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1. A PRODUÇÃO CANAVIEIRA NO TRIÂNGULO MINEIRO: da

1.3. A construção do objeto de pesquisa: indagações e orientações teóricas

A construção do objeto de pesquisa é umas das tarefas mais complexas, pois em alguns casos ele não está claro e sua busca se torna constante e permanente. Não o enxergamos com facilidade quando na maioria das vezes ele está diante de nosso olhar. O objeto é algo concreto ou abstrato? Ele está determinado ou é construído ao longo da pesquisa? Acreditamos que todas as premissas são verdadeiras. Toda pesquisa, por menos complexa que seja, passa por um objeto de pesquisa/estudo, e algumas vezes ele não é concreto, nem visível. Quando não está determinado, ele é construído durante a pesquisa e cabe ao pesquisador essa construção a partir das técnicas investigativas. É preciso fazer uma reflexão sobre todos os temas e conceitos da pesquisa para encontrar o objeto, pois é a partir dele que delimitamos toda a tese.

De acordo com Marre (1991), a primeira etapa da construção do objeto de pesquisa ocorre através da escolha do tema da pesquisa.

[...] escolher um tema é caracterizar um determinado processo como relevante para uma investigação, ou seja, discernir – não apenas no fato de observá-lo ou de ver a sua importância salientada pela sociedade – um assunto digno de estudo; mas muito mais: perceber, talvez ainda de maneira confusa, que o objeto em estudo ou o processo tem relação com determinados valores. Na realidade, raramente um processo ou um objeto de estudo é escolhido por si mesmo e em si mesmo, isolado de qualquer sistema de valores. (MARRE, 1991, p. 10).

Os primeiros itens deste capítulo demonstraram o percurso teórico que trilhamos para delimitar o tema de pesquisa da tese, elucidando conceitos, questões e propostas teóricas e metodológicas desenvolvidas por diferentes autores a respeito da dinâmica econômica e espacial da cultura da cana-de-açúcar. A forma de consumir e produzir o espaço sob a égide econômica do setor canavieiro mudou substancialmente ao longo do tempo. Nesse sentido, pretendemos captar tais mudanças e quais conceitos, posturas e estratégias teórico-metodológico permitem-nos explicar e compreender este movimento de transformação.

Escolher o tema é um movimento de cisão com o real dado, isto é, com o percebido cotidianamente e, ao mesmo tempo, indagar o que este real porta em si. É um movimento de distanciamento e aproximação. Distanciamento dos conceitos pré-construídos e de verdades postas, e de aproximação “a partir da necessidade de obter conhecimentos mais científicos do que aqueles oriundos do senso comum, [que] desenvolveu-se a ciência”

(PÊSSOA, 2012 p. 4).Às vezes a escolha do tema vem de lacunas deixadas em pesquisas anteriores, ou algum assunto que requer uma análise mais aprofundada.

Ao final de minha dissertação de mestrado (CAMPOS, 2014) em que foi pesquisado a “Territorialização do Grupo Tércio Wanderley” na mesorregião Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, diversos outros fatores relacionados à expansão canavieira foram analisados, e dentre eles, um nos chamou atenção, instigando uma nova investigação - a internacionalização do setor sucroenergético. O debate era novo (década de 2000), mas já apresentava algumas pesquisas em âmbito nacional que nos deram suporte para compreender essa nova dinâmica.

A internacionalização do setor sucroenergético e a inserção do capital externo é uma tendência que está ocorrendo cada vez mais frequente no país, desde o final dos anos 1990 e ampliou-se após a crise de 2008, devido a descapitalização das usinas e pressão por parte dos usineiros em relação ao crédito via BNDES. Como estratégia, ocorreram processos de fusões/aquisições de empresas brasileiras e associação com o capital externo através das multinacionais. É preciso pensar a internacionalização do capital, mas também os espaços concretos sobre o qual este processo se manifesta. O capital do setor sucroenergético internacionaliza, mas e os lugares que acolhem a produção e as dinâmicas deste capital? Qual é a racionalidade espacial destes lugares, que ordens obedecem e a quem serve? Estas questões nos levam ao tema de pesquisa - as implicações territoriais da internacionalização do capital do setor sucroenergético.

Determinado o tema de pesquisa, ainda restava uma questão em aberto: o objeto de pesquisa.

Construir um objeto científico não é simplesmente identificar ou adotar uma questão colocada pelo senso comum, os partidos políticos ou a opinião pública, e depois refletir metodologicamente sobre o modo de apresentar essa questão. É preciso primeiro conscientizar-se do fato de que os objetos científicos são diferentes dos objetos sociais produzidos pela sociedade [...]. (MARRE, 1991, p. 9).

