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2. REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA CANAVIEIRA,

2.1. Consolidação da monocultura canavieira no Brasil

Desde o período de colonização no século XVI, a cana-de-açúcar foi inserida no litoral brasileiro, na Zona da Mata Nordestina, no qual se consolidou como uma das principais atividades econômicas durante um longo período, com a produção e comercialização do açúcar. O pioneirismo da região Nordeste nessa atividade fez com que ela se tornasse detentora dos métodos de produção que mais tarde se expandiria para outras regiões do país, tomando novas formas, inserindo novos instrumentos e tecnologias.

A produção da cana-de-açúcar no Brasil está ligada com sua ocupação territorial, no qual os portugueses iniciaram o processo de colonização, substituindo o extrativismo do pau brasil. Furtado (1959) já chamava a atenção para o fato de “o Brasil ter sido palco de uma grande experiência de investimento de capitais na atividade agrícola, ao contrário do que ocorria na Europa, onde se aplicava como fatores de produção na agricultura quase que apenas a terra e o trabalho” (ANDRADE, 2001, p. 271).

Voltada inicialmente para a exportação do açúcar devido ao seu alto preço no mercado europeu, a expansão canavieira “dava condições de remuneração do capital empregado e permitia o surgimento de portos, a abertura de estradas carroçáveis e que se desenvolvesse a navegação transoceânica e de cabotagem” (ANDRADE, 1994, p. 18). Essa expansão ocorreu por meio de distribuição de terras a quem pudesse financiar a produção, comercialização e transporte da cana-de-açúcar. No início, o cultivo foi financiado por judeus portugueses que haviam se transferido para Holanda. Ainda, conquistaram posições na costa africana, a fim de estabelecer contato e substituir a mão de obra indígena por escravos trazidos do continente africano. Daí em diante, os capitalistas judeus holandeses passaram, praticamente, a “controlar o comércio, transportando o açúcar dos portos coloniais para os portos do Mar do Norte, onde implantaram centros de comercialização que distribuíam o produto para lugares mais distantes” (ANDRADE, 1994, p. 18).

Já no início da expansão canavieira no Brasil havia uma internacionalização do capital introduzido, no qual os engenhos centrais pertenciam a empresas comerciais, geralmente estrangeiras, e as usinas eram de propriedade particular. Segundo Andrade (2001), o que distinguia umas das outras era que as usinas, sendo de propriedade de antigos senhores de engenho e de parentes e vizinhos associados, não separavam a produção da industrialização da cana e utilizavam a mão de obra escrava, enquanto os

engenhos centrais, subsidiados e com garantias de juros do capital aplicado pelo governo, tinham restrições quanto à posse de terras para a produção de cana e à utilização da mão- de-obra escrava (ANDRADE, 2001, p. 272). Devido à forte competição com a produção das Antilhas, houve uma necessidade de modernizar a estrutura produtiva no século XIX, que foi possível graças a esses capitais e ao programa imperial de implantação de engenhos de maior produção.

O desenvolvimento da agroindústria canavieira teve um papel de grande relevo na história econômica do Brasil. Durante quase dois séculos após o descobrimento, ela constituiu praticamente o único pilar em que se assentava a economia colonial. Até a época, o Brasil era o maior produtor e exportador de açúcar do mundo. Daí em diante, apesar das numerosas crises havidas no subsetor, em consequência da perda da posição hegemônica do Brasil no mercado açucareiro mundial, a cana continuou sendo o principal produto comercial de sua agricultura, condição que só veio perder em fins do século passado, quando definitivamente se firmou o ciclo do café. (SZMERECSÁNYI, 1979, p. 43).

Embora houvesse o surgimento de novos períodos econômicos, a cana-de-açúcar ainda era considerada uma atividade importante no setor agroindustrial e ainda mantinha grande produção no Nordeste do país.

O século XIX foi marcado por uma expansão das fronteiras agrícolas caracterizando o Brasil com uma economia agrária proveniente de produtos como o algodão, o café, a cana-de-açúcar, entre outros. A expansão de determinadas culturas foi descrita por Waibel (1955) como zonas pioneiras5, capazes de provocar mudanças na estrutura, como elevar o preço das terras, derrubar matas para a construção de cidades e povoamento dessas localidades, geralmente localizadas no interior do Brasil. Na concepção de Waibel (1955), a expansão canavieira não parece ter desenvolvido zonas pioneiras, – pelo menos no início do seu desenvolvimento localizado no litoral nordestino, mais próximo ao mercado europeu.

Por motivos naturais, econômicos e políticos a cultura canavieira, na era colonial, ficou ligada às proximidades do litoral. Em virtude disso faltava a possibilidade de um alargamento espacial, o que é uma premissa fundamental para a formação de uma zona pioneira dinâmica. Apesar de tudo, porém, desenrolaram-se na região da embocadura do Paraíba do Sul, na segunda metade do século XVIII, acontecimentos que, indiscutivelmente, fazem lembrar uma zona pioneira. O número de

5 Waibel descreve como zonas pioneiras a fronteira no sentido econômico – como uma zona, mais ou menos

larga, que se intercala entre a mata virgem e a região civilizada. Ela acontece quando a expansão da agricultura de acelera. (WAIBEL, 1955, p. 390-391).

engenhos multiplicou-se ali de oito vezes no período de 1750 a 1820 (de 50 para 400) e o número de habitantes rurais quase quintuplicou (de 12.000 para 50.000). (WAIBEL, 1955, p. 392-393).

