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Na essência da concepção sobre Capital Relacional, situam-se as proposições sobre redes. A abordagem das redes destoa das abordagens tradicionais das ciências sociais, devido à sua ênfase em aspectos relacionais e sua capacidade de poder incorporar, simultaneamente, vários níveis de análise. Refletindo sobre esses aspectos, Powell & Smith-Doerr (1994:368) salientam o contraste existente entre as abordagens de rede e as abordagens até então dominantes em ciências sociais: “Em contraste às considerações do determinismo cultural – “oversocializadas” – as redes abrem o caminho para a ação humana; e em contraste para abordagens individualísticas e atomizadas – subsocializadas- as redes enfatizam a estrutura e as restrições ou limitações”.

Muitos autores, atualmente, apresentam a abordagem das redes como uma terceira via dentro das ciências sociais ou, como coloca Mercklé (2004:96), como um novo “paradigma, cuja palavra de ordem não seria – nem holismo e nem atomismo”. Refletindo sobre as peculiaridades desta abordagem, este autor (p.92) indaga se “é possível referir-se (à análise das redes sociais) como um terceira via entre o holismo e o individualismo metodológico, que encontraria suas origens mais na sociologia de Simmel do que na sociologia de Durkheim ou Weber?”. Salienta que a análise das redes possui duas ambições concomitantes: por um lado, levar em consideração a estruturação das redes a partir do exame das interações entre os indivíduos e de suas motivações. Por outro, considerar o comportamento dos indivíduos a partir da compreensão das redes nas quais eles se inserem. (p.97).

Granovetter, na sua introdução à série sobre análises estruturais nas ciências sociais (Wasserman & Faust, 1999), destaca que tais análises – nas quais se situa a abordagem das redes – buscam explicar o comportamento social e de instituições referindo-se a relações entre entidades concretas, como pessoas ou organizações. Segundo ele, esse tipo de abordagem:

“contrasta com, pelo menos, quatro outras estratégias populares: (a) tentativas reducionistas de explicação com foco em indivíduos apenas; (b) explicações baseadas na primazia causal de conceitos abstratos, como idéias, valores, harmonia mental e mapas cognitivos – de maneira que o estruturalismo, como concebido no Continente, deve ser distinto das análises estruturais no sentido presente; (c) determinismo tecnológico e material; (d) explicações usando variáveis como um conceito analítico básico – como nos modelos de equações estruturais que dominaram grande parte da sociologia na década de 1970 – onde estrutura é o que conecta variáveis e não, exatamente, entidades sociais”

As redes inserem-se nas ciências sociais como uma metáfora, uma teoria ou um método? Para Powell & Smith-Doerr (1994:368), “as redes oferecem um

ponto de convergência (entre diferentes abordagens nas ciências sociais), um terceiro caminho, mesmo que ninguém esteja, exatamente seguro tratar-se de uma metáfora, um método ou uma teoria”. Segundo Wasserman & Faust (1999:5), a análise de redes entra no processo de especificação, teste e desenvolvimento de modelos de várias maneiras: para expressar conceitos teóricos definidos de maneira relacional, provendo definições, medidas e descrições formais; para prover análise estatística de sistemas multi-relacionais; para avaliar modelos e teorias nas quais as proposições e conceitos chave são expressos como processos relacionais ou resultados estruturais.

Turner (1991:571), analisando a evolução do pensamento científico social, salienta que a “a sociologia das redes está realizando algo semelhante que os antropólogos e sociólogos do passado vinham como crucial: mapear as relações que criam as estruturas sociais”. Para Breiger (2004), os “cientistas contemporâneos (...) cunharam um termo actor-network como uma palavra para desempenhar, ambos, uma elisão e uma diferença entre o que o mundo da língua inglesa distingue, referindo-se à agência e estrutura” (p. 5)

