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1. A PRODUÇÃO CANAVIEIRA NO TRIÂNGULO MINEIRO: da

1.4. Da metodologia da pesquisa: os caminhos metodológicos

1.4.1. Os conceitos/temas norteadores e o referencial teórico

Quando desenvolvemos uma tese ou dissertação, nosso objeto de pesquisa está rodeado por diferentes temáticas que chamaremos de temas norteadores. Norteadores porque a compreensão dessas temáticas auxilia a explicar nosso trabalho a partir dos questionamentos que levantamos e os que surgiram ao longo da pesquisa. Num primeiro momento foi feita uma pesquisa bibliográfica (ou de fontes secundárias) em livros, capítulos de livros, artigos, reportagens no intuito de levantar o referencial teórico. Na temática que envolve o agronegócio canavieiro nos deparamos com diferentes conceitos que de certa forma estão interligados e se relacionam. Esses conceitos serão abordados diversas vezes ao longo da pesquisa.

O agronegócio canavieiro e o setor sucroenergético são os conceitos fundantes do tema da pesquisa, e é a partir deles que outros temas irão surgir. Compreendê-lo em sua totalidade se torna um desafio diante todas as adversidades e inconsistência da atividade sucroenergética no país. É preciso considerar as mudanças do espaço agrário, no nosso caso, o espaço agrário de Minas Gerais, da mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, e como essa região se tornou um espaço atrativo ao setor sucroenergético e o investimento de capitais. Assim, será preciso identificar as políticas públicas voltadas ao setor sucroenergético.

Essas políticas serão classificadas no contexto em que foram desenvolvidas e suas principais finalidades. Até que ponto elas foram suficientes para o desenvolvimento do agronegócio canavieiro a partir dos incentivos à produção do açúcar, do etanol e dos demais subprodutos dessa atividade. Cada período econômico e situação política do país foram determinantes para as ações dessas políticas, umas em âmbito nacional e outras localizadas, as políticas de estado.

Em termos gerais, desde meados da década de 1990 o Brasil é regido por políticas neoliberais cuja principal característica se refere a uma intervenção cada vez menor do Estado nas relações econômicas, sociais e de produção, dando desta maneira, maior liberdade de articulação e dominação do agronegócio sobre e sob o campo brasileiro, atingindo de maneira direta o pequeno agricultor e a agricultura camponesa.

Compreender o agronegócio brasileiro é outro ponto importante da pesquisa, no tocante de entender como essa atividade se territorializou na mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, primeiramente com a soja e recentemente com a expansão da monocultura canavieira. Portanto, o território é a categoria geográfica presente em nossa

tese devido às significativas transformações que o afetam através da atividade canavieira no país. Os diferentes usos do território provocam uma nova organização territorial, produz novas territorialidades, geram impactos frequentemente abordados nas atividades canavieiras e ainda revelam uma disputa territorial presente entre o modo de produção do agronegócio e dos pequenos produtores e camponeses.

Utilizaremos as concepções de território abordadas em Raffestin (1993), que o discute a partir de uma perspectiva política que envolve relações de poder. Como forma de compreender os usos do território e a divisão territorial do trabalho, nos apoiaremos nas discussões de Milton Santos (1986, 1996); e dentre outros autores que trazem diferentes abordagens do conceito de território.

Haesbaert (2004) identifica o território como fruto das relações sociais e das relações de poder, ou seja, como forma de integrar as perspectivas materialistas e idealistas, considera que o território envolve ao mesmo tempo a dimensão espacial material das relações sociais e o conjunto das representações sobre o espaço. O autor, em outra discussão, ainda traz uma definição do conceito de território partindo da multiterritorialidade a partir de três aspectos – político, no qual o território é visto como um espaço delimitado e controlado sobre o qual se exerce determinado poder, o território demarcado pelo Estado-nação; simbólico, em que o espaço passa a ser concebido pelos aspectos culturais, o território é produto da apropriação subjetiva do imaginário; e econômico, em que o território é visto através das relações econômicas como fonte de recursos no embate entre classes sociais e na relação capital-trabalho como produto da divisão territorial do trabalho. Segundo Haesbaert,

[...] todo território é, ao mesmo tempo e obrigatoriamente, em diferentes combinações, funcional e simbólico, pois exercemos domínio sobre o espaço tanto para realizar “funções” quanto para produzir “significados”. O território é funcional a começar pelo território como recurso, seja como proteção ou abrigo (“lar” para o nosso repouso), seja como fonte de “recursos naturais” – “matérias-primas” que variam em importância de acordo com o(s) modelo(s) de sociedade(s) vigente(s) (como é o caso do petróleo no atual modelo energético capitalista). (HAESBAERT, 2004, p. 3).

