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2. REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA CANAVIEIRA,

2.3. O processo de reestruturação produtiva no agronegócio canavieiro

O processo de reestruturação produtiva no Brasil ocorre desde o final da década de 1970 e se intensificou nos anos 1990 “com a política neoliberal e a abertura econômica, acarretando transformações no processo produtivo, na gestão e organização do trabalho, bem como no espaço, produzindo ‘novos espaços industriais’” (GOMES, 2011, p. 51). Ele se instaura após a crise do modelo de desenvolvimento baseado na “substituição das importações”, a partir dos anos 1970. Esse processo reflete a “crise do padrão fordista no plano mundial e a gestação de um novo padrão de acumulação e regulação e se desenvolve diferencialmente em cada país ou região do mundo. Iniciou-se com a implementação de algumas práticas sob a inspiração do toyotismo” (GOMES, 2011, p. 57).

Segundo Alves (2007, p. 17), “o complexo de reestruturação produtiva tem sua origem na crise dos países capitalistas centrais, o que acarretou a criação de novos métodos de produção e de gestão da força de trabalho”. Ele ocorre nos anos 90 no Brasil, através da passagem de um toyotismo restrito para um toyotismo sistêmico, no qual desenvolveu-se uma nova ofensiva do capital na produção, com impactos decisivos sobre o mundo do trabalho. Tem-se aí a constituição de “um novo (e precário) mundo do

trabalho, caracterizado pela fragmentação de classe, no interior do polo “moderno” do proletariado brasileiro organizado” (ALVES, 2010, p. 101).

O debate sobre reestruturação produtiva no Brasil ganha dimensão em função das visíveis transformações que vêm ocorrendo em nosso país, com a incorporação de tecnologias organizacionais, gerenciais, ocasionando alterações na gestão e organização do trabalho, no mercado de trabalho, bem como nas relações entre empresas. (GOMES, 2011, p. 52).

Alves (2010) ressalta que o atual surto de reestruturação produtiva vincula-se com a crise do capitalismo brasileiro e com o predomínio de um novo padrão de acumulação capitalista – a acumulação flexível – cujo momento predominante é o toyotismo. Ele promoveu uma nova organização industrial e nos anos 1980, o Brasil se tornou um dos principais países exportadores, “com uma pauta variada de produtos industriais exportados, redirecionando sua industrialização para o mercado externo, em busca de superávits na balança comercial” (ALVES, 2010, p. 113). O autor acrescenta que:

A partir da década de 1990, o impulso ideológico do toyotismo atingiu, com mais vigor, o empreendimento capitalista no Brasil, no bojo do complexo de reestruturação capitalista e do ajuste neoliberal propiciado pelos governos Collor e Cardoso. A intensificação da concorrência e a proliferação dos valores de mercado contribuíram para a adoção da nova forma de exploração da força de trabalho e de organização da produção capitalista no Brasil. (ALVES, 2007, p. 158).

De acordo com Medeiros (2009), a reestruturação produtiva brasileira durante a década 1990 aplicou paradigmas bem diferente daqueles usados pelos países centrais. “Enquanto nestes países a aplicação do modelo japonês visou os desafios da qualidade, segurança e produtividade, no Brasil este modelo foi aplicado visando a redução dos

custos na produção” (MEDEIROS, 2009, p. 70 [grifo da autora]).

É nos anos 1990 que a Geografia se interessa em estudos sobre o processo de reestruturação produtiva e suas implicações na dinâmica espacial, no território, na gestão e na relação de trabalho.

Cabe à ciência geográfica fazer uma análise do processo de reestruturação produtiva e seus impactos na dinâmica espacial, buscando mostrar as manifestações territoriais deste processo e quais são os “novos espaços produtivos” que surgem a partir da nova lógica de localização industrial; além de buscar responder como isso tem refletido na

sociedade, especificamente no mundo do trabalho, na classe trabalhadora. (GOMES, 2011, p. 68).

Segundo a autora, o grande desafio da Geografia é pesquisar as mudanças na dinâmica do espaço e na sociedade. Para isto, torna-se importante à interlocução com outras áreas do conhecimento, como a sociologia, economia e filosofia (GOMES, 2011, p. 68).