A análise das redes pode incluir ou enfocar diferentes tipos de relações, nas quais ocorre a interação social, incluindo as de natureza política, econômica, afetiva, etc. Wasserman & Faust (1999:3) afirmam que, “do ponto de vista da análise das redes sociais, o ambiente social pode ser expresso como padrões ou regularidades nas relações entre unidades que interagem”, em que estrutura “representa a presença de padrões de relacionamento regular”. Referindo-se a tema correlato, Powell & Smith-Doerr (1994:377) salientam que “uma rede é composta de um conjunto de relações ou vínculos entre os atores – indivíduo ou organização. Um vínculo entre atores possui ambos, conteúdo (o tipo de relação) e forma (a força ou intensidade da relação)”. O conteúdo dos vínculos pode incluir informações ou fluxo de recursos, orientações, amizades, compartilhamento de recursos (ex.: intercâmbio de pessoal). Dessa maneira,

qualquer tipo de relação social pode ser classificado como um vínculo. Para estes autores as “organizações encontram-se, tipicamente, enraizadas (embedded) em múltiplas (...) redes – redes de trocas (exchanges) de recursos, redes de informação, redes de intercâmbio de corpo dirigente (board of director interlock network)” (1994:378).

Para Lin et al. (2001:vii), as redes sociais são o fundamento do capital social e são capazes de capturar estruturas individuais e sociais, representando um elemento fundamental de união entre ações e características estruturais, entre abordagem micro, meso e macro, entre processos de dinâmica coletiva e relacional. Em âmbito macro situam-se os estudos centrados em ativos coletivos, tais como os de Putnam, em que a participação em associações cívicas e grupos sociais é analisada. Aí também se situa Coleman, que se utiliza do conceito de capital social como redes de difusão para explicar, por exemplo, a mobilização e difusão de informação, que ocorreu através de círculos sociais, nos casos do movimento estudantil de maio de 1968, ou do conceito de capital social como redes e confiança para explicar o comportamento do mercado de diamantes em Nova Iorque.

O foco fundamental destas análises é o desenvolvimento, a manutenção ou declínio de ativos coletivos, vistos em conjunto, sem uma maior preocupação com as diferenciações existentes no interior do grupo. Já, no âmbito de análise “meso-rede” (mesonetwork), o foco direciona-se para a compreensão dos fatores gerais ou mecanismos que permitem aos indivíduos acesso diferenciado a recursos enraizados existentes na coletividade. Neste caso, a natureza das redes e dos vínculos sociais em um determinado grupo torna-se o foco de análise. Aí se situa, por exemplo, Burt, com a proposição sobre oportunidades individuais e posicionamento de indivíduos no interior de uma rede. Finalmente, no âmbito micro, o conceito de capital social é utilizado para a avaliação de casos individuais, focados, por exemplo, na compreensão da maneira como um

determinado indivíduo mobiliza suas fontes informais, com seus respectivos recursos, na busca de emprego e status, a exemplo de alguns trabalhos do próprio Lin (2001).

A capacidade da abordagem das redes de incorporar dimensões micro e macro de análise vem sendo muito enfatizada por vários outros especialistas da área. Para Borgatti & Foster (2003), a abordagem de redes abre a “possibilidade de testar hipóteses não apenas no âmbito dos pares de relação mas também no do ator ou de toda a rede” (p.1001). Segundo estes autores, uma das especificidades da abordagem das redes é a similaridade das abordagens micro e macro, tanto em termos teóricos quanto metodológicos (p.1001). Observam que, em pesquisas tradicionais, “sempre se define o nível de análise em termos de escopo e complexidade das entidades estudadas” (organizações, por exemplo, representam um nível mais elevado de análise que pessoas e, neste caso, é necessário um esforço para superar a defasagem entre o nível macro e micro). Salientam, no entanto, que, no caso da abordagem das redes, a situação é diferente, pois “o nível óbvio de análise – par, ator e rede – não corresponde, necessariamente, de uma única maneira ao tipo de entidade sendo estudada” (p.1001).

