a noção de transferência ou deslocamento de risco, mas apresentam maior capacidade explicativa para o fenômeno associado à presença de um grande número de pequenas empresas caracterizadas não exatamente como satélites ou detentoras de status periférico.

Abordando o caso extremo de conflito e “guerras” no mundo dos negócios – capazes de provocar rupturas e facções, sejam dentro de organizações e entre empresas e grupos rivais – Granoveter salienta que tais eventos ocorrem, apenas, se os vínculos cruzados entre os atores de ambos os grupos forem insuficientes. Caso contrário, existirão “atores com vínculos suficientes em ambos os lados potencialmente combatentes, dotados de grande interesse em evitar conflitos” (1985:491). As redes sociais podem conectar empresas diferentes de várias maneiras, gerando benefícios para ambas, desde a presença de uma mesma pessoa atuando, por exemplo, no conselho de duas diferentes empresas e realizando um papel fundamental de intermediação e de diluição de conflitos eventuais entre ambas ou, eventualmente, de construção de estratégias associadas, até, também, viabilizando a presença de um fluxo de comunicação que se estabelece entre empregados de diferentes empresas concorrentes.

Referindo-se à confiança, capaz de surgir a partir da repetição de transações entre distintos atores no mercado, afirma que “nascidas de motivos puramente econômicos, relações econômicas repetitivas tornam-se, freqüentemente, revestidas de conteúdo social, que enseja forte expectativa de confiança e ausência de oportunismo” (1985:61). Nota-se, aí, que o foco determinante do argumento de Granovetter está na freqüência e no caráter repetitivo da relação, que termina por gerar a confiança entre os atores envolvidos. Esta constatação é importante, visto que muitas das utilizações posteriores do conceito de embeddedness, sobretudo na dimensão territorial, partiram do pressuposto de que, em âmbito local, é possível existir, sempre, a

confiança. O autor salienta que “o argumento do embeddedness realça (...) o papel das relações sociais concretas e das estruturas (ou “redes”) de tais relações na geração da confiança e no desestímulo à desonestidade” (1985:60).

O ponto fundamental do argumento de Granovetter é o de que, no dia a dia, as relações mercantis e sociais se interpenetram e se reforçam, mutuamente, contrariando os pressupostos básicos do modelo econômico neoclássico. Para o autor, “o mercado anônimo do modelo neoclássico é, virtualmente, não inexistente na vida econômica. Salienta que as transações de todo tipo estão repletas de conexões sociais” (1985:63). Existiria um reforço mútuo entre as relações mercantis e as sociais, pois “relações comerciais extravasam em direção à sociabilidade e vice a versa” (1985:63). Relações sociais e mercantis encontram-se, de certa forma, tão imbricadas e entranhadas umas nas outras que seria difícil caracterizar uma situação de causa e efeito entre elas ou, mesmo, estabelecer uma linha divisória entre elas. Relações mercantis encontram-se, em muitos momentos, condicionadas por relações sociais. Por outro lado, relações mercantis, se recorrentes, podem gerar, por sua vez, relações sociais que suportam e reforçam as primeiras e podem provocar o surgimento de novas instituições.

Para Granovetter, “as institituições econômicas não emergem automaticamente. São, antes, construídas por indivíduos cuja ação é, ambos, facilitada e limitada pela estrutura e pelos recursos disponíveis nas redes sociais onde encontram-se embedded” (1991:9). Também as empresas, os grupos de empresas e as indústrias “se e quando são organizadas, são uma construção social” (1991:14) e que, no caso da evolução de uma indústria (ou de firmas ou grupos de negócios), instituições econômicas estáveis começam como um acréscimo de padrões da atividades ao redor de redes pessoais. Sua estrutura reflete aquela das redes e, mesmo quando estas não existem mais, as instituições adquirem vida própria” (1991:15). Assim, “ações coletivas e individuais,

canalizadas através das redes pessoais existentes, determinam quais possibilidades de fato ocorrerão” (1991:15). Dessa maneira, “mesmo em condições econômicas e técnicas idênticas, os resultados podem ser muito diferentes, se as estruturas sociais são diferentes” (1991:16).

Analisando-se as proposições de Granovetter sobre embeddedness pode-se afirmar que:

i.) tal conceito trouxe uma grande inovação para a análise das instituições e das transações econômicas, projetando luz sobre interfaces e interações entre as dimensões econômicas e relações sociais;

ii.) mostrou que, dentro de um dado escopo de possibilidades técnicas e econômicas possíveis, prevalecerão aquelas determinadas pela natureza das relações sociais aí existentes;

iii.) salientou que não existe “relação mercantil” pura. Relações mercantis encontram-se enraizadas em relações sociais e é impossível avaliá-las de maneira segmentada ou independente; iv.) na essência do argumento do embeddedness, existe uma

preocupação com a densidade (freqüência da interação) das relações sociais, já manifestada com seu argumento sobre a “força dos laços fracos” e a possibilidade de estabelecimento de pontes entre atores e grupos sociais ou redes distintos;

v.) a noção de que atores dotados de redes extensas, capazes de conectar um número maior de diferentes “campos institucionais” e grupos sociais (redes) distintas, gozarão de vantagens diferenciadas. vi.) a concepção de Granovetter, embora fundamental, é um tanto vaga.

Mesmo suas tentativas mais recentes (2001 e 2005) não parecem ter sido suficientes, no sentido de dotá-la de maior precisão. A

discussão, por exemplo, sobre “quem” encontra-se embedded, “em quê” é deixada em aberto. Pode-se daí depreender que o sujeito de interesse pode ser tanto um indivíduo, como uma organização, uma rede organizacional ou uma comunidade. Seu caráter, ao mesmo tempo provocativo e vago, vem gerando muitos desdobramentos distintos, seja nas abordagens sociológicas, antropológicas ou econômicas.

Granovetter antecipou, de certa maneira, as inúmeras utilizações que teria o argumento do embeddedness, quando afirmou acreditar que ele “tem uma aplicabilidade muito geral” (1985:76). E estava correto. Vários autores, a partir dele, retomaram tal conceito, buscando reformulá-lo ou utilizá-lo das mais diferentes formas e nos mais variados contextos. Tanto o conceito sobre a “força dos laços fracos” como o de embeddedness tiveram ampla difusão na literatura, tendo motivado os mais variados estudos. O argumento de embeddedness terminou por se tornar dominante, inclusive para o próprio Granovetter. O autor a ele retorna, recorrentemente (1986; 1991; 1992a; b; 1994 a; b; c; d; 2001; 2005). Tal argumento incorpora, de certa forma, parte da problemática associada aos laços fracos e pontes.