Em nosso trabalho, trataremos do conceito de reestruturação produtiva6 através de uma reestruturação tanto da produção quanto do capital inserido no setor sucroenergético. O processo de reestruturação produtiva na agropecuária provocou uma reorganização territorial, resultando em novos arranjos territoriais, criando novas territorialidades, desterritorializando e reterritorializando outras. Tais arranjos deram origem ao que foi descrito por Elias (2013) de Regiões Produtivas do Agronegócio (RPAs). “As RPAs são os novos arranjos territoriais produtivos totalmente associados ao agronegócio globalizado e, assim, inerentes às redes agroindustriais” (ELIAS, 2011, p. 155). Elas são descendentes do processo de reestruturação produtiva que geram impactos sobre os espaços agrícolas e urbanos. A forte presença do agronegócio canavieiro cada vez mais crescente na mesorregião Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, por exemplo, faz com que a mesma torne-se um lugar propício ao exercício dos capitais hegemônicos.

A década de 1990 foi marcada por significativas mudanças no processo produtivo da cana-de-açúcar. Isso porque o avanço da agroindústria canavieira para as áreas de Cerrado foi possível através de uma agricultura moderna e tecnificada, que resultou numa nova organização espacial da produção. Novos territórios foram inseridos para “receber os mais expressivos investimentos” dos capitais que circulam pelo agronegócio. Tais elementos criam uma dinâmica territorial própria ao agronegócio, ligados diretamente as grandes corporações.

Notamos na região estudada uma intensa substituição dos sistemas técnicos agrícolas, mudança nas formas de uso e ocupação do espaço, a substituição da produção de alimentos pela produção de commodities através da implantação de monoculturas na região, como por exemplo, a substituição da pecuária pela monocultura canavieira presente em grande parte desse território. E bem como aborda Vencovsky (2013, p. 54), “a reorganização do setor alterou significativamente a localização do plantio de cana-de-

6 Como sendo um processo de mudança espacial, social, tecnológica e organizacional “capaz de dar um

açúcar e da instalação das usinas produtoras no território nacional”, desconcentrando a produção do estado de São Paulo e da região Nordeste para as áreas de Cerrado.

[...] a reestruturação produtiva tem significado a fragmentação e a crescente especialização dos espaços agrícolas, inovações no processo produtivo e de alterações nas relações sociais de produção, onde as atividades inerentes ao setor agrícola presenciaram um forte conteúdo técnico-científico-informacional e normativo. Com isso, o processo de modernização da atividade agrícola no Brasil tem gerado a “promoção de mudanças na dinâmica de organização, equipamento e uso do território pelos agentes sociais envolvidos”. (SILVEIRA, 2005, p. 215).

Tal processo ocorre na agricultura brasileira primeiramente através da modernização agrícola e da inserção de novos incrementos no campo, como por exemplo, as novas tecnologias que dinamizaram a produção, levando a um aumento da produtividade e estimulando a competitividade. Na agroindústria canavieira ela se dá através da inserção de máquinas agrícolas no processo produtivo, no melhoramento genético das espécies de cana-de-açúcar, na correção e adaptação do solo para o cultivo, no desenvolvimento de subprodutos a partir dos resíduos da cana, entre outros. Com isso, as inovações tecnológicas se converteram em uma grande área da atividade empresarial, com uma ampliada variedade de empresas sendo beneficiadas. Elas se tornaram objeto de desejo para a cultura capitalista. Tudo isso transformou o modo de produção canavieiro e especializou lugares para essa função, modificando sua estrutura, porém, mantendo as formas de cultivo e o conhecimento do passado.

A respeito disso, Thomaz Júnior (2002) ressalta que:

Na medida [...] em que o desenvolvimento das forças produtivas (relações técnicas de trabalho e produtividade) depende e é condição do desenvolvimento das relações sociais de produção (regras de trabalho, gerenciamento), o “trabalho objetivado” (máquinas – capital constante) tende a aumentar em relação ao trabalho vivo (capital variável), como forma de garantir o processo de valorização do capital. Pode-se dizer que o capital busca, incessantemente, as transformações dos meios de produção e do próprio trabalhador. (THOMAZ JÚNIOR, 2002, p. 136).