Outro conceito importante é o de reestruturação produtiva, compreendido como uma mudança nas formas de produção a partir de novos incrementos surgidos na produção agrícola que alteraram a forma, a qualidade, a escala e a extensão de diversas produções, dentre ela a cana-de-açúcar. Alterou-se também as relações produtivas entre os produtores

e os trabalhadores, no qual o trabalho que já era precarizado, encontra-se ameaçado diante as novas tecnologias inseridas no campo e a mecanização.

A reestruturação produtiva tanto pode ser compreendida como uma reestruturação da produção, como uma reestruturação do capital, essa, que por sua vez propiciou a entrada do capital externo, internacionalizando atividades como a sucroenergética e afetando o mundo do trabalho. Segundo Giovanni Alves, surge no interior da III Revolução Industrial um novo complexo de reestruturação produtiva, este “sob a mundialização do capital e do sócio-metabolismo da barbárie com a constituição do precário mundo do trabalho” e “o desenvolvimento do modo de produção capitalista- industrial ocorre através de intensos processos de reestruturação produtiva” (ALVES, 2007, p. 155). Segundo o autor, o complexo de reestruturação produtiva

[...] se expressa na medida em que se desenvolvem as alterações do processo de trabalho, algo que é intrínseco à lei da acumulação capitalista: a precarização da classe dos trabalhadores assalariados, que atinge não apenas, no sentido objetivo, a sua condição de emprego e salário mas, a sua consciência de classe. (ALVES, 2010, p. 9).

A internacionalização é o conceito chave de nossa pesquisa e as implicações territoriais da movimentação do capital externo é o objeto. Mas, esses conceitos são representados em nossa tese pela presença dos grupos estrangeiros atuantes no agronegócio canavieiro de Minas Gerais. Eles são os principais agentes envolvidos na pesquisa e serão abordados na seção seguinte.

Temas como o agrohidronegócio, a concentração e o preço da terra estão interligados de certa forma, pois a demanda por terras de qualidade e com disponibilidade hídrica é o principal objetivo dos produtores de cana. Todos esses fatores elevam o preço da terra nas regiões onde o agronegócio está presente, gerando uma concentração dessas terras nas mãos de empresários agroindustriais e uma disputa territorial.

Mais do que a disputa por terras para a produção canavieira, o que está em questão atualmente é a disputa por água. Nesse sentido, presenciamos outras disputas territoriais que vão além do acesso à terra e a expropriação camponesa. Estamos diante de uma disputa pelo acesso às melhores terras que contemplem todo o aparato necessário para a cultura canavieira: terras férteis e água. Diante disso, temos a discussão do agrohidronegócio, que envolve as disputas em torno da água.

A dinâmica dos negócios agropecuários, particularmente vinculados à expansão e consolidação da cana‐de‐açúcar, das plantas agroprocessadoras, na medida de sua estreita vinculação à apropriação privada da terra e das fontes de água ou dos recursos hídricos, estimula‐ nos a operar/aperfeiçoar o conceito de agronegócio. Ou seja, o sucesso do agronegócio não pode ser atribuído somente à sua fixação à territorialização e/ou monopolização das terras, mas também ao acesso e controle da água, assim como as demais etapas da cadeia produtiva, comercialização etc. (THOMAZ JUNIOR, 2012, p. 11).

O Triângulo Mineiro está presente no que Thomaz Junior (2010) denominou de Polígono (do Brasil Central) do Agrohidronegócio: uma demarcação territorial que contempla diferentes formas de expressão do agronegócio (soja, milho, eucalipto e cana- de-açúcar), na porção do território brasileiro da Bacia do Paraná, a contar com o Oeste de São Paulo, Leste do Mato Grosso do Sul, Noroeste do Paraná, Triângulo Mineiro e Sul- Sudoeste de Goiás, que representam a maior plantação de cana-de-açúcar e concentração de agroindústrias canavieiras, ou seja, o equivalente a 80%.