De acordo com Martins (2016), torna-se cada vez mais raro falar em objeto de pesquisa em Ciências Humanas, sobretudo em Geografia, devido ao “caráter negativo dado ao termo, remetendo a ideia de supremacia do objeto sobre o sujeito, etc. Mas é preciso ultrapassar essa barreira linguística e repensar a própria natureza do que vem a ser ‘objeto de uma pesquisa determinada’”. (MARTINS, 2016, p. 25). O objeto de estudo é de extrema importância dentro das pesquisas, pois é através dele que buscaremos

solucionar as problemáticas que nos levaram a essa investigação. Ele é quem direcionará a abordagem teórica.

O objeto que se quer conhecer deve ser tomado em sua configuração interna na busca de sua constituição, os elementos determinantes. Deve- se ainda pontuar as dimensões maiores da qual o objeto faz parte. Portanto, devemos situá-lo dentro da complexidade que lhe é pertinente. (MARTINS, 2016, p. 43).

“Todo esforço de uma pesquisa dirige-se a um objeto específico” (MARTINS, 2016, p. 36). Numa primeira reflexão, tomamos como objeto o setor sucroenergético (de Minas Gerais, especificamente, da mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba), pois é através dele que desenharemos toda nossa análise, a partir de suas transformações ao longo dos anos e de sua internacionalização. Porém, o setor em si é muito amplo, sendo impossível considerá-lo em sua totalidade. Sabemos que o objeto é parte integrante do setor sucroenergético mineiro e é a partir daí que ele será construído.

Nossa reflexão está relacionada às determinações territoriais ocasionadas pelo setor sucroenergético no Triângulo Mineiro a partir da sua internacionalização. Esta se dá com a inserção do capital externo e a presença de grupos estrangeiros. Consideramos que a presença do capital estrangeiro provoca novas expressões no território a partir de seu uso para o cultivo da cana. Assim, o capital externo, seus arranjos e rearranjos regionais, é o objeto de pesquisa devido ao seu caráter transformador que modifica as estruturas e traz novos elementos ao setor sucroenergético. Essa construção se expressa na figura 1.

Figura 1: O objeto de pesquisa no contexto da investigação científica

A figura 1 tem o intuito de demonstrar a atuação do objeto de pesquisa na temática da tese. Tendo a internacionalização do setor sucroenergético como tema relevante da pesquisa, dele se desdobra o objeto que é a movimentação e arranjo do capital externo na região do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, capaz de alterar/modificar o setor sucroenergético, criando uma nova configuração agroindustrial canavieira na região. Tudo isso está inserido num contexto maior, o agronegócio, sobretudo o agronegócio canavieiro.

As ações do capital externo na região são consequências do movimento de internacionalização do setor. O capital externo como agente controlador do agronegócio canavieiro assumiu um papel, até então do Estado, colocando a frente os interesses do mercado e, portanto, torna-se um agente ativo da produção e reestruturação espacial. Segundo Silva (2017), o Estado foi “agente essencial à viabilidade do setor sucroenergético no território brasileiro”. Após a transição neoliberal, “sua centralidade para as atividades foi retomada, mas com outro caráter” (SILVA, 2017, p. 45), através de ações de suporte e infraestrutura para o desenvolvimento da atividade canavieira. Ele passou de protagonista a coadjuvante nesse processo, no qual o mercado, por meio do capital externo, assumiu as regras do jogo. O capital externo será sempre referenciado em nossa tese por suas ações concentradoras e seu caráter regulador.

Definido o objeto de pesquisa, o objetivo do trabalho corresponde em compreender as novas configurações do capital nas atividades sucroenergéticas a partir da internacionalização do setor em Minas Gerais, bem como as intenções do capital externo e suas estratégias políticas e territoriais. Será considerado a abordagem territorial e a territorialização do capital no estado. A incorporação do capital estrangeiro investido, ou seja, a internacionalização do setor resulta em implicações territoriais que serão analisados, incluindo a incorporação de terras e novos territórios.

No atual contexto, há ainda uma crise do capital inicialmente instalado e a questão ambiental está muito relacionada à questão da terra e da água – busca de novos espaços para cultivo. Há o deslocamento dos capitais nas regiões do estado, incorporando terras. Outro ponto importante a ser analisado é o efeito sobre a mão de obra que anteriormente migrou para as novas áreas de expansão canavieira em Minas Gerais e atualmente não existe uma avaliação desses deslocamentos, se houve uma inserção dessas pessoas na atividade canavieira ou fora dela, devido ao processo de mecanização da produção que eliminou consideravelmente o número de trabalhadores no corte da cana.

Nossa tese consiste em demonstrar os interesses por trás da internacionalização do setor sucroenergético, esta que se tornou expressiva durante a década de 2000 no país e criando uma nova configuração, a partir da inserção do capital externo em Minas Gerais e região.

Os próximos itens serão dedicados a demonstrar a estrutura teórica e metodológica da tese, apresentando as problemáticas e justificativas, bem como os conceitos centrais para as análises. Buscaremos elencar as fontes de pesquisa e os instrumentos de análise.