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A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

1.3 Normatividade dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Acessibilidade

1.3.1 A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

Em 13 de dezembro de 2006, a ONU adotou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a qual passou a vigorar em 03 de maio de 2008, sendo promulgada no Brasil pelo Decreto Nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. No início do seu Artigo 1º apresenta o propósito de “promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente”. Segundo Piovesan (2011):

A Convenção surge como resposta da comunidade internacional à longa história de discriminação, exclusão e desumanização das pessoas com deficiência. É inovadora em muitos aspectos, tendo sido o tratado de direitos humanos mais rapidamente negociado e o primeiro do século XXI. Incorpora uma mudança de perspectiva, sendo um relevante instrumento para a alteração da percepção da deficiência, reconhecendo que todas as pessoas devem ter a oportunidade de alcançar de forma plena o seu potencial.

No preâmbulo da Convenção os Estados Partes reconhecem a importância da acessibilidade aos meios físico, social, econômico e cultural, à saúde, à educação e à informação e comunicação, para possibilitar às pessoas com deficiência o pleno desfrute de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. Cabe, então, aos Estados adotar ajustes, adaptações ou modificações razoáveis e apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o exercício dos direitos humanos em igualdade de condições com as demais (PIOVESAN, 2011).

Nessa mesma linha, dentre os oito princípios inspiradores da Convenção, destaca-se a acessibilidade. As definições do Artigo 2º apontam para a efetivação dos seus objetivos em relação às pessoas com deficiência:

- “Discriminação por motivo de deficiência” significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nas esferas política, econômica, social, cultural, civil ou qualquer outra.

Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável. (grifamos)

- “Ajustamento razoável” significa a modificação necessária e adequada e os ajustes que não acarretem um ônus desproporcional ou indevido, quando necessários em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam desfrutar ou exercitar, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais (ONU, 2006).

Destaca-se que o objetivo humanista da Convenção contempla uma visão jurídica inovadora a respeito da pessoa com deficiência, pois a deficiência não se justifica mais pelas limitações pessoais decorrentes de uma patologia, sendo substituído o chamado “modelo médico”, que objetiva reabilitar a pessoa anormal para se adequar à sociedade, por um “modelo social humanitário”, cujo escopo é reabilitar a sociedade para eliminar os entraves e os muros de exclusão, garantindo-lhe uma vida independente e a possibilidade de ser inserido em comunidade. Nesse sentido, o preâmbulo da Convenção dispôs que a deficiência é um “conceito em evolução” e que a deficiência “resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas” (ONU, 2006).

Na obra A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Comentada, elaborada pela CORDE3, são focadas as tecnologias assistivas que, adequadas às pessoas com deficiência visual ou auditiva, proporcionam a sua participação em conferências que tenham

3 Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, órgão integrante da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Presidência da República.

vídeos, palestras somente faladas ou com qualquer outro tipo de barreira de comunicação. A utilização do braile, da língua brasileira de sinais, da audiodescrição, da legenda oculta ou não, do sistema DAISY para livros em formatos acessíveis, e muitas outras formas de adequação da informação às pessoas com deficiência estão atualmente disponíveis, apesar de muito pouco ou nada utilizadas pelas emissoras de televisão, editoras de livros, companhias telefônicas, conferencistas, etc., pois permanecem desconhecidas pelas pessoas em geral.

Ainda, de acordo com essa publicação informativa, a internet oferece serviços de utilidade pública, comerciais e de entretenimento, que ajudam a todos. Parece ser natural que as pessoas que tenham mais dificuldades de mobilidade para irem a um banco, supermercado, lojas de compras, de verificarem andamento de processos, lerem jornais e outros serviços que demandariam locomoção ou ajuda de outras pessoas para serem realizados, sejam nela incluídas, proporcionando-lhes liberdade de ação, comunicação e obtenção de informações (CORDE, 2008).

Nesse sentido, todas as iniciativas em termos de políticas públicas devem buscar neutralizar ou minimizar os efeitos negativos da desvantagem no deslocamento das pessoas com mobilidade reduzida, causados pela existência de barreiras físicas, considerando que esses processos garantem os princípios de independência, autonomia e dignidade, de forma individual e coletiva. Adicionalmente, ao garantir o ir e vir das pessoas com deficiência criam-se situações de conforto e segurança para toda a população. (CORDE, 2008)

O direito à acessibilidade das pessoas com deficiência é tratado especificamente no Artigo 9º da Convenção:

A fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver com autonomia e participar plenamente de todos os aspectos da vida, os Estados Partes deverão tomar

as medidas apropriadas para assegurar-lhes o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ou propiciados ao público, tanto na zona urbana como na rural. Estas medidas, que deverão incluir a identificação e a eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade,

deverão ser aplicadas, entre outros, a:

a. Edifícios, rodovias, meios de transporte e outras instalações internas e externas, inclusive escolas, moradia, instalações médicas e local de trabalho; e

b. Informações, comunicações e outros serviços, inclusive serviços eletrônicos e serviços de emergência. (grifamos)

Assim, a acessibilidade é estabelecida como ferramenta para que as pessoas com deficiência possam concretizar sua autonomia na vida em sociedade em todos os aspectos, não só em relação à acessibilidade ao meio físico, considerando o acesso universal ao espaço, sem

barreiras; mas também no que tange aos meios de informação e comunicação, com utilização de tecnologia específica, para que o acesso seja pleno e possível. Cite-se, por exemplo, a tecnologia que existe, atualmente, para a comunicação por telefone com uma pessoa surda, apesar de esse meio de comunicação ser prioritariamente auditivo; da mesma forma, a pessoa cega ou com limitação física severa pode se comunicar via internet, escrever, ler e navegar por suas páginas; já é possível assistir televisão, filmes e noticiários, sem que alguém tenha que ajudar a descrever as cenas mudas para um assistente cego ou narrar, por meio de sinais, os diálogos televisivos para uma pessoa surda.

Cabe ressaltar que a acessibilidade destacada na Convenção se refere essencialmente aos ajustes que precisam ser feitos como condição de promoção da efetiva igualdade e de eliminação da discriminação em relação às pessoas com deficiência. Para tanto, os Estados que a adotam se comprometem a providenciar as medidas eficazes que promovam a acessibilidade, entendida como um fator de qualidade de vida, e a garantir os instrumentos administrativos, legais e de prática cotidiana norteados na Convenção para a inclusão das pessoas com deficiência.