Como aponta Thomaz Junior (2010), os conflitos pela água referem-se principalmente ao uso da mesma pela agricultura, sobretudo para alimentar os pivôs centrais das mais modernas práticas de irrigação do agronegócio – na produção de

commodities para exportação. Mesmo que seu uso seja otimizado, é um volume

considerável de água que deixa de ser utilizada em outras atividades humanas, colaborando com a intensificação dos conflitos e preocupação ambiental, pois a “implementação dessas monoculturas, principalmente nas áreas de Cerrado alterou, sobremaneira, as paisagens cerradeiras” (MENDONÇA, 2010, p. 191-192), tornando-as cada vez mais excludentes, pois os territórios cerradeiros têm sido transformados em nome do progresso técnico e científico, implicando numa nova matriz espacial. Por fim, podemos considerar que o agrohidronegócio é o novo modelo de desenvolvimento econômico da agropecuária capitalista, porém, de uma forma perversa de exploração da Natureza e das estruturas sociais.

Quando analisamos as investidas do capital externo nas atividades econômicas do país, notamos um interesse de pessoas e empresas estrangeiras por terras brasileiras nos últimos anos, mais precisamente desde meados dos anos 2000, o que segundo Sauer (2011), foi despertado pela expansão das fronteiras agrícolas, as mudanças no Código Florestal, a oposição ferrenha à demarcação de terras indígenas e o reconhecimento de territórios quilombolas como o objetivo de liberar terras para expansão agropecuária. “Apesar de não ser um fenômeno inédito, o campo brasileiro está vivenciando um novo

ciclo de expansão do capital, resultando no avanço das fronteiras, alta dos preços das terras e acirramento dos conflitos fundiários e territoriais” (SAUER, 2011, p. 16).

Esse fenômeno é chamado de land grabbing (estrangeirização de terras) e tem levantado um importante debate na Geografia Agrária recente. A aquisição de terras brasileiras por estrangeiros para a produção de commodities aumenta os conflitos e disputas territoriais e elevam o preço da terra. Devido à gravidade do fenômeno da estrangeirização de terras, esta se tornou um dos objetivos de nossa pesquisa. A estrangeirização de terras no setor sucroenergético mineiro, sobretudo na mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, ocorre por meio de um controle de terras, pois os investimentos dos grupos estrangeiros na região são voltados ao desenvolvimento tecnológico e aumento da produtividade, sem necessariamente existir compra de terras. Na região, por exemplo, a atuação dos grupos estrangeiros se dá no arrendamento de terras e não em sua posse.

O uso do território para práticas capitalistas de produção tem como efeito uma valorização no preço das terras e, consequentemente uma concentração de terras nas mãos de grandes proprietários, dificultando a reprodução camponesa. O Triângulo Mineiro é uma das regiões em que as propriedades rurais estão entre as mais caras do país. Segundo dados compilados pela consultoria em agronegócios Economics FNP, “um hectare que custava, em média, R$ 2.200 em 2003 atualmente não custa menos de R$ 7.000” (G1 – Triângulo Mineiro, 2013). Antes, nos anos 1990, a pecuária era responsável por essa valorização, e atualmente a cana-de-açúcar, utilizando áreas de pastagens degradadas, “melhoram” essas terras para o plantio da cana, valorizando-as de acordo com a reportagem.

Os principais conceitos foram apresentados de forma sucinta nessa seção inicial, pois os mesmos comparecerão de forma detalhada ao longo da pesquisa. O quadro 2 apresenta esses conceitos tentando fazendo uma relação com a pesquisa.

Quadro 2: Conceitos/temas ou assuntos chaves da tese

(Continua)

Conceitos/Temas Relação com a pesquisa Principais referenciais

teóricos

Agronegócio canavieiro/ Setor sucroenergético

Temática central que envolve a pesquisa, ramificando para temas específicos como a internacionalização e as ações regionais do capital externo. - Ricardo Castillo (2013) - Pedro Ramos (2007) - Guilherme Delgado (1985), (2012) Políticas públicas

Compreensão das políticas públicas responsáveis pelo desenvolvimento do agronegócio canavieiro e as políticas de estado, voltadas especificamente para Minas Gerais.