Burt (1992a:9) também se manifesta sobre o tema. Avaliando o caso de uma organização como um agregado de indivíduos, afirma que “os capitais sociais das pessoas agregam-se no capital social da organização”. Coleman (1988:101), analisando a capacidade que possuem atores sociais localizados em redes densas de se apropriam de recursos aí inseridos para atingir seus objetivos, salienta que “o conceito de capital social constitui ambos, uma ajuda na explicação de diferentes resultados de um ator individual e uma ajuda em direção à realização de uma transposição do nível micro para macro, sem necessidade de se elaborar sobre os detalhes da estrutura social onde ocorre o processo”. Para o autor, “o conceito de capital social permite explicitar tais

recursos e mostrar a maneira como estes podem ser combinados com outros recursos, de maneira a permitir diferentes comportamentos ao nível do sistema”.

Um estudo comparativo envolvendo as relações entre duas diferentes empresas situar-se-ia no âmbito da “análise centrada nos pares” (dyadic level); já um estudo sobre a centralidade de um ator em um rede e empresas, relacionada por exemplo, à sua capacidade de inovação, estaria no nível de “análise centrada no ator” (actor-level) e situar-se-ia em um patamar superior de agregação; um estudo envolvendo as relações dos proprietários das 50 diferentes empresas de um determinada setor ou local, com o propósito de correlacionar a densidade de cada uma das respectivas redes com certas variáveis de performance, corresponderia a um nível ainda mais agregado, ou seja, à “análise centrada na redes ou no grupo” (network or group-level); por outro lado, uma análise de redes envolvendo as alianças estratégicas entre distintas empresas de um determinado setor ou território, com a hipótese que empresas com mais laços de alianças terão melhor desempenho, estaria de volta ao nível de análise centrado nos pares.

O foco da análise dirige-se, geralmente, para a avaliação das características das unidades sociais explicitadas por meio das estruturas ou de processos relacionais ou, eventualmente, nas propriedades dos sistemas relacionais. Wasserman & Faust (1999) salientam que as variáveis analisadas no contexto das redes podem ser de dois tipos: i) estruturais - que medem vínculos de determinado tipo entre pares de atores, tais como transação de negócio entre empresas, relações de parentesco entre pessoas, comércio entre diferentes regiões ou países e ii) associadas à composição – relacionam-se a atributos próprios dos atores, tais como, localização geográfica ou porte das empresas, escolaridade de executivos, etc. Analisando-se a natureza das inúmeras pesquisas existentes sobre redes, é possível afirmar que o que ocorre, muitas

vezes, é uma tentativa de combinação ou associação entre análises voltadas para aspectos estruturais e análises voltadas para aspectos ligados à composição.

Refletindo as interfaces entre forma e conteúdo das abordagens de redes, Powell & Smith-Doerr (1994:391) salientam que, por um lado, “os especialistas em modelagem de redes afirmam que a habilidade de explicar e prever relações de redes complexas e múltiplas depende da tradução de estudos descritivos em modelos relativamente simples e bem compreendidos”; por outro, os “scholars com forte propensão empírica vêm demonstrando preocupações com o fato de qualquer modelo analítico ser necessariamente muito elementar para conseguir captar as nuances e complexidades do mundo real”. Mas, como bem lembra Stinchcombe (1989), “vínculos possuem forma e conteúdo” e torna-se necessário, então, o uso de métodos capazes de integrar ambos. Em alguns momentos e contextos, métodos quantitativos mais elaborados podem ser dispensáveis; em outros, são essenciais. Cabe ao pesquisador experiente definir a correta dosagem entre a forma e a substância de sua pesquisa.

Powell & Smith-Doerr (1994:372) salientam que “uma pesquisa de campo, mais orientada para processos, sobre formas de redes, voltadas para o tema da governança, pode gerar insight sobre como os vínculos são criados, porque são mantidos, que recursos fluem entre os vínculos e quais as conseqüências”. Tais pontos são essenciais e necessitam ser explorados nas investigações sobre o tema das aglomerações produtivas.