O autor considera algumas semelhanças da expansão canavieira com uma zona pioneira, e tal fato é mais visível atualmente quando levamos em consideração a expansão da monocultura para o interior do país, nos anos 1970. As políticas existentes no período também contribuíram para o povoamento interiorano, sobretudo da região Centro-Oeste. Outra questão importante relacionada à ocupação territorial brasileira através da economia açucareira é a concentração de terras, principal característica do agronegócio e responsável pelos principais problemas enfrentados no campo brasileiro atual.

É importante destacar que a forma com que a economia açucareira foi introduzida no Brasil revela, desde o início, um modelo concentrador de terras e de propriedades imposto pelo Estado português. Este modelo integrava parte das transformações no próprio modo de produção capitalista, em sua passagem do capitalismo mercantil para o industrial e das consequentes mudanças na divisão internacional do trabalho. (SANTOS, 2009, p. 108).

Ao longo dos séculos XIX e XX, as questões apontadas por Santos (2009) são mais presentes quando descrevemos os agentes detentores da economia agrária brasileira. A produção canavieira da região Nordeste concentrava-se nas mãos de alguns grupos tradicionais e de origem familiar, que posteriormente migraram seu capital para o Centro- Sul do país. A organização social e política que se estabeleceu no Nordeste do país foi pautada nos “grandes latifúndios, no trabalho escravo e no poder exacerbado dos coronéis que se refletem nos dias atuais na concentração de poder e de capital nas mãos de alguns grupos tradicionais” (OLIVEIRA, 2009, p. 196), sobretudo nos principais estados produtores, Alagoas, Pernambuco e Paraíba. Sobre as oligarquias políticas criadas através da cultura econômica do açúcar, Andrade (2001) salienta que o grupo dominante, formado com a colonização, teve a capacidade de se adaptar a cada momento histórico, continuando até hoje no controle da produção açucareira regional, expandindo-se até em outros estados da Federação e formando uma oligarquia política que manteve por muito tempo o controle do estado (ANDRADE, 2001, p. 272).

A substituição dos engenhos centrais pelas usinas foi um processo lento a princípio, mas que se acelerou no início do século XX, no qual em 1914 já haviam 56 usinas. Vinte anos mais tarde, apesar do período da crise mundial de 1929, o número de usinas era de 66 em 1934 (ANDRADE, 2001, p. 273). Segundo o autor, nesse período

foram acentuadas as disputas entre usineiros, fornecedores de cana e lavradores, levando o governo a criar em 1933 o Instituto do Açúcar e do Álcool – IAA, como uma agência reguladora da atividade canavieira. Foi também incentivado a construção de destilarias para a produção de álcool.

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), houve dificuldades para o mercado do açúcar, pois mesmo com o aumento do preço no cenário mundial, as exportações não elevaram como se previam, e ainda havia a dificuldade no transporte da matéria-prima para outros países devido aos conflitos. Segundo Szmrecsányi e Moreira (1991), “boa parte das exportações foi destinada aos países vizinhos da América do Sul e, a rigor, a única vantagem derivada das condições de guerra residiu na alta dos preços do produto”.

O abastecimento interno de açúcar do país dependia da produção nordestina e seus principais centros consumidores estavam localizados no Centro-Sul. Com a dificuldade do transporte, predominantemente marítimo, o abastecimento interno de açúcar foi prejudicado. Essa situação foi determinante para a mudança do eixo produtivo da cana- de-açúcar do Nordeste para o Centro-Sul, como descrevem Szmrecsányi e Moreira (1991).

Essa demanda insatisfeita dos principais centros consumidores criou as condições necessárias para a expansão da produção de açúcar em regiões que anteriormente o importavam de outras, basicamente do Nordeste. E foi essa expansão dos anos da Segunda Guerra que deu origem à definitiva transferência do eixo da produção canavieira e açucareira para os Estados do sudeste do Brasil, uma transferência que só chegou a se completar de fato na década de 1950, mas que já podia ser percebida ao término do conflito. (SZMRECSÁNYI; MOREIRA, 1991, p. 59).

A produção de álcool também vinha numa crescente no mesmo período, quando iniciou sua adição à gasolina, e sua expansão se deu fundamentalmente aos incentivos financeiros e administrativos do Instituto do Açúcar e do Álcool. Porém, devido à redução no seu consumo e o aumento da demanda do açúcar, o IAA tomou como medida incentivar a produção do açúcar, sobretudo nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Essa produção ocorreu em engenhos centrais criados no período da Segunda Guerra, que mais tarde viriam a constituir as primeiras usinas no Centro-Sul.

O mercado do açúcar passou por altos e baixos durante o referido período. Com o fim da Segunda Guerra, as exportações brasileiras de açúcar foram retomadas, porém, sofreu uma redução no preço com a normalização da produção europeia. Isso fez com que

o governo voltasse a subsidiar suas vendas externas e incentivar a produção nacional de álcool, que mais tarde (década de 1970) seria afetada pela baixa dos preços do petróleo. Segundo Szmrecsányi e Moreira (1991), “essa política, no entanto, era dificultada pelos baixos preços do petróleo no mercado internacional, e acabaria sendo inteiramente abandonada no início da década de 1950, com a criação da Petrobrás e a implantação de suas primeiras refinarias”. (SZMRECSÁNYI; MOREIRA, 1991, p. 59).

No intuito de complementar o panorama histórico, o item seguinte tem por objetivo demonstrar os fatores que trouxeram uma nova dinâmica para o setor sucroenergético brasileiro, despertando interesses futuros de empresas mundiais.