- Silvio Carlos Bray (2000) - Walter Belik (2007)

Quadro 2: Conceitos/temas ou assuntos chaves da tese

(Conclusão)

Conceitos/Temas Relação com a pesquisa Principais referenciais

teóricos

Território/ territorialização

Principal categoria geográfica presente na pesquisa. O território como agente que sofre transformações através da atividade canavieira, devido aso diferentes usos do território que provocam uma nova organização territorial, produz novas territorialidades e ainda revelam uma disputa territorial entre a agricultura capitalista e a agricultura camponesa.

- Claude Raffestin (1993) - Rogério Haesbaert (2002), (2013)

- Georges Benko; Bernard Pecqueur (2001)

Reestruturação produtiva

Conceito importante para compreensão das novas configurações do capital na agricultura brasileira, com ênfase para o agronegócio canavieiro.

- Giovanni Alves (2007) - Danton Leonel de Camargo Bini (2009)

Trabalho

Categoria explorada nas discussões do setor sucroenergético quanto as formas e organizações. A migração e a precarização do trabalho como formas de exploração do trabalhador rural.

- Ricardo Antunes (1999), (2009)

- Giovanni Alves (2007) - Maria Luiza Mendonça (2010) - Relatórios de Direitos Humanos (2010 a 2016)

Internacionalização, Grupos estrangeiros e o capital externo

Conjunto de elementos principais da pesquisa. O primeiro se divide entre internacionalização do setor sucroenergético, do capital, da produção, etc. Tudo o que se internacionaliza com a presença dos grupos estrangeiros. Os grupos estrangeiros são os agentes envolvidos na pesquisa. Em Minas Gerais consideramos os grupos: Adecoagro, ADM, LDC, BP, Dow-chemical/Mitsui e Infinity Bio Energy.

Delimitado como objeto de pesquisa, no qual o foco da análise serão as ações do capital externo voltadas ao setor sucroenergético do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba (MG).

- Maria Domingues Benneti (2009)

- George Flexor (2007)

- José Paulo Pietrafesa (2014), (2016)

- François Chesnais (1996) - Guilherme Delgado (1985), (2012)

- Eliseu Savério Spósito; Leandro Bruno Santos (2012) - Ariovaldo Umbelino Oliveira (2010), (2016)

- Sites das Empresas

Estrangeirização x internacionalização

Dois conceitos diferentes que podem se relacionar, porém deve-se ter cuidado ao diferenciá-los e analisa-los, no contexto do agronegócio canavieiro do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba (MG).

- Sérgio Sauer (2010), (2011) - Sérgio Sauer; Saturnino Borras Jr (2016)

- Ariovaldo Umbelino Oliveira (2010)

- Bernardo Mançano Fernandes (2011)

- DATALUTA Agrohidronegócio

Temática relevante que envolve as disputas territoriais por terras com disponibilidade hídrica e seus usos no agronegócio.

- Antonio Thomáz Junior (2010), (2012)

- Marcelo Rodrigues Mendonça (2010)

Concentração e preço da terra

Demanda por terras férteis e estrategicamente localizadas geram uma concentração de terras nas mãos de grandes produtores e um aumento no preço da terra, dificultando o acesso, a produção e a permanência dos pequenos produtores na região.

- Sérgio Sauer (2010) - Emater-MG - INCRA

Como exemplificado no quadro 2, cada conceito/tema tem sua relevância quando analisamos o agronegócio canavieiro, e eles são compreendidos através de leituras, pesquisas, levantamento teórico e análise de dados que são outros processos da metodologia do trabalho. Esses processos serão descritos no item seguinte como forma de construção da pesquisa em si, demonstrando cada passo para o avanço das discussões teóricas e informações obtidas por meio do levantamento de dados em pesquisa de campo, seja essa no campo em si – no contato com as usinas, ou obtidos através de fontes secundárias oficias de órgãos e instituições referentes ao setor sucroenergético, aos grupos e as usinas.

1.4.2. As diferentes fontes de pesquisa: acadêmicas, técnicas e oficiais (secundárias)