Para o autor, a modernização da agroindústria canavieira ocorreu via investimentos em tecnologia, que permitiu um desenvolvimento desigual e combinado, “sob a referência da elevação da composição orgânica do capital e do fortalecimento do controle do processo produtivo pelo capital (que relaciona trabalho, meios de trabalho, meios de produção disponíveis)” Ainda, relata que a tecnologia em si não está contra o

trabalho, ou o trabalhador, mas sim a favor do capital, pois as inovações tecnológicas se dão “dentro dos moldes e prioridades da produção/reprodução do capital” (THOMAZ JÚNIOR, 2002, p. 135).

No mundo do trabalho, por exercício do poder é praticado a exploração do trabalho alheio, às vezes justificado pela inferiorização do outro, como exemplo o escravismo, a sociedade de castas e o feudalismo, ou do trabalho “livre” no capitalismo, como a exploração da mais-valia. No setor sucroenergético, a apropriação e exploração da força de trabalho é uma característica que ocorre desde sua constituição. Alterou-se o processo produtivo, sobretudo com a mecanização da produção, criando novas organizações do trabalho em detrimento de um trabalho manual, porém precarizado em seus aspectos condicionais, eliminando postos de trabalho, afastando ainda mais o trabalhador inferiorizado (aquele do corte da cana) dos meios de produção e relação com as empresas. É através da força de trabalho que o capitalista gera o excedente, portanto, não é interessante para o mercado que o trabalhador disponha de meios de produção. Assim, a opção que resta a eles é vender sua força de trabalho e estar sujeito às condições do mercado.

A exploração da força de trabalho dos cortadores de cana é visível. Em algumas circunstâncias esse tipo de trabalho está associado ao trabalho escravo devido às péssimas condições de trabalho, moradia e exploração da força física que os trabalhadores estão sujeitos. Ainda que o trabalho nas lavouras canavieiras tenha diminuído na região devido à mecanização, essa condição ainda permanece em algumas localidades do país. Já foram registradas inúmeras denúncias de trabalho escravo no estado, não só no corte da cana, como em outras atividades agrícolas. Como exemplo, podemos citar a Chacina de Unaí, em Minas Gerais, ocorrida em 2004 e que vitimou quatro funcionários do Ministério do Trabalho por fiscalização de fazenda que suspostamente possuíam trabalho escravo.

No início do século XXI novamente há a reconfiguração estrutural do setor sucroenergético brasileiro com a entrada do capital externo. Tal fato se deu a partir da proposta de internacionalização do uso do etanol como substituto à gasolina. Tem-se que “as empresas transnacionais apresentam, em geral, elevados níveis de desenvolvimento tecnológico, característica que pode influenciar todo o setor, seu ambiente externo e, no limite, toda a economia de um país” (GARCIA et al, 2015, p. 166). Os autores afirmam que o maior grau de tecnologia dessas transnacionais contribui para elevar a exportação, o valor agregado e a diversificação da pauta de exportações dos países onde estão instaladas.

Com maior intensidade na década de 2000, o setor sucroenergético brasileiro começou a atrair Investimentos Diretos Estrangeiro (IDE). Segundo Garcia et. al (2015), o IDE pode ingressar de diversas maneiras, tais como aquisição de ações de empresas instaladas no país, empréstimos externos, entre outras, porém, no setor sucroenergético ela se deu a partir da compra ou aquisição de empresas, fusões de empresas nacionais com transnacionais e a instalação de novas empresas com o capital externo. Essas ações podem alterar a dinâmica econômica de um setor, região ou país, dependendo de sua escala. “A entrada do capital externo pode levar à concentração produtiva e tecnológica, alterando profundamente a estrutura e a dinâmica do mercado” (GARCIA et al, 2015, p. 167). Nessa configuração, temos um capital externo regulando o mercado trazendo um novo modelo de organização do trabalho e sociedade. Os grupos estrangeiros por detrás desse capital estão vendendo um formato de organização do trabalho, mais do que interessado propriamente na produção do etanol ou na aquisição de terras. Nesse sentido, é importante pensar esse capital modificando a estrutura econômica regional e a forma de organização do trabalho no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba.

2.4. A territorialização do capital agroindustrial canavieiro no